O resultado trimestral da Kraft Heinz, publicado semana passada, mostra uma companhia tentando espremer o último naco de ketchup do pote — uma operação sempre delicada.

Por um lado, a Heinz reportou um lucro maior e até aumentou seu dividendo em 4,2%.  Por outro, as economias de escala e outras formas de sinergias geradas com a fusão da Kraft com a Heinz estão chegando ao fim: até dezembro, a companhia deve entregar as economias de US$ 1,7 bilhão prometidas — o que faz o mercado perguntar, ‘what’s next?’

Mais relevante ainda: tanto o faturamento quanto a geração de caixa da Heinz vieram abaixo das estimativas do mercado, e ainda não foi desta vez que a companhia perdeu a virgindade: desde a fusão que criou a companhia em 2015, ela nunca entregou um trimestre com aumento nas vendas (um quadro comum entre empresas de comida processada).

A falta de tração nessas métricas está no centro de um questionamento cada vez mais frequente no mercado: a 3G Capital já provou que é PhD em aquisições e em cortar custos, mas quando o assunto é crescimento de receita e ganho de share, tanto a Anheuser-Busch Inbev quanto a Kraft Heinz ainda patinam, o que as obriga a fazer novos M&As para manter a bicicleta rodando (isto é, suas ações valorizadas).

Além disso, o M&A ‘transformacional’ que a companhia queria ficou muito mais caro. A ação da Unilever já subiu 38% desde que a primeira oferta se tornou pública, enquanto a da Heinz ficou parada.  Isso significa que, no caso de uma segunda oferta — que, dizem alguns, teria que ser hostil — a 3G e sua sócia Berkshire Hathaway devem ter que colocar pelo menos US$ 10 bilhões a mais, cada uma, para ter alguma chance de levar a fabricante da Hellman’s e do sabão em pó Omo.
 
O valor de mercado da Unilever hoje é de US$ 172 bilhões — quase US$ 30 bilhões acima da oferta original feita pela Heinz em meados de fevereiro, que avaliava a Unilever em US$ 143 bilhões. (A Unilever valia US$ 125 bilhões antes da oferta se tornar pública.)
 
Ao mesmo tempo, um grupo que ganhou muito dinheiro investindo com a 3G nos últimas duas ou três aquisições — bilionários brasileiros — pode estar com menos cacife desta vez: com a crise e a Lava Jato, o dinheiro de muita gente encolheu ou teve que ser colocado nas suas próprias empresas.

Mais do que apenas alguns meses ruins, 2017 tem sido uma ‘tempestade perfeita’ para a Heinz. 

No início do ano, a Heinz teve um impasse com os supermercadistas canadenses e perdeu dinheiro. No Canadá, as negociações entre indústria e varejo são semestrais em alguns casos e anuais em outros. É nessas negociações que os dois lados combinam as atividades promocionais, as verbas de trade marketing, e os produtos que receberão mais atenção durante o ano.  Como o mercado canadense é muito concentrado e as partes não chegaram a um acordo, a Heinz ficou semanas sem tirar um pedido.  A paz finalmente reinou, mas o estrago já estava feito: as vendas orgânicas caíram 15% no país no primeiro tri, e 3% no segundo tri.

Outro problema aconteceu na Europa, onde metade do negócio da Heinz é no Reino Unido. A desvalorização da libra esterlina fez a receita da companhia cair 7% no primeiro tri e mais 5% no segundo.

Um terceiro tiro no resultado foi uma alta nos preços de vários insumos, que pressionou a margem num momento em que o varejo americano — o maior comprador da empresa — vive deflação de preços graças a uma guerra fratricida.

Mas, segundo o management e alguns investidores, o pior já passou, e a segunda metade do ano será de recuperação: os problemas já terão se dissipado; as bases de comparação ficarão favoráveis; recentes aumentos de preço transitarão pelo balanço; e a Heinz vai anunciar uma série de novos produtos — as ‘grandes apostas’, no jargão da empresa.  
  
Abaixo, alguns highlights da teleconferência da empresa, numa tradução livre.

Respondendo a uma pergunta do analista John Baumgartner, do Wells Fargo, o COO da Heinz, George Zoghbi, disse que a empresa vai entrar em ‘novos segmentos que lidam com as necessidades do consumidor’. 

Baumgartner:  George, eu gostaria de perguntar sobre as oportunidades que há no mix de produtos nos EUA. Olhando algumas de suas novidades recentes, o Mac&Cheese orgânico é um produto premium, o Simply Heinz Ketchup também está a um preço premium por onça [unidade de peso], e há alguns outros exemplos que eu poderia citar. Mas quando você olha para a sua base de consumidores, o que você viu e como você vai conseguir que as pessoas continuem pagando mais por conta do mix? Isso se esgota em algum momento? É algo que depende apenas de continuar lançando produtos atraentes? Como você vê isso?

Zoghbi: Essa é uma pergunta muito boa, particularmente dado que sempre falamos sobre as mudanças acontecendo no varejo. A paisagem está sempre mudando. O que estamos descobrindo é que há uma grande quantidade de consumidores neste mercado. Eles estão felizes em subir na cadeia de valor [pagar mais], e a ‘premiumização’ foi uma das nossas estratégias para gerar crescimento nas vendas. Isso funcionou para nós em bebidas com o Capri Sun orgânico. Funcionou no ketchup, com o Simply e o orgânico … e você continuará a ver esse tipo de coisa no mercado; é uma maneira de criar ‘premium’ num mercado em que a população está estagnada, a inflação está contida, e assim por diante.

A outra estratégia é criar novos segmentos para lidar com as necessidades dos consumidores, e temos algumas novidades animadoras sobre as quais falaremos nas próximas semanas… vamos criar novos segmentos no mercado que atinjam novas necessidades dos consumidores. A combinação destas duas estratégias — apoiada por publicidade e por produtos de maior qualidade, frescos e menos processados —  devem fazer as vendas crescer.

Baumgartner então quis saber se estes novos produtos, mais premium, contribuem para aumentar a margem da empresa na maioria dos casos.

Zoghbi: Depende. Nós descobrimos que, quando fazemos um produto mais premium, ele pode melhorar nossa margem. Em outras situações, nós adicionamos custos para proteger as marcas, e não conseguimos botar o preço pra cima naquela categoria, então temos que fazer isso em outra categoria até que os consumidores vejam o valor naquilo. Então depende da categoria, depende do projeto. De qualquer forma, a gente sempre se orienta pela percepção do consumidor porque isso é o que importa antes de qualquer coisa para manter as marcas relevantes e manter as categorias vivas.

O analista Christopher Growe, da Stifel, Nicolaus, quis saber se a Heinz espera ganhar mercado.

Growe: Em relação aos EUA, acho que você mencionou uma performance de market share estável, no geral, neste trimestre. Eu queria que você confirmasse isso. E eu também estou curioso se, para o segundo semestre, você vê as categorias [todo o mercado] performando melhor, acelerando, ou se vocês é que vão ganhar mercado com tudo o que vocês tem planejado.

Zoghbi: É uma boa pergunta. Temos uma grande número de categorias [linhas de produto] nas quais aumentamos nosso share, incluindo American Singles, incluindo bacon, incluindo ketchup, refeições congeladas, lanches congelados, e temos várias categorias nas quais perdemos participação de mercado, como queijo natural, carnes frias, e assim por diante. E é por isso que, quando você olha o saldo, o market share não foi um grande ‘driver’ para a queda de 1,2% [no crescimento orgânico; 0,4% foi preço e 0,8% foi volume]. Foi realmente o mercado, as categorias nas quais estamos operando.

Daqui para frente, primeiro teremos uma base de comparação mais favorável no segundo semestre contra o que tivemos no ano passado; isto é número um. Número dois: implementamos uma série de aumentos de preços que elevarão o valor em dólares de cada libra na categoria. E número três: temos uma série de inovações que estão ou sendo preparadas ou prestes a anunciar ao mercado. É por isso que estamos confiantes de que a melhoria seqüencial continuará no segundo semestre tendo como base o primeiro e o segundo trimestres.

O analista em seguida quis saber o impacto que os produtos de ‘private label’ — as marcas próprias desenvolvidas pelos supermercados — estão tendo na Kraft Heinz.

Growe: Em relação a isso, tem havido uma série de empresas, uma série de categorias, onde temos visto marcas de ‘private lable’ fazer algumas incursões [ganhar mercado]. Você está vendo isso de alguma forma notável em qualquer uma das suas categorias nos EUA?

Zoghbi: Sim, estamos. Houve, como você disse, um foco mais pronunciado dos maiores varejistas nacionais em aumentar os pontos de distribuição de marcas próprias, merchandising, como forma de competir contra ‘discounters’ [como o Wal-Mart] ou de se diferenciar no mercado. Para nós, o resultado desse foco no private label tem sido misto. Temos nos beneficiado muito quando os varejistas fazem isso através de um trabalho de sortimento, no qual eles reduzem o número de marcas oferecidas, e isso leva a uma melhor performance da categoria. … Em contrapartida, quando o varejista precifica o private label barato demais (para ganhar mercado), isso acaba reduzindo o tamanho da categoria e a rentabilidade para todos. Por sorte, para nós, uma coisa tem compensado a outra. … Mas no final, o que vai funcionar pra gente é crescer nossas marcas e categorias nos diferenciando através de inovação, através de renovação e fortes campanhas de comunicação.