Os termos da venda da Fnac dão a medida da situação calamitosa das livrarias no Brasil. Os franceses literalmente pagaram para quem quisesse ficar com a operação, que queima caixa sistematicamente e vinha arranhando os resultados da matriz.
A Livraria Cultura, que anunciou ontem a compra, não divulgou os termos nem o valor da transação – e, procurada, não quis se pronunciar.
Mas a investidores financeiros que chegaram a avaliar o negócio, a oferta dos franceses foi a seguinte: a Fnac colocaria de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões na subsidiária brasileira, o equivalente à queima de caixa esperada para os próximos 12 meses. O interessado ficaria com os todos os ativos e as dívidas.
No comunicado divulgado ontem, a Fnac afirmou que faria uma “recapitalização” no negócio brasileiro antes da venda. Ao Brazil Journal, a matriz francesa confirmou que “nossa subsidiária brasileira estruturalmente dava prejuízos, portanto um ‘preço negativo’ é justificado”.
Apesar de parecer tentadora à primeira vista, nem mesmo a oferta de dinheiro na frente despertou o interesse dos fundos de private equity.
“É um negócio que queima muito caixa, exige um capital de giro monstruoso, principalmente por causa da operação de eletrônicos, e tem aluguéis altíssimos. É difícil reverter a trajetória, mesmo com dinheiro novo”, afirmou um gestor que avaliou o ativo.
Os termos da venda respondem à primeira pergunta que surgiu quando a transação foi anunciada: como a Livraria Cultura, que também se vê às voltas com prejuízos e chegou a renegociar prazos de pagamento com editoras, conseguiu fazer esta aquisição?
A questão agora é se a família Herz vai conseguir reverter duas operações deficitárias – ou se a compra se revelará o proverbial abraço dos afogados.
Cultura e Fnac têm operações e problemas parecidos. A primeira tem 18 lojas e fatura cerca de R$ 400 milhões; a segunda opera 12 lojas com receita de R$ 430 milhões.
Mesmo somadas, as empresas ainda estão longe de alcançar a escala da Saraiva, com mais de 100 lojas e faturamento na casa dos R$ 2 bilhões.
Ao contrário da líder de mercado, que opera lojas menores e mais numerosas, Cultura e Fnac têm pontos espaçosos, em locais privilegiados, o que significa conforto para os leitores mas custos altíssimos de operação – um problema ainda mais grave agora que a Amazon começou a entrar com mais força no Brasil, com seu marketplace para livros, permitindo às editoras fazer vendas diretas.
Na Fnac, outro complicador é a opção por trabalhar com a venda de eletrônicos, um segmento que exige capital de giro massivo e que, com a crise e as mudanças de hábito de consumo em direção ao ecommerce, vem desafiando até empresas com escala muito maior.
De acordo com informações do balanço da matriz, em 2016 o faturamento da Fnac Brasil caiu 13% para €118,6 milhões (ou R$ 430 milhões na cotação de hoje). O prejuízo subiu de €2 milhões em 2015 para € 21,6 milhões (R$ 78 milhões).
O negócio já ficava no vermelho mesmo antes do pagamento de despesas com empréstimos: no ano passado, o resultado operacional foi negativo em €18,6 milhões (R$ 67,5 milhões). Nos últimos dois anos, a operação no Brasil consumiu € 22,5 milhões em caixa, o equivalente a cerca de R$ 82 milhões.
Nas notas explicativas do balanço, a Fnac oferece um resumo dos problemas que agora vão se avolumar nas mãos dos Herz: “Instabilidade política, crise econômica, problemas em gerenciar uma estrutura tributária complexa, os indicadores de confiança do consumidor, o aumento das taxas de juros para os consumidores e o tamanho inadequado da rede de varejo da Fnac no país são impedimentos para a recuperação do negócio.”