Ueze Zahran, que vislumbrou num desejo de sua mãe uma oportunidade de negócios que faria dele o pioneiro de uma indústria e um bilionário self-made, morreu ontem aos 94 anos.

Um dos primeiros empresários a apostar no gás de cozinha — numa época em que o Brasil ainda cozinhava nos fogões a lenha e querosene — Ueze fundou a Copagaz, a quinta maior empresa do setor e base de um império empresarial no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.


Seu envolvimento com o GLP começou quando sua mãe pediu-lhe um fogão como o que havia visto na casa de uma amiga em São Paulo. Ueze lhe deu um fogão a querosene, mas dona Laila disse que não era bem aquilo que queria: o fogão que havia visto era a gás, com um botijão ao lado.

Ueze enxerga uma indústria ainda embrionária e, em 1955, funda a Copagaz, que nos próximos anos seria cobiçada por todos os players do setor, da Ultrapar à holandesa SHV ao Grupo Edson Queiroz.  

Ueze passou a vida contando a história de como fez a mãe feliz.  “Ela ria quando via aquela chama azul embaixo da panela… eu imaginei tantas mães felizes vendo aquela chama azul,” disse em diversas entrevistas, muito provavelmente glamourizando a história.

“Os pioneiros do gás eram vistos pelos outros como loucos que acreditavam que as pessoas comprariam gás e fogões,” diz Sergio Bandeira de Mello, que como presidente do Sindigás lidou com Ueze nos últimos 15 anos. “O Ueze sempre foi um grande sedutor. Não havia mesa de negociação da qual ele saísse perdedor. Nunca.”

No Sindigás, Zahran defendeu que toda as empresas de GLP usassem cilindros de sua própria marca e se responsabilizassem pela manutenção do equipamento. “Isto aumentou a vida útil dos cilindros e deu ao consumidor um produto com um nível de falha estatisticamente perto de zero,” diz Bandeira de Mello. 

O conglomerado dos Zahran inclui ainda a Rede Mato Grossense de Comunicação, com sete emissoras de TV, rádios e sites, o que lhe dava estatura política e interlocução com os governos.

Certa vez, explicando por que se meteu no negócio de TV, o empresário disse: “Eu trabalhava dia e noite. Meu descanso era a Jovem Guarda. Achava aquilo tão bonito que não podia ficar restrito às grandes cidades somente. Eu achava que meu povo do estado de Mato Grosso tinha o direito de ver aquela beleza, Roberto Carlos e a turma dele”. 

Ueze Elias Zahran nasceu em Bela Vista, na divisa do Brasil com o Paraguai, em 1924. Seus pais, Elias e Laila, imigraram do Líbano quatro anos antes para encontrar o irmão de Laila, que já estava no Brasil. A família tentou a vida na cidadezinha por dois anos, até decidir se mudar para Campo Grande, onde se estabeleceram definitivamente.

O pai abriu um bar e usou o negócio para educar os filhos nos próximos 20 anos. A maior fonte de receita do bar era a torrefação de café.  Quando o governo Getúlio Vargas passou a incentivar uma grande torrefadora na cidade, os Zahran não conseguiram competir. Venderam o bar e arrendaram uma padaria.

Mas o negócio do gás estava logo na esquina.  As primeiras refinarias de petróleo estavam começando a operar, e o Brasil começava a produzir GLP.  Ueze foi a São Paulo e conseguiu a representação da Argoni Gás em Campo Grande.  Começou a trazer fogões e botijões por caminhão de São Paulo, mas a viagem era caótica.

Uma biografia oficial preparada pelo Sindigás conta:  “A distância é muito grande. Asfalto, só no Estado de São Paulo. Em Mato Grosso, são mais de 500 quilômetros de estradas de terra. É um transporte difícil, sujeito a todo tipo de imprevistos. Ueze percebe que é possível dar um salto maior. Rapidamente consegue junto ao Conselho Nacional de Petróleo autorização para montar uma engarrafadora de GLP.” 

Ueze procurou sócios entre os grandes pecuaristas do estado e batizou a startup de Copagaz — Companhia Paulista de Gás. (O “paulista” do nome era só para aumentar a credibilidade). Mas ninguém em Mato Grosso acreditou no futuro do gás engarrafado, e os Zahran tocaram o projeto sozinhos.  

O gás passou a vir de São Paulo de trem — em dois tanques com capacidade de quatro toneladas — para ser engarrafado em Campo Grande.  Ainda era pouco. Para aumentar a eficiência da operação, Ueze abriu uma engarrafadora em Socorro, no estado de São Paulo. (A licença oficial saiu com a unidade já operando.)  A partir daí, conseguia despachar 800 botijões por dia, ou 11 toneladas de gás, contra as quatro de até então.  A Copagaz decolou.

Workaholic orgulhoso, Zahran sempre teve um bordão favorito:  “Eu não tenho tempo para morrer”.  Depois de um dia típico de trabalho, seu passatempo era ver novelas. “Choro dois lenços por capítulo”, disse à repórter Mônica Scaramuzzo. 

Ueze deixa a esposa, Lucila, e os filhos Márcia, Ana Karla, Simone e Carlos Eduardo, seis netos e três bisnetos.