Enquanto o senso comum profetiza a morte do livro físico, a Livraria Cultura está dobrando a aposta e entrando no segmento de livros usados.

A Cultura anunciou hoje a compra da Estante Virtual, uma espécie de ‘sebo online’, com um catálogo de quase 17 milhões de livros de mais de 2 mil livreiros de todo o País. Para usar a palavra da moda: um marketplace. O valor da transação não foi revelado.

Além de contribuir para a meta declarada da Cultura de aumentar em 60% suas vendas online nos próximos dois anos, a aquisição inclui um diferencial de serviço em relação à Amazon, onde os usuários também podem vender livros de segunda mão. A Estante Virtual tem um acervo organizado, baseado no relacionamentos com os principais sebos do País, e é o site de referência para quem procura edições raras ou esgotadas.

Fundado em 2005 por André Garcia, então um recém-formado em administração, o site tem 4 milhões de leitores cadastrados e já vendeu 17,5 milhões de unidades nos 12 anos em que está no ar.

A ideia da plataforma surgiu quando André, frustrado com a carreira, decidiu tentar um mestrado em psicologia. No processo para se candidatar à vaga, percebeu a dificuldade de encontrar alguns livros pedidos na bibliografia do curso – alguns deles estavam esgotados, e encontrá-los nos sebos, normalmente geridos de forma amadora, era como procurar a proverbial agulha no palheiro.

O jovem não conseguiu a vaga no mestrado – mas enxergou na experiência uma oportunidade. Sem dinheiro para investir, aprendeu a programar sozinho. Começou a mandar emails para centenas de sebos, identificando-se como consumidor e perguntando sobre o acervo em determinado assunto, como sociologia, por exemplo. A partir da pesquisa caseira, conseguiu selecionar aqueles que tinham um acervo mais organizado e que foram os primeiros ‘sellers’ no site: 12 livreiros com um acervo total de 10 mil títulos.

O modelo de negócio do Estante Virtual é remunerado de duas formas: por uma mensalidade paga pelos livreiros pelo uso da plataforma e uma comissão de 8% a 12% por livro vendido – quanto maior o número de unidades de cada vendedor, menor a taxa.

Os donos de sebos entram pelo plano mais básico, o Prateleira, pelo qual podem ter um acervo de até 2 mil livros cadastrados na plataforma, por R$ 49,90 ao mês. Após o tempo de experiência, de 90 dias, o livreiro pode solicitar a mudança para planos superiores, de acordo o tamanho do acervo e o nível de excelência no atendimento e nas entregas.  No Plano Estante, com mensalidade de R$ 89,90, podem-se cadastrar até 20 mil livros e, no Ilimitado, de R$ 159,90 ao mês, não há restrição quantitativa.

Apesar dos livros usados serem o carro-chefe, a Estante Virtual também entrou no mercado de novos em 2014, e eles já representam de 20% a 30% das transações. As vendas, no entanto, são todas feitas no modelo de marketplace.

A compra da Estante Virtual representa uma volta da Cultura às suas raízes – mas com um toque hi-tech. A Cultura, ainda de controle familiar, nasceu na sala de Eva Herz, a matriarca da família controladora, que alugava livros novos e usados aos conhecidos.

Um dos principais bastiões da leitura no Brasil – com acervo amplo e lojas espaçosas, que privilegiam a área para leitura – a Cultura vem passando por dificuldades, com receita em queda e problemas no pagamento de fornecedores.

Em julho, a Cultura surpreendeu o mercado ao anunciar a compra da Fnac, numa transação que dá a medida da situação calamitosa do setor no País: os franceses literalmente pagaram para que os Herz levassem a operação, que queima sistematicamente caixa e vinha arranhando os resultados da matriz.

 

Na foto acima, o Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.