“Sem barreiras tarifárias, eles vão demolir a maioria das outras empresas automobilísticas mundiais. Eles são extremamente bons.”

Elon Musk não mediu as palavras para elogiar a “competitividade” das fabricantes chinesas de carros elétricos durante a apresentação de resultados da Tesla semana passada.

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Sua maior rival na supremacia pelos mercados dos elétricos é a BYD, que no último trimestre do ano passado superou a Tesla em vendas pela primeira vez.

O Musk protecionista – e atipicamente humilde – de agora em nada se parece com o Musk de 2011, que gargalhou quando uma jornalista da Bloomberg lhe perguntou se ele temia a BYD, a chinesa que tinha atraído em 2008 um investimento de Warren Buffett.

“Você já viu o carro deles? Não acho que eles tenham um grande produto. Não é particularmente atraente. A tecnologia deles não é robusta,” disse Musk então.

Quando o vídeo circulou nas redes sociais no ano passado, o próprio Musk reconheceu que seu comentário era de “muitos anos atrás” e que hoje “o carro deles é bastante competitivo atualmente.”  

O desenvolvimento tecnológico da chinesa, impulsionado pelo enorme apoio de Beijing à transição para veículos sem motor a combustão, colocou a BYD no topo do mercado de elétricos. 

A fabricante mantém uma dianteira folgada em relação à absoluta maioria dos concorrentes, e agora parece destinada a superar a Tesla.

A Tesla ainda ficou na liderança em vendas dos automóveis exclusivamente elétricos em 2023. Entregou 1,8 milhão de unidades, num avanço de 38% em relação a 2022.

O número bateu a previsão, mas Musk já antecipou que o ritmo cairá em 2024 diante das condições econômicas adversas e da concorrência mais intensa. Os comentários aprofundaram a queda das ações, que acumulam queda de 26% desde o início do ano, na contramão da alta das Magnificent Seven, as sete grandes empresas de tecnologia dos EUA.

A BYD vendeu 1,57 milhão de elétricos em 2023 – abaixo da Tesla – mas cresceu bem mais: 73%. Além disso, colocou no mercado 1,44 milhão de híbridos. (Musk produz apenas carros 100% elétricos.)

Com mais de 3 milhões de elétricos e híbridos produzidos, a BYD foi pelo segundo ano seguido a líder global em vendas na categoria dos chamados new energy vehicles.

Suas exportações totalizaram quase 243 mil unidades – uma alta de 334% em relação ao ano anterior – e seus carros já rodam em 70 países.

A BYD tem sede em Shenzhen, mas cerca de 60% de seu capital está na mão de investidores dos EUA, sendo o maior deles a Berkshire Hathaway, dona de 8% do total. 

Com o mercado local dando sinais de saturação, a companhia executa agora um ambicioso plano de conquista dos maiores mercados globais – e começa a causar incômodo, como demonstrado por Musk.

A empresa está dobrando o número de revendedores na Europa, levando preocupação aos fabricantes locais. Na semana passada, um enorme navio cargueiro, chamado de BYD Explorer N° 1, partiu de Shenzhen em sua primeira viagem, carregado com 5.000 veículos rumo a portos da Holanda e da Alemanha.

A investida já levou a Europa a abrir uma investigação sobre os subsídios chineses aos carros elétricos. Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, afirmou que o bloco está aberto à competição, mas precisa se defender de “práticas desleais” neste mercado de “enorme potencial” para a Europa.

“Os mercados globais foram inundados por carros elétricos chineses baratos,” comentou Von der Leyen. “O preço deles é mantido artificialmente baixo pelos subsídios estatais.”

Até o momento, apenas os EUA parecem estar protegidos contra a investida chinesa, graças a um muro tarifário de 27,5% no imposto de importação, uma barreira criada por Trump e mantida por Biden.

Biden ampliou ainda mais a proteção contra os importados, ao aprovar um benefício para veículos elétricos e barreiras produzidas no país. No mercado americano, a BYD vende apenas caminhões e ônibus.

Na Europa, a tarifa é de 10%, e os benefícios tributários para os elétricos e híbridos valem também para os importados – ao menos por enquanto.

Em sua estratégia para dobrar resistências frente ao seu avanço global, a BYD traça planos para estabelecer fábricas em alguns mercados estratégicos. Deverá abrir uma fábrica na Hungria, contornando possíveis barreiras da UE, e deve iniciar a produção no México, país que poderá ser a sua porta de entrada para o mercado americano.

No Brasil, 2023 marcou a chegada para valer da BYD. A chinesa vendeu 10.274 carros elétricos no País, contra 9.036 de todas as outras marcas.

O salto da BYD no País foi facilitado pela isenção tarifária para os híbridos e elétricos – mas as montadoras locais pressionaram, e o governo impôs um aumento escalonado dos tributos.

A tarifa será de 10% a partir de janeiro e chegará, em etapas, a 35% em julho de 2026, a mesma alíquota aplicada nos importados com motor a combustão.

A barreira tarifária deverá acelerar o projeto da chinesa de montar modelos no Brasil. Na semana passada, o presidente Lula recebeu representantes da BYD, que falaram sobre  a instalação da fábrica em Camaçari, na Bahia, onde ficava a Ford. Poderá ser a primeira unidade de produção de carros da marca fora da Ásia.

A empresa já conquistou o apoio de uma importante garota propaganda: Janja. Ela ganhou emprestado um modelo Tan, um SUV elétrico de R$ 500 mil, e retribuiu com elogios.

“Dirigindo um carro BYD elétrico, com energia limpa e sem poluição. É um exemplo para que o Brasil possa chegar a uma frota de carros que não polua,” disse a primeira-dama,

Janja se esquece de que o Brasil, com o etanol, já tem plena capacidade de ter uma frota de carros de passeio zero carbono.  

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