Em agosto de 2016, Rogério Fasano e sua mulher Ana Joma receberam uma entrega inusitada em casa. Dois carregadores chegaram num caminhão trazendo um colchão king size que não havia sido encomendado. Os Fasano não suspeitavam, mas o colchão era um protótipo e sua fabricante, a Zissou, ainda não havia feito nenhuma venda.

10396 28c68977 a31a 00ab 0000 cc1c952e228bMas a tacada arrojada rendeu: Rogério dormiu em berço esplêndido e se encantou com o produto, que, depois da prova de fogo, entrou na concorrência para equipar o novo hotel de sua marca, em Angra dos Reis. Meses depois, a Zissou ganhou a disputa, desbancando fabricantes nacionais e importados muito mais tradicionais.

Andreas Burmeister, um dos entregadores, e seus dois sócios Amit Eisler e Ilan Vasserman não querem só vender colchões, mas revolucionar como o brasileiro dorme e se relaciona com o sono – além de trazer algum mojo para um dos segmentos menos sexy e mais desajeitados do varejo brasileiro.

A Zissou tem uma linha de colchões em cinco tamanhos, artesanalmente desenvolvida para agradar as colunas mais exigentes. A primeira ‘disrupção’ está na embalagem: prensados a vácuo, eles cabem em caixas de 1,15 metro de altura, por 45 centímetros e largura e profundidade. Nada de içar ou subir dezenas de andares com um trambolho nas costas: teve cliente que já levou um colchão de casal da loja para casa de metrô.

A segunda revolução está no modelo de negócios que a caixinha oferece. Com estoque muito menos custoso por conta do tamanho reduzido dos produtos, a Zissou vende colchões online. Para convencer o consumidor a comprar sem provar, a marca dá 100 dias de test drive de graça: se você não gostar do que comprou, recebe seu dinheiro de volta.

Dados da indústria mostram que os fabricantes de colchões movimentam R$ 6,5 bilhões ao ano no Brasil – cerca de 22 milhões de brasileiros trocam de cama anualmente. O mercado é fragmentado e ineficiente. Os varejistas são pulverizados e, muitas vezes, informais. As lojas são amplas e pagam aluguel caro por conta do espaço necessário para exibir os modelos e manejar o estoque. A logística é um pesadelo e o custo de transporte chega a representar mais da metade do valor na fábrica.

“Cortamos o intermediário e temos uma linha de produtos enxuta. Por isso conseguimos oferecer um preço interessante para um produto de qualidade muito superior”, diz Amit. Na Zissou, o colchão de solteiro sai por R$ 2.900 e o king size, R$ 5.600. A garantia é de cinco anos. A Zissou fez sua primeira venda em junho do ano passado, e hoje fatura cerca de R$ 100 mil por mês.

Mais do que entender de sono, os fundadores entendem da falta dele. Amit e Andreas se conheceram quando trabalhavam na filial brasileira da startup chinesa Xiaomi – e varavam noites para entrar no fuso da matriz. Ilan trabalhava em fusões e aquisições, primeiro no UBS e depois na gestora mineira FIR Capital, onde também acumulou muitas noites em claro.

“O conceito de bem-estar e saúde é baseado em três pilares: alimentação, exercício físico e sono. Todo mundo fala de alimentação e de exercício, mas ninguém fala da importância do sono e de se dormir bem”, diz Amit.

O discurso não é exatamente original. A Zissou é declaradamente inspirada na Casper, uma startup americana que, com menos de três anos de operação, já fatura US$ 200 milhões. Uma das precursoras da tecnologia que espreme os colchões em caixinhas, a companhia virou um fenômeno entre os millenials nos Estados Unidos, onde o segmento de ‘bed-in-a-box’ já responde por quase 10% do mercado.

Muito mais que uma empresa de colchões, a Casper é uma empresa de marketing. Com uma estratégia voltada toda para o digital, fez a cama virar cool e os americanos falarem sobre como dormem: os vídeos de jovens desempacotando os colchões são populares no YouTube: vários deles tem mais de 100 mil visualizações. Além dos colchões, a empresa já oferece travesseiros, lençóis, edredons, bases para os colchões (incluindo uma automatizada com regulagem por controle remoto) e até caminhas para cachorro.

O potencial é tão grande que a Target já ofereceu US$ 1 bilhão pela Casper. Os donos acharam pouco e a Target acabou fazendo apenas um investimento de US$ 75 milhões, liderando uma rodada de captação de US$ 170 milhões da qual participaram Kevin Spacey e Leonardo di Caprio.  

Ilan conheceu a Casper numa temporada nos Estados Unidos e, no começo de 2016, tentou trazê-la para o Brasil. Chegou a conversar os sócios da empresa americana, mas em meio ao impeachment e as incertezas sobre a economia brasileira, a Casper preferiu não perder o sono trazendo o negócio pra cá.

Os sócios da Zissou decidiram então começar a empresa do zero. Com dinheiro próprio, começaram a investir no desenvolvimento de uma Ferrari dos colchões. Para a ‘mecânica’, convidaram Felipe Bettoni, herdeiro de uma das colchoarias mais tradicionais de São Paulo e que leva seu sobrenome.

Durante seis meses, eles testaram diversas composições na sobreloja da colchoaria na Rua Augusta, até chegar à ideal: uma camada grossa de espuma de poliuterano para garantir a resistência, outra de viscoelástico, que se molda de acordo com a movimentação do corpo, seguida de quatro centímetros de látex, que dá flexibilidade e maciez.

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Os modelos são produzidos por uma empresa terceirizada nos Estados Unidos e encaixotados por lá – e, mesmo com os custos de importação, saem mais baratos do que se fossem produzidos no Brasil, garantem os sócios. (Rogério Fasano recebeu um modelo finalizado no Brasil e ainda fora da caixa).

No começo de 2017, a Zissou fez uma captação de R$ 2 milhões com pessoas físicas para colocar o negócio de pé. “Temos sido em cautelosos nas captações porque não queremos perder equity. Todos os sócios deixaram seus empregos para estar aqui”, diz Ilan, que toca a parte mais financeira do negócio. 

Os recursos foram utilizados para colocar o site no ar e inaugurar a Casa Zissou, a única loja física, nos Jardins, em São Paulo. Em vez de ‘testar’ o colchão nas amplas lojas frias que normalmente vendem esse tipo de produto, na Zissou, a cama fica num quarto reservado, com decoração minimalista – onde o consumidor pode escolher a música e a iluminação que mais lhe agrada e deitar e rolar com privacidade.

Agora que já provou que é boa de cama, a Zissou está buscando mais uma rodada de financiamento, de R$ 5 milhões, com fundos de venture capital.

A empresa pretende abrir novos pontos físicos – mas ainda não diz em que locais. Para garantir a experimentação, a Zissou quer investir ainda em showrooms e parcerias com varejistas estratégicas. Os colchões já estão nas lojas da Ornare, uma rede de decoração de luxo em São Paulo, e em breve devem chegar às unidades da Breton. “Somos uma empresa omnichannel”, diz Ilan.

Além de escalar o negócio, os novos recursos vão ser utilizados para garantir o ‘hype’ que celebrizou a Casper nos Estados Unidos. A Zissou vai investir em conteúdo, para fazer o sono – e o mercado que gira em volta dele – virar assunto. Ilan diz que a empresa vai produzir eventos, contratar redatores e influenciadores e dar um gás no marketing.

“O colchão é só o chassi do sono. Queremos oferecer não um produto, mas uma experiência completa”, diz Amit. O próprio nome da marca, Zissou, dá uma pista da proposta: trata-se de um personagem de um filme de Wes Anderson, que representa a conexão entre consciente e inconsciente.

A empresa já pensa em outros produtos, como uma linha de travesseiros, e outros bem menos óbvios. “Dá para pensar em tecnologias para iluminação correta, temperatura correta, umidade correta para dormir”, diz Andreas, o sócio que fica mais responsável pela parte de vendas. “Nos Estados Unidos, já se fala até em IoS, o Internet of Sleep”, completa Amit.

Quem não deve estar dormindo direito são os fabricantes de colchões tradicionais.