Confesso que quando ouvi falar em metaverso tive uma certa dificuldade em entender.

Tenho 65 anos e continuo muito curioso com tudo que não para de acontecer. Mas a velocidade dos descartes me assusta um pouco.

Que mundo é esse em que vamos poder participar de qualquer outra aventura na estrada virtual? Que tecnologia é essa que nos teletransporta sem sair do lugar?

Fico me perguntando sem encontrar as respostas – mas quando você menos espera, elas surgem.

Para minha sorte, acho que acabo de viver minha primeira experiência ‘metavérsica.’ O filme The Beatles: Get Back (Disney+) – três episódios de duas horas e meia cada, dirigidos por Peter Jackson – é uma aula prática de como entender o futuro fazendo uma viagem ao passado, neste presente que está sempre passando.

Esse documentário, que na verdade deveria ser chamado de documento pela sua grandeza histórica, permite à audiência não apenas conhecer os bastidores de uma gravação, como também os momentos finais de uma revolução.

Quem viveu desde a infância o surgimento dos Beatles sempre entenderá por que eles foram revolucionários e, mesmo não mais existindo, continuam o sendo.

Mas o que importa é a experiência de sentir e quase poder tocar junto com eles durante a gravação dos ensaios daquele que viria ser o álbum “Let it Be”, muito depois da última apresentação do grupo em 1966.

A gravação do reencontro, que começou em 2 de janeiro de 1969, trouxe ao mundo uma intimidade jamais conhecida pelo grande público. A sensação é de que velhos amigos da juventude estavam ali para matar as saudades – fazendo o que mais gostavam.

A vibração das energias nesse reencontro se transformou num oceano de inspirações. Nós que estamos acostumados a ouvir os Beatles jamais saberíamos que a música “Get Back” nasce naquele momento. De repente, Paul começa a dedilhar no seu baixo os primeiros acordes, sob o olhar de surpresa e admiração de John, George e Ringo. Estes, como se já conhecessem a música, seguem juntos, criando um novo super clássico.

Como o filme é (eu disse) ‘metavérsico’, você consegue sentir a personalidade dos quatro garotos de Liverpool como se estivesse lá.

John: um tipo irônico, brincalhão, resolvido e feliz com o amor da sua vida. Impressionante a importância e sutileza de Yoko durante toda a gravação. Desmistificando a ideia de ter sido a responsável pelo fim da banda.

Maestro Paul: obrigado por confirmar tudo que já sabíamos. Absurdamente talentoso e com doses necessárias de racionalidade para fazer a coisa acontecer.

Sua companheira Linda, linda e mãe de uma menina (Heather) que durante a gravação usa o estúdio como seu parque de diversões, sem dar a menor bola para o fato de estar ali com os caras mais importantes da música no século XX.

Ringo: o de bem com a vida. Baterista convidado para compor a banda ainda nos tempos do Cavern Club, parecia ser sempre o mesmo. Leve e solto, fazendo a sua parte.

George me surpreendeu. Eu conhecia sua espiritualidade, suas músicas e sua generosidade. Mas não conhecia sua insegurança.
O mais frágil dos quatro. Nunca menos talentoso.

E finalmente o mundo passa a entender, a partir deste documento, que caso os Beatles tivessem continuado, ali teria surgido o quinto Beatle. Aquele que seria conhecido como o Beatle Negro.

Billy Preston, convidado a preencher uma lacuna no grupo – o suingue e os sons de um teclado – através da sua participação discreta e talentosa, sem nada impor, simplesmente traz sons que não existiam antes.

Não tenho dúvidas que se ali não fosse a última valsa, o grupo seguiria com cinco integrantes.

Infelizmente, o sonho acabou quando as gravações terminaram.

A última cena ao vivo é apoteótica: a imagem, que já rodou o mundo, da banda tocando no rooftop da sede da Apple Music – a Apple raiz. E assim, num dia ordinário qualquer, o som extraordinário dos Beatles invadiu as ruas de Londres com seus últimos acordes públicos.

Muita gente não entendeu. A polícia foi chamada e chegou ameaçando prender todo mundo, alegando perturbação da paz.

Fico pensando o que aconteceria se fosse nos intolerantes dias de hoje, onde qualquer manifestação popular se transforma em guerra ideológica.

Ainda temos Paul e Ringo entre nós, mas que falta fazem os Beatles. Que bom que suas músicas continuam sendo atuais.

Se hoje pudéssemos imaginá-los num terraço, certamente estariam juntos, gritando e cantando: “All we are saying/Is give peace a chance.”

 

José Pedro Sirotsky é o produtor de “Mr. Dreamer”, um documentário autobiográfico e uma carta de amor à música.

 

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