Eduardo Lyra cresceu num barraco de chão de terra batida em Guarulhos. A mãe era doméstica; o pai tinha passagem pela prisão. Viu amigos e um primo serem assassinados e decidiu que não queria morrer com um tiro na cara. 

Aos 24, desafiando as probabilidades, Edu já havia entrado para o jet set de lideranças globais e fundações de grandes grupos empresariais do País. O Fórum Econômico Mundial o nomeou um ‘Global Shaper’, um jovem líder com o potencial de fazer a diferença no mundo. Na época, dava palestras motivacionais para jovens da periferia, desafiando-os a romper, como ele, com as inevitabilidades da vida. 

10328 13de6345 8418 0004 0057 f6ea4e8895b9Sua própria motivação veio da mãe, que sempre dizia: “O que importa não é de onde você vem, mas para onde vai.”

As palavras de dona Maria Gorete caíram num coração fértil.

Quatro anos atrás, Edu fundou o Instituto Gerando Falcões, que já impacta 800 famílias fazendo uso, no fim de semana, do espaço ocioso de uma escola municipal em Poá, no extremo leste da Grande São Paulo.

Além de atividades culturais (música, pintura, dança e teatro) e esportivas (tênis, boxe, skate e futsal), o GF fez parcerias com empresas para ensinar skills que permitam ao jovem ter renda: cursos de programação (Oracle e Microsoft), logística, sommelier (Bueno Wines, de Galvão Bueno), atendimento em aeroportos e operador de rampas (Azul). Há também um programa de recolocação de ex-detentos no mercado de trabalho. 

Agora, Edu quer transformar a Gerando Falcões num modelo de franquia social capaz de replicar o experimento de Poá e transformar a vida de milhares de jovens das periferias em todo o país, principalmente por meio da construção da autoconfiança. 

A expectativa é lançar o modelo antes do fim do ano e selecionar os primeiros franqueados no início de 2018.

“Me preocupa não o mês que vem, mas daqui a 60 anos. E por que estou fazendo esse negócio? Não é para ganhar prêmio, ser famoso e frequentar jantares. Quero outra vida para os jovens da periferia. O próximo Bill Gates tem que sair das comunidades.” 

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“Minha mãe é o pivô de tudo. Sem ela eu estaria chefiando quadrilha de drogas.”

O incentivo materno construiu a autoestima que o levou a cursar jornalismo na Universidade Mogi das Cruzes. E também a trancar o curso depois de ouvir de um professor que não tinha futuro na profissão. Largou a faculdade, mas não a gana de vencer. Partiu para projetos independentes de livros-reportagem. Publicou “Dialogando com Lideranças”, coletânea de entrevistas com os personagens mais diversos, como Fernando Collor, José Dirceu, Marina Silva, Fernando Morais e MV Bill; e “Jovens Falcões”, que narra a história de 14 jovens vencedores brasileiros que, assim como ele, saíram do zero. A contra-capa é assinada por Nizan Guanaes, hoje conselheiro do GF. 

Um dos trunfos de Edu para circular com desenvoltura nas altas rodas é não se meter em política partidária. Mas, na sua própria comunidade, é tratado como se fosse um político: não sai na rua em Poá sem que algum vizinho peça uma ajuda para comprar óculos para o filho, ou inteirar o dinheiro de um remédio. Conhece todos pelo nome, distribui abraços carinhosos, sabe os dramas e dificuldades de cada um. 

No dia em que foi nomeado um Global Shaper, foi procurado por Patrícia Villela Marino, mulher de Ricardo Villela Marino, da família controladora do Itaú. Vice-presidente do Instituto PDR, Patrícia lhe ofereceu ‘seed money’ para custear o Gerando Falcões em seus primeiros meses e algo ainda mais valioso: coaching de liderança e gestão para o projeto ter vida longa. E assim a ONG passou a trabalhar com plano de metas, auditoria externa e instituiu um time de conselheiros. 

Quando o seed money acabou, Edu buscou ajuda de outro jovem líder de impacto social, Pedro Henrique de Cristo, mestre em Harvard e que trabalha em favelas do Rio de Janeiro. “Ele me apresentou ao Jorge Paulo [Lemann], que doou uma grana e me falou: ‘Vai que dá. Pensa grande e vai atrás de outros Edus nas favelas’.” 
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JP doou também seu tempo e passou um dia fazendo mentoria para as lideranças do GF. Segundo, Edu, o 22º homem mais rico do mundo parecia uma criança feliz. Ano passado, JP foi o centro de um almoço beneficente para 500 pessoas para arrecadar fundos para o GF. Os convites foram leiloados e teve gente que pagou R$ 150 mil.

Agora, Edu e JP mantêm contato regular e discutem a materialização da franquia.

“Não faz sentido tanto esforço se não for para perpetuar”, diz Edu, que conversou com o Brazil Journal numa tarde de abril, pouco antes de uma sessão de mentoria com Bernardo Paiva, o CEO da Ambev. Semanas depois, embarcaria para um curso de liderança de quase três meses em Harvard, com uma bolsa bancada por JP. “Quero ir para o mundo sem nunca perder meus valores e o foco do que me fez começar.”

O projeto da franquia está sendo desenhado por um time de consultorias de peso, trabalhando pro bono ou quase isso, entre eles a Accenture e a Cherto.

A Accenture está definindo o perfil dos novos ‘Edus’ e montando um programa de capacitação, além de desenhar o modelo de financiamento. Uma das possibilidades em análise é a captação de recursos por assinatura, atraindo pequenos doadores.

Marcelo Cherto, um dos maiores consultores de franquia do país — e que há mais de 20 anos desenvolve projetos para o terceiro setor — está desenhando a franquia do GF. “Essas entidades não podem ficar dependendo só de doador, tem que ter um modelo para perpetuar,” diz Cherto. 

O Brasil tem hoje cerca de 20 franquias sociais em operação. Uma das mais antigas é a Formare, um modelo de curso profissionalizante da Fundação Iochpe realizado dentro de empresas e com 100 unidades em funcionamento. 

As franquias sociais usam as mesmas ferramentas, processos e treinamentos de um Boticário, Wizard ou Bob’s. “Precisa gerar resultado para poder gerar impacto. Também tem de ter contrato, circular de oferta de franquia, como manda a lei de franquias,” diz Cherto.

O segredo de uma franquia social é conseguir definir o que é essencial para a identidade do projeto e o que deve ser flexibilizado para permitir a expansão. 

Mas, assim como acontece na sucessão de um fundador-CEO, o que fazer quando o essencial está personificado num indivíduo, como é o caso de Edu?

 
Cherto explica: “Tem que ter processo para escolher os Edus. E formar Edus. Dá trabalho, mas tem solução. Não consigo replicar Picassos, mas consigo replicar uma escola de pintura que ensine o método do Picasso de pintar. Muito do que o Edu faz é processo. Sem perceber, ele tem métodos, sequências de procedimentos. Isso é replicável.”