O governo se comprometeu a equilibrar as contas públicas nos próximos anos. O arcabouço fiscal limita o crescimento da despesa, mas não é suficiente. A principal variável de ajuste proposta é o aumento da arrecadação. 

Como menciona o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro Nacional, até 2026 a receita precisará crescer 2,5% do PIB, algo como R$ 290 bilhões em valores de 2023. Um recente relatório do FMI apresenta números similares.

A equipe econômica tem seguidamente anunciado medidas para aumentar a arrecadação. O problema tem sido a falta de transparência sobre as bases de cálculo utilizadas. Não se sabe como foram estimados os impactos de cada proposta. Com frequência, os números anunciados parecem inflados, sendo posteriormente revisados para baixo.

O mesmo tem ocorrido com as metas de ajuste fiscal. A proposta inicial de déficit de 0,5% do PIB para 2023 foi abandonada sem qualquer explicação. Fala-se, agora, em déficit de 1%, mas os próprios relatórios oficiais apontam para 1,36% do PIB.

A dança dos números compromete a credibilidade da política econômica. As estimativas de mercado indicam pouca crença de que o governo irá cumprir o que prometeu no começo do ano. Esse problema é agravado pela pouca transparência sobre as bases de cálculo utilizadas para estimar as medidas de aumento da arrecadação.

Resta a dúvida: Como o governo irá reagir caso o resultado fiscal seja bem pior do que o anunciado? A equipe econômica será transparente a respeito dos problemas? Esperamos que não haja mais informes oficiais maquiados, como ocorreu em 2013 e 2014.

Uma vez tomada a decisão de fazer o ajuste fiscal pelo aumento da receita, os números do aumento da arrecadação se tornaram uma variável crucial, da qual depende o sucesso ou o fracasso da estratégia de política econômica.

O aumento das despesas já está contratado. A aprovação da PEC da Transição elevou os gastos federais em 2% do PIB. A revogação do Teto de Gastos fará com que as despesas mínimas com saúde, educação e emendas parlamentares obrigatórias voltem a subir no mesmo ritmo do crescimento da receita. A decisão do governo em dar aumentos reais anuais ao salário mínimo também implicará aumento de gastos. O novo arcabouço fixou um piso para os gastos com investimentos.

Houve a opção do governo e do Congresso pelo aumento de despesas, e restou à equipe econômica controlar o déficit e a dívida pública pelo lado da receita. Em abril, publicamos artigo com coautores neste Brazil Journal alertando para a necessidade de um forte aumento de receita em decorrência da leniência com o aumento de despesas, subestimadas no primeiro relatório bimestral do Tesouro Nacional. As novas projeções do ministério da Fazenda confirmam as nossas projeções, como documentamos adiante.

As metas de resultado primário para o período 2024-26, estabelecidas pela equipe econômica, requerem aumento expressivo da arrecadação. O governo tem anunciado diversas medidas. Contudo, essas promessas carecem de informações detalhadas que permitam ao País avaliar a factibilidade dos números apresentados.

Se o governo quiser garantir a credibilidade de sua política econômica, precisará demonstrar a consistência de suas estimativas de receita e despesa do setor público. Por isso, é essencial que seja disponibilizado o cálculo detalhado do impacto fiscal das principais medidas propostas.

Como o cenário muda frequentemente, com algumas medidas sendo descartadas (lembremos da tributação sobre as importações de baixo valor, anunciada e depois cancelada) e outras novas acrescentadas à lista, o ideal seria um painel online, atualizado a cada mudança relevante no conjunto de medidas, ou nos parâmetros em que se baseiam as estimativas. Também muito importante seria o detalhamento da metodologia de estimação. E, se possível, ao longo dos meses, indicação da arrecadação realizada de cada medida.

Por ora, o que se tem visto são números saídos de uma caixa preta, sem qualquer explicação ou embasamento. Tem sido demasiadamente usual a redução dos valores estimados após questionamentos. Por exemplo, menos de dois meses atrás, o Ministro da Fazenda dizia que a tributação de apostas esportivas renderia de R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões. Os números que circulam atualmente pela imprensa falam em apenas R$ 2 bilhões. A mudança nas regras do CARF aparece com impacto entre R$ 40 bilhões e R$ 60 bilhões. Quanto será o aumento recorrente de arrecadação, a ser obtido anualmente daqui para a frente? Quanto será o que será obtido uma única vez, em cima do estoque de processos existentes?

A decisão do STJ que limitou a redução da base de cálculo da CSLL e do IRPJ, mediante restrições à dedução de ICMS objeto de incentivo fiscal estadual, representaria ganhos de R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões, segundo declarações de autoridades à imprensa feitas em abril. Esse valor agora está entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões.

A Medida Provisória 1.159/23 estimava, em sua exposição de motivos, que a exclusão do ICMS do cálculo dos créditos para fins de apuração do PIS/Cofins renderia R$ 58 bilhões em 2024. Esse número já caiu para R$ 40 bilhões.

Essas informações díspares são reportadas por autoridades do governo, muitas vezes de maneira desorganizada e informal. A incerteza é ainda maior em razão da forma como esse aumento da receita é proposto.

A maior parte das medidas anunciadas pelo governo passa por criativas decisões judiciais, sujeitas a recursos por parte dos contribuintes e questionamentos sobre a sua extensão. A Receita Federal por vezes persevera em reinterpretar a legislação para aumentar a arrecadação. O Ministério da Fazenda anuncia novos tributos.

Nada fácil estimar o aumento da arrecadação sem acesso aos detalhes dessas medidas. Como empresas e famílias irão reagir às novas regras ou decisões judiciais? Os detalhes importam. O governo, contudo, parece preferir os anúncios bombásticos, descuidando da técnica que permite avaliar o impacto das medidas.

A insegurança em relação aos números oficiais aumenta quando se observa como o governo vem tratando os dados fiscais de 2023. No início do ano, o Ministério da Fazenda anunciou que perseguiria uma meta de déficit primário de 0,5% do PIB para 2023. Depois, a meta foi alterada para um déficit de 1% do PIB, sem qualquer justificativa explícita de porque estaria abandonando a meta anterior. Mas os números oficiais já estão em 1,36% do PIB.

No primeiro relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, foram desconsiderados gastos que já estavam contratados, como o aumento do salário mínimo, o piso da enfermagem e o ressarcimento aos estados pela queda de receita do ICMS, ao mesmo tempo em que não se incluiu a perda de receita com o reajuste da tabela do Imposto de Renda.

À medida que os números fiscais foram se realizando, o governo teve que admitir a piora do quadro fiscal. A tabela abaixo mostra que desde o primeiro relatório bimestral as receitas estimadas caem, as despesas sobem e, consequentemente, o déficit estimado para o ano já cresceu 35%.

Em abril já apontávamos que a despesa primária de 2023 seria de R$ 2,054 bilhões. Fomos criticados por excesso de pessimismo. Ocorre que, agora, este é o número oficial mais recente do Tesouro.

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Marcos Lisboa e Marcos Mendes são economistas.