Talvez com esse espírito — de que algo bonito possa florescer em meio à escassez e à adversidade — o médico Dalton Gadelha começou a construir no final dos anos 90 uma universidade que hoje é considerada por fontes do setor uma ‘Harvard do Nordeste’.
Desejada por diversos grupos de educação, a Unifacisa deve faturar este ano mais de R$ 200 milhões, com uma margem EBITDA de 36%. A universidade, que se espalha por um campus de 42 mil metros quadrados de área construída, tirou a nota máxima do MEC em nove de seus 17 cursos, incluindo Medicina, Direito, Ciências Aeronáuticas, Nutrição e Fisioterapia. (Todos os outros cursos têm um “4”, a segunda melhor nota).
São 6 mil alunos, 1.200 dos quais pagam um tíquete médio de R$ 8 mil para estudar na Faculdade de Medicina, a joia da coroa.
A infraestrutura aqui não deve nada a outras faculdades do País, tipicamente mais preocupadas com o custo e a maximização das margens. Por exemplo, a Unifacisa foi a primeira escola de medicina do País a importar uma mesa de anatomia da Anatomage, a startup do Vale do Silício que tem a mesa mais sofisticada do mercado. (Entre outras inovações, a mesa ‘customiza’ a cirurgia e é capaz de determinar o tamanho e a espessura de uma prótese, que ela própria imprime em 3D.)
O campus também tem 26 laboratórios para pesquisa, ensino e extensão, três bibliotecas e um teatro de 740 lugares. No ecossistema da universidade há ainda quatro hospitais de oftalmologia (um deles em João Pessoa) e três policlínicas.
Aparentemente, não basta. A Unifacisa está investindo R$ 90 milhões num Hospital de Ensino e Laboratório de Pesquisa, apelidado de HELP, que abre as portas ano que vem.
“O HELP é o que tem de mais moderno em hospital,” diz Dalton, usando um capacete enquanto mostra a obra. “Ele vai trabalhar a pesquisa e o ensino e atrair empresas pra se instalar aqui.”
Mas por que não focar num só setor: educação ou saúde? Dalton vê a coisa na transversal: “O Einstein é um grande hospital que está virando uma grande faculdade de medicina.”
Surpreender-se que algo tão especial possa surgir numa região que o Sudeste sempre associa à pobreza tem a ver com falta de conhecimento histórico.
A Paraíba tem uma tradição de ensino de ponta, e Campina Grande sempre foi sua meca.
Ainda nos anos 70, Lynaldo Cavalcanti, então reitor da UFPB, foi o primeiro a articular a visão de que Campina Grande tinha que se transformar num polo de educação e tecnologia. Sob seu comando, a UFPB instalou um campus com viés tecnológico na cidade.
O primeiro mainframe do Nordeste foi instalado em Campina Grande, e o ambiente pró-ciência atraiu professores indianos, americanos e canadenses que vieram morar na cidade. Campina Grande hoje tem 46 mil alunos no ensino superior (10% da população da cidade), e rivaliza com São Carlos pelo posto de município com o maior número de mestres e doutores per capita do País.
Com a tecnologia veio o poder econômico. Pelo menos 42 prefeitos paraibanos moram e educam seus filhos em Campina Grande — e, na história republicana, a Paraíba só teve dois governadores nascidos em João Pessoa (todos os outros vieram de Campina Grande ou do interior). A cidade também é a sede da Embrapa Algodão, e a Paraíba é o único estado cuja federação de indústrias fica no interior — adivinhe onde.
A ESAC, Escola de Aviação Civil da Unifacisa — que forma pilotos privados, comerciais e PLAs (pilotos de linha aérea) — é um dos poucos cursos de ciências aeronáuticas do País, e só existe porque a cidade tem mão de obra qualificada: professores de informática, física, engenharia mecânica e meteorologia.
Antes da Unifacisa entrar em cena, a educação superior na cidade era um monopólio do Estado ou das universidades católicas.
Dalton conheceu Gisele — sua “parceira afetiva e efetiva” — quando estudava medicina em Belo Horizonte. Ela era psicóloga e dava aula. Namoraram seis anos antes de casar. O império foi construído depois, a quatro mãos — numa parceria que lembra Edson Bueno e Dulce Pugliese (noves fora a escala que a Amil conquistou). Gisele é a reitora da universidade.
Quando fundou a Unifacisa, Dalton já tinha 45 anos e ainda não havia empreendido. Dos cinco irmãos Gadelha, ele foi o único a seguir carreira acadêmica. (Seu irmão Marcondes foi deputado federal e senador por 35 anos — e candidato a vice-presidente na chapa de Silvio Santos. Os outros três irmãos também foram ou são políticos.)
Convidado a fazer um orçamento, o construtor estranhou a vizinhança. Dalton atalhou: “Eu sei o que vocês estão pensando: ‘Ou esse cara é maluco ou é um besta endinheirado’. Posso garantir a vocês que não sou nenhum dos dois.”
Vinte anos depois, a “Vila do Lixo” se tornou o bairro de Itararé, e hoje tem um dos maiores IDHMs da cidade.
“A educação deu uma peitada no atraso, na ignorância e na pobreza,” diz Dalton, resoluto por fora mas certamente emocionado por dentro.
Os Gadelha já estiveram prestes a vender a Unifacisa. Em dezembro de 2016, receberam diversas propostas — a melhor delas de um fundo de private equity. O contrato estava discutido, pronto para assinar.
“Voltamos do Rio balançados,” diz Dalton. “Entramos no mar, só eu e ela, e eu disse, ’Nós fizemos isso juntos. Vamos decidir só nós dois.”
Com centenas de milhões sobre a mesa, o papo foi por outro caminho.
“Nós temos uma responsabilidade social muito grande hoje,” diz Dalton. “Ninguém escapa na vida só. Você escapa com a sua sociedade. O único atalho do bem é a educação.”
Decidiram não vender. Dois anos e meio depois, a Unifacisa já quase dobrou sua receita e geração de caixa e, com a inauguração do HELP, Dalton estima que a Unifacisa vai faturar R$ 300 milhões em 2022, o que deve colocá-la novamente no radar de outras empresas do setor.
Se mais uma vez os Gadelha não venderem, vão suscitar a velha pergunta: “você é maluco ou um besta endinheirado?”
Por enquanto, a loucura do fundador só fez bem a Campina Grande.