Num relatório duro, o Credit Suisse cortou hoje recomendação para a Kraft Heinz de ‘compra’ para ‘venda’ — sem sequer um pit stop pelo ‘neutro’ —, sublinhando a preocupação dos investidores com o esgotamento do modelo 3G de gestão.

“Crescimento orgânico não é a expertise da Kraft Heinz”, escreveram os analistas Robert Moscow e Neel Kulkarni. “Temos sérias dúvidas sobre a capacidade da equipe de gestão gerar inovações de produtos suficientes para fazer crescer a coleção de marcas ‘retrô’ em categorias altamente comoditizadas”.

O novo preço-alvo de US$ 55 publicado pelo banco está abaixo dos US$ 60,92 do fechamento de sexta-feira e vem depois de uma queda de 33% na cotação da Kraft Heinz desde fevereiro de 2017, quando o fracasso da oferta de US$ 143 bilhões pela Unilever deu início ao inferno astral da companhia.

No relatório, o CS questiona as principais vantagens competitivas da Kraft Heinz, a começar por um ponto que sempre foi central para a 3G: a capacidade de atrair e reter talentos num momento de top line estagnado e bônus zerados.

“Todos os contatos da indústria com quem conversamos (…) disseram que a taxa de rotatividade de funcionários na Kraft Heinz aumentou para níveis alarmantes e que o risco de execução aumentou na companhia”, alertam os analistas. (Na última apresentação, feita em fevereiro, a companhia não divulgou o turnover — um sinal ‘sintomático’, na avaliação do CS.)

Segundo o banco, apesar do esforço de recrutar funcionários com boa formação, apenas 30% dos estagiários de programas de MBA e trainees corporativos aceitam a oferta para ficar:  “Isso significa que a maioria dos estudantes proeminentes de escolas como Kellogg, Carnegie Mellon e aquelas da Ivy League optam por não retornar mesmo quanto a Kraft Heinz decide que os quer na companhia”.

A dificuldade de reter talentos vem num momento em que a companhia tem dificuldade de reanimar seu portfólio de produtos. A meta de companhia é gerar cerca de 7% das vendas com novos produtos e inovação — enquanto nas gestões anterior à tomada de controle pelo 3G, essa taxa girava entre 9% e 10%.

O último lançamento mais relevante, a mostarda da marca Heinz, em 2015, ainda deve representar apenas 0,1% das vendas em 2018, nas projeções do banco, enquanto os novos produtos de concorrentes como Mondelez, General Mills e Campbell, que se apoiam em tendências mais saudáveis, representam entre 0,7% e 1,2% da receita.

Os analistas apontam que dos nove executivos que compõem o top management da Kraft, apenas Rodrigo Wickbold, que é presidente para a área de Ásia-Pacífico, tem experiência na indústria de ‘consumer packaged goods’, enquanto os demais vieram de outras empresas do 3G, bancos ou private equity.

Outro sinal amarelo para o banco é que a Kraft está perdendo espaço na negociação com os varejistas. Com dificuldade de negociar com o Walmart, os frios da Oscar Mayer e as marcas de queijo da Kraft vem perdendo market share para as marcas próprias do supermercado. No último ano, a companhia teve problemas na negociação com varejistas canadenses — o que derrubou as vendas no país — e perdeu a distribuição da marca de amendoins Planters no Sam’s Club.  

Antes uma vantagem competitiva, o big data sobre hábitos de consumo virou uma commodity, diz o Credit, já que hoje grandes varejista como Amazon, Walmart, Costco e Kroger estão mais perto do consumidor e tem suas próprias coletas.

“Executivos e o pessoal de vendas da Kraft precisam prover uma quantidade de evidências absurda internamente para ganhar aprovação de seus superiores do financeiro para programas com o consumidor”, diz o banco. “Isso pode levar a uma paralisia ou dificultar disrupções num momento delicado de negociações”.

E continua: “Ter tantos executivos jovens em posições seniores pode exacerbar a situação. Eles são muito talentosos, mas podem não ter construído ainda a confiança das contrapartes para conseguir que seus planos cheguem a linha final. O  aumento da rotatividade tende e tornar essa construção de confiança ainda mais difícil”.

O CS questiona até a capacidade de Kraft de crescer via aquisições. O banco acredita que possa haver alguma ‘aquisição modesta’, mas diz que a chance de um deal mais transformacional é baixa, seja pela resistência das companhias ao modelo de corte de custos do grupo, seja pela destruição de valor em equity da Kraft, que serviria de moeda de troca num negócio.

“Multinacionais como Danone, Nestlé, Unilever, Mondelez, Colgate, General Mills e Kellogg se encaixa no perfil buscado pelo 3G. Mas a maior parte dessas companhias opera com conselhos altamente entrincheirados que provavelmente rechaçariam as ofertas do 3G”, diz o CS.

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