Hoje faz 30 anos que o nosso Ayrton se foi. Todos sabemos dos seus feitos nas pistas e da inspiração que nos trazia nas manhãs de domingo, mas seu legado não foi apenas as vitórias impossíveis. Havia muito mais por trás do meu maior ídolo.

Um ídolo precisa entender a importância do seu papel em um país carente como o Brasil. Não adianta ser apenas um esportista ou empresário de sucesso, é preciso se preocupar também com o caminho para se chegar lá e com o legado que deixaremos, seja por gestos, palavras e atitudes inspiradoras e responsáveis. 

Vivemos em um País onde nos acostumamos com coisas erradas em todos os sentidos, e, por vezes, perdemos a referência do que realmente importa para construir um País com valores sólidos.

Quando penso nos alemães, me vem a cabeça a cultura da precisão; já os japoneses evocam a honra; os americanos, o empreendedorismo; mas quando pensamos no Brasil, infelizmente é a cultura do jeitinho que vem à mente. 

Será que este não é o nosso grande desafio, para o qual precisamos encontrar uma solução?

É lógico que uma parte do “jeitinho” remete à criatividade e ao jogo de cintura – virtudes práticas que devemos preservar. Mas quando o jeitinho significa tirar vantagem dos outros ou desrespeitar regras, ele apenas nos empobrece como nação.

Todos os países e empresas que se destacam no planeta têm pelo menos uma coisa em comum: cultura e valores fortes. A cultura nada mais é do que costumes que se tornaram hábitos, que foram se repetindo por gerações e gerações até se tornarem uma característica marcante daquele grupo de pessoas.

Os ídolos são admirados pelas conquistas em seu campo de atuação. Todos querem escutá-los e saber o que está dentro dos seus corações, ainda mais em tempos de redes sociais e tanta visibilidade.

É triste quando vemos um grande esportista envolvido com drogas ou bebida, ou perdendo a humildade e não colocando sua fama a serviço de uma boa causa – assim como é vergonhoso um empresário que se envolve em coisas erradas ou um político que se serve antes de servir ao País. 

Precisamos de bons exemplos e de grandes referências para mudar o que realmente importa – nossa cabeça – e o Senna era sinônimo de excelência e patriotismo em tudo que fazia. 

Seus discursos falavam de sonhos, determinação, coragem, disciplina e tudo mais que sempre sonhamos em transmitir aos nossos filhos. Em quantas provas ele não saiu do carro e demonstrou sua fé e humildade, agradecendo a Deus pela sua vitória?

Lembro-me do GP Brasil de 1991. O Ayrton nunca havia sido campeão em nosso país, e aquele era um de seus grandes sonhos. Faltando algumas voltas para terminar a corrida, o câmbio do carro quebrou, e ele passou a pilotar apenas com a 6° marcha, algo inimaginável para um carro de F1. 

No final da corrida, ele quase não conseguia sair do carro pelo nível de exaustão e dores no corpo. Logo em suas primeiras palavras com a imprensa, disse que não podia desistir e desapontar tantos brasileiros que aguardavam por aquela vitória. 

Minutos depois estava recebendo seu troféu – cambaleando, mas levantando nossa bandeira no lugar mais alto no pódio. Todos choramos juntos e pensamos no orgulho de ser brasileiro.

Da mesma forma, o 1° de maio de 1994 foi inesquecível para todos nós. Quem não se lembra onde estava quando noticiaram sua morte? Alguns dias depois vimos o tamanho do seu legado: milhões se aglomeraram nas ruas de São Paulo para o último “adeus” ao nosso maior ídolo.

Vencer é bom, mas chegar lá com honra e sabedoria é tão importante quanto. O Senna já se foi há 30 anos, mas sua maior inspiração não foram as 41 vitórias e 65 pole positions – e sim sua humildade, sua busca por excelência, honra e comprometimento em tudo que fazia. 

Fico imaginando o que seria este País se trocássemos a Lei de Gérson – “o importante é levar vantagem em tudo”– pela Lei de Ayrton.  

Guilherme Benchimol é fundador da XP.