Qualquer que seja seu nível de conhecimento sobre o tema das mudanças climáticas e aquecimento global, “A Terra Inabitável”, de David Wallace-Wells, é um livro perturbador e absolutamente necessário. 

Só as 50 primeiras páginas já servem de ‘wake up call’, permitindo que o leitor se inteire do tamanho do problema e reflita sobre a urgência dessa agenda em meio a tantos outros problemas globais.

O livro é #1 do New York Times e foi escolhido “livro do ano” pela New Yorker, The Economist e Time – e merece cada prêmio.
 
Curiosamente, o autor é um jornalista e não um climatologista, o que torna a obra ainda mais interessante:  Wallace-Wells compila uma bibliografia para lá de extensa (quase um terço das páginas são referências bibliográficas) e traduz para o leitor as facetas do problema numa linguagem coloquial e sem jargões.

Os críticos chamam Wallace de alarmista — e ele concorda, afinal, para ser um ‘alarmista’, você antes precisa estar ‘ alarmado’, e ele está.  “A esperança exige não ficar em silêncio em relação aos desafios mais assustadores e que o medo também pode motivar,” escreve o autor.

Quando se lida com ciência, há sempre alguma dose de incerteza, mas o livro deixa claro que o custo de ignorar o potencial efeito devastador pode ser alto demais, especialmente por já estarmos à beira do que os cientistas chamam de “point of no return” o que significa que se a consciência for tardia, ela passa a ser inútil.

Estudos preveem que, se nada relevante for feito em relação ao tema, os danos podem atingir US$ 100 trilhões por ano – superior ao PIB global atual. Estimativas menos catastróficas calculam em US$ 14 trilhões anuais de danos, ainda assim estamos falando de um quinto do PIB global atual. A magnitude desses números dá a dimensão de um problema que não pode ser ignorado.

A temperatura à superfície da Terra cresce em ritmo acelerado. Já estamos com o planeta 1,1 grau Celsius mais quente por conta de nossas próprias ações. O problema é que esta escalada não é linear, mas quase exponencial. O planeta em aquecimento, por exemplo, derreterá o permafrost ártico (solo congelado que cobre 25% do hemisfério norte) que, por sua vez, contém 1,8 trilhão de toneladas de carbono – mais do que o dobro existente em toda a atmosfera terrestre. Para piorar, conforme o permafrost derrete e o carbono é liberado, o mesmo pode escapar para a atmosfera como metano, que é um cobertor climático de efeito estufa 25 vezes mais prejudicial do que o CO2.

Para termos uma ideia de proporção, os compromissos assumidos voluntariamente no acordo de Paris previam um planeta entre 2,8 e 3,2oC mais quente… e o acordo —cuja meta principal é um aumento máximo de 2 graus — não tem sido respeitado, indicando uma situação pior. Com um aquecimento de até 4 graus, uma boa parte do planeta, especialmente em regiões mais pobres, já ficaria inabitável.

Aos que acham que este é um problema de um futuro distante e não suficientemente relevante para mudarmos nossos hábitos, Wallace-Wells é implacável: já estamos em meio a ele. Nos últimos 50 anos, por conta do aquecimento e de mais dióxido de carbono na atmosfera, o teor dos nutrientes das plantas que comemos já decaiu em um terço – em breve estaremos comendo ‘junk food’ direto da horta.

Não é pequena a lista de “curiosidades mórbidas” relatadas pelo autor:  cada voo de Londres a Nova York custa ao Ártico 3 metros quadrados de gelo; para cada meio grau de aquecimento, há um aumento de 10 a 20% na probabilidade de guerra; a produção global de plástico deverá triplicar até 2050, altura em que haverá mais plástico do que peixe nos oceanos do planeta.

Há questões trazidas pela obra que insistem em me atormentar: sabemos de todos os desdobramentos político-econômicos provenientes do milhão de refugiado sírios despejados na Europa por conta da guerra civil. A provável inundação de Bangladesh decuplicaria esse número. E depois haveria os refugiados da África Subsaariana, América Latina e do resto da Ásia Meridional, que poderiam atingir 140 milhões em 2050 segundo o Banco Mundial – mais de cem vezes a “crise” síria da Europa. A ONU discorda — e estima em 200 milhões.

A seção mais longa do livro, intitulada Elementos do Caos, é composta por doze capítulos curtos e brutais, cada um dos quais com títulos por si só suficientes para induzir um ataque de pânico: Calor letal, Fome, Afogamento, Incêndios florestais, Desastres não mais naturais, Esgotamento da água doce, Morte dos oceanos, Ar irrespirável, Pragas do aquecimento, Colapso econômico, conflitos climáticos e “Sistemas”.       

O jornalista Cláudio Ângelo disse que o livro “é um grito sem meias-palavras sobre o tamanho da crise, que agarra o leitor pelo colarinho e o esbofeteia na cara.” 
 
A metáfora não poderia ser mais precisa.

Fabio Alperowitch é co-fundador da FAMA Investimentos.