Há sinais crescentes (e preocupantes) de que a oferta andou mais rápido que a demanda no mercado de carros elétricos na China e no mundo.

A conclusão é de Louis-Vincent Gave, fundador e CEO da Gavekal, a respeitada firma de análise independente sediada em Hong Kong.

“A maior preocupação é que o mercado de veículos elétricos tenha ficado rapidamente supersaturado e que uma violenta guerra de preços aconteça ali adiante,” Gave escreveu num relatório enviado a clientes nesta quarta-feira.

Para ele, o mercado de carros elétricos pode ter saturado de forma tão rápida que pode afetar o setor automobilístico chinês, cujo desempenho impressionante tem sido o único raio de sol em meio à nuvem negra que pairou sobre a economia chinesa no ano passado.

A Gavekal nota que a China saiu do nada para se tornar a maior exportadora de automóveis do mundo, particularmente por conta de seu domínio do mercado de carros elétricos e também por causa de seus carros à combustão muito baratos, que foram conquistando mercados na América Latina, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Além disso, o próprio consumo interno chinês cresceu fortemente.

Mas as expectativas para este ano não são muito promissoras.

“Agora que as montadoras chinesas têm fácil acesso ao crédito bancário, o caminho de menor resistência vai ser tentar ganhar share de mercado e eliminar a concorrência através da redução de preços e margens. Isto não é uma boa notícia para os concorrentes – nem para os acionistas.”

Segundo Gave, “isso faz lembrar aquele mantra de investimento que ficou muito conhecido na primeira década deste século, segundo o qual o caminho para a riqueza consiste em evitar toda empresa que compete com os chineses, e comprar qualquer empresa que venda para eles.”

De acordo com a Gavekal, a demanda por veículos elétricos está começando a estagnar, tanto na China quanto no resto do mundo.

As famílias chinesas, por exemplo, estão mais propensas a comprar carros híbridos – primeiro porque não encontram muitos estacionamentos onde podem carregar os veículos, mas também porque começaram a perceber que o mercado de veículos usados elétricos é ainda pior que o dos carros a combustão.

“As pessoas se preocupam com a vida útil das baterias – substituir uma bateria é quase tão caro quanto comprar um carro novo – e as melhorias contínuas na tecnologia das baterias significam que os carros com apenas alguns anos já estão obsoletos. Este obstáculo será eliminado quando a substituição das baterias se tornar mais barata e mais eficiente. Mas esse momento ainda não chegou.”

Mas não é só na China que a realidade do dia a dia bateu. Neste inverno gelado americano, dificuldades mais prosaicas se apresentaram. As baterias não funcionam tão bem no frio, o que reduz a autonomia dos veículos elétricos. Além disso, elas carregam mais lentamente – e algumas simplesmente morrem. (O brasileiro que viveu a década de 80 deve lembrar bem quando o carro a álcool não pegava no frio.)

Gave cita ainda outros fatores que podem amplificar a guerra de preços dos carros elétricos, como a dificuldade logística da exportação.Como um incêndio num carro elétrico é quase impossível de apagar, o transporte de carros elétricos é mais desafiador, porque eles precisam ter um espaço maior entre si para reduzir o risco do incêndio se alastrar por toda a carga.

Isso não seria um problema em um mundo com excesso de capacidade de frota e custos baratos de transporte, mas, com a escassez de água no Canal do Panamá e o conflito que forçou os navios a evitarem o Mar Vermelho e o Canal de Suez, esta não é mais uma realidade, diz Gave.

“O que ajudou a China a ter um boom nas exportações de automóveis foi sua capacidade de fabricar veículos baratos. O BYD Seagull, um carro 100% elétrico, é vendido por apenas US$ 11 mil. Se o preço do frete marítimo de um carro individual duplicar ou triplicar, isso pode não fazer muita diferença para um Porsche ou uma Ferrari, mas para um BYD Seagull, isso pode fazer toda a diferença entre exportar para a Europa ou vender na China.”

Gave não cita em seu relatório, mas os chineses estão começando a produzir em outros países, como é o caso da BYD e da GWM, que estão instalando fábricas no Brasil.

Gave também chama a atenção para as “grandes surpresas” de 2023: o tombo do lítio, o colapso do níquel e o desempenho sinuoso do cobre. “Dada a dinâmica do mercado de veículos elétricos, isso talvez faça sentido,” diz Gave.

A empresa canadense Albemarle, uma das maiores produtoras de lítio, anunciou esta semana que vai cortar custos e empregos para poupar dinheiro em função da desaceleração da demanda por carros elétricos – e também por conta da queda no preço do lítio. Em 2023, o metal derreteu 80%.

Outro sinal é o desempenho da Tesla nesse começo de ano. Desde o começo do ano, a montadora de Elon Musk teve o pior desempenho entre as 100 maiores empresas do mundo em valor de mercado até agora, segundo a Gavekal. Uma queda de 11,5%. (A empresa com o melhor desempenho foi a Nvidia, com ganho acumulado de quase 14% no ano.)

“Esta é uma anomalia de curto prazo? Ou é mais um sinal de que as perspectivas para o mercado de veículos elétricos deverão se tornar muito mais desafiadoras?” pergunta Gave.