Mesmo conhecidos como os “borgonhas de Portugal”, os vinhos do Dão nunca receberam o mesmo nível de reconhecimento internacional de seus vizinhos famosos do sul e do norte, como o Alentejo e o Douro.

Mas nos últimos anos, uma nova geração de produtores e herdeiros de velhas propriedades iniciou um importante processo de transformação da região, criando vinhos supreendentemente gastronômicos, elegantes e delicados – e fazendo jus ao apelido.

Protegido pelas montanhas dos ventos do Atlântico e do calor proveniente da Espanha, o Dão fica no centro de Portugal – entre as cidades de Coimbra e Vizeu – possui um clima temperado, solos de granito e xisto, e altitudes entre 400 e 700 metros.

A região se destaca pelos vinhos feitos com Touriga Nacional, a mais conhecida das castas portuguesas. Mas para mim, a grande beleza da região é permitir a descoberta de novas uvas, ainda relativamente desconhecidas pelo consumidor brasileiro, como Encruzado, Alfrocheiro Preto e Jaen.

Ligia Santos“Julgo que os vinhos do Dão, que sempre foram famosos por serem mais elegantes e menos concentrados, estão vivendo um bom momento,” diz Lígia Santos, responsável por uma das vinícolas da nova geração do Dão, a Caminhos Cruzados.

“Por um lado, o consumidor está mais aberto a experimentar outras regiões e não beber sempre os mesmos vinhos, o que abre portas a regiões menos massificadas como a nossa. Por outro, hoje em dia a tendência é procurar vinhos mais frescos, elegantes, com boa acidez natural. O Dão sempre foi tudo isso, e ainda consegue produzir vinhos que podem ser apreciados por longos anos.”

Os vinhos do Dão se beneficiam diretamente da tradição portuguesa de mesclar castas diferentes, (muitas praticamente desconhecidas fora do país), para elaborar blends únicos que refletem a personalidade do terroir local. Enquanto a Touriga Nacional faz vinhos encorpados, intensos e com boa graduação alcoólica, a Alfrocheiro Preto e a Jaen agregam complexidade, aromas finos e taninos macios. Essa combinação possui inclusive grande capacidade de guarda e envelhecimento.

Em relação aos brancos, outra casta símbolo do Dão, a Encruzado, caracteriza-se, na definição da Revista de Vinhos, de Portugal, “por dar origem a vinhos sérios e estruturados, untuosos e de extraordinária capacidade de guarda”. Beneficia-se muito também do uso de madeira nova para lhe agregar “apoio aromático, sem se deixar dominar”.

Segundo Lígia, “uma novidade é que nos últimos anos começaram a ser feitas experiências com monovarietais (vinhos de apenas uma casta) com muito sucesso. Na Caminhos Cruzados, sempre apostamos muito no monovarietal de Encruzado, que já é a nossa bandeira. Também fizemos monovarietais de Alfrocheiro Preto e de Jaen e ficamos muito felizes com o resultado.”

A transformação do Dão chamou a atenção de Robert Parker, a principal autoridade global  em vinhos (para o bem e para o mal). Em agosto do ano passado, um relatório do crítico Mark Squires, da equipe da Wine Advocate (publicação de Parker), analisou 115 vinhos do Dão e classificou 73 deles com 90 ou mais pontos.

Em seu relatório, Squires mostra que amou o Dão. “A energia na região hoje é sobre qualidade, e há um número crescente de produtores para admirar. As mudanças vieram na última geração e mais estão por vir. Se a mudança parasse por aqui, você ainda precisaria conhecer esta região e os maravilhosos vinhos que produz. Mas não vai parar por aqui. Por melhor que seja a região hoje, conte com o tempo que ela ficará maior e melhor,” escreveu o crítico.

O grande destaque do relatório da Wine Advocate foi um produtor cujos primeiros registros datam de 1527, a Quinta da Pellada. Com cinco vinhos que mereceram notas de 95 para cima dos críticos de Parker, a vinícola emplacou o mais bem avaliado da lista: o Quinta da Pellada Carrocel 2018, com 97 pontos:

“Simplesmente maravilhoso (…). Ainda é muito jovem e vibrante, mesmo que os taninos estejam principalmente maduros. Este vinho gracioso e maravilhosamente elegante depende da discrição e do frescor, mas quanto mais você beber, mais vai querer,” avaliou Squires.

Outros produtores velhos conhecidos do mercado brasileiro também se destacaram na avaliação da Wine Advocate, como Quinta da Falorca, Casa da Passarella, Ribeiro Santo, Julia Kemper e Quinta dos Roques, entre outros.

 

Flávio Ribeiro de Castro ama comida, vinhos e charutos.