Jim Simons, o matemático que conseguiu um retorno médio de 66% ao ano em sua Renaissance Technologies e ganhou a alcunha de “the quant king”, faleceu na sexta-feira aos 86 anos.

Simons virou uma lenda, e sua história é bem conhecida a partir de entrevistas disponíveis na internet, e até mesmo uma biografia não-autorizada – The man who solved the market: how Jim Simons launched the quant revolution – escrita por Gregory Zuckerman e publicada em 2019.

O tamanho de seu sucesso nos leva naturalmente à pergunta: como um matemático, com doutorado em Geometria e Topologia – uma área de Matemática Pura (nós matemáticos costumamos falar, em tom de brincadeira, que na realidade é Matemática Pura e Abstrata) – sem nunca ter colocado os pés em Wall Street e sem ter estudado finanças consegue reinventar a área de trading?

A resposta é ridiculamente simples: fazendo matemática, sempre. 

Estudando e perseguindo a beleza das estruturas matemáticas que no ensino médio os alunos, e até alguns professores, costumam dizer que não servem para nada. 

Sim, estudando estruturas e padrões, é disso que trata a Matemática: é uma linguagem que começa com o seu alfabeto, os numerais, constrói os números naturais, passa da contagem para a quantificação, desenvolve os conjuntos, as funções e continua numa jornada sem fim para se tornar uma linguagem extremamente eficiente e universal em descrever padrões. 

A Matemática é uma “pattern language”, uma linguagem que busca e descreve padrões e estruturas nos números, nas formas geométricas, na física, na biologia e nas diversas áreas do conhecimento humano.

Conta o Simons que aos quatro anos ele viajava com o pai quando este parou em um posto para abastecer o carro, e ele perguntou, “por quê abastecer?  Afinal, a gasolina nunca vai acabar… Para acabar a gasolina, o carro deve consumir metade do tanque, depois a metade da metade remanescente… e sempre terá metades da gasolina para consumir ad eternum.” 

Além disso, completava ele, também nunca chegaremos ao nosso destino, porque antes temos que chegar na metade do caminho, depois na metade da metade, e como temos uma infinidade de metades nunca alcançaremos o final. 

Essas diversas versões do famoso “Paradoxo de Zenão” rondavam sua imaginação. Ele não tinha a resposta, mas os padrões já chamavam sua atenção, e o conceito do infinito já era parte de seus modelos mentais.

Ele conta ainda que conseguiu trabalho no estoque de uma loja de varejo, mas tinha dificuldade em encontrar os produtos para colocar nas prateleiras: não havia organização, não havia classificação, e ele esquecia a localização dos produtos no estoque – aqui mais uma vez seu pensamento crítico, matemático, em busca de estruturas, padrões e classificações. 

Com dificuldade em lembrar o local das mercadorias no estoque, foi então “promovido” para cuidar da limpeza da loja, um trabalho que ele adorou, pois sobrava-lhe tempo para, simplesmente, pensar.

Simons foi recusado para uma graduação por Princeton e por Brown, e foi aceito por Chicago e pelo MIT. Optou pelo MIT, onde concluiu o bacharelado em Matemática em três anos.

Durante seu high school, cursou disciplinas do college; durante o bacharelado, cursou disciplinas do doutorado, e, ao concluir, um de seus professores do MIT recomendou que ele fosse fazer o doutorado em UC Berkeley para estudar com o famoso geômetra S. S. Chern. 

Simons concluiu o doutorado aos 22 anos e voltou para Boston, onde foi contratado como professor associado pelo MIT. Começou a se interessar por business, tinha amigos na Colômbia e foi confrontado com a possibilidade de desenvolver um negócio de fabricar pisos em Bogotá (vale ressaltar o espírito aventureiro, tendo ido de scooter de Boston até a Colômbia).

Amigos meus que conviveram com ele em sua temporada de Berkeley contam que Simons desenvolveu um clube de investimentos e um clube de vinhos com o pessoal do departamento de matemática. “Tudo que sei de mercado financeiro aprendi investindo minhas minguadas reservas no clube,” diz um deles, hoje também matemático.

Quando o empreendimento na Colômbia entrou no ritmo, ele voltou aos Estados Unidos e ficou em Harvard por um ano. Simons não gostou de Harvard, e além disso tinha dívidas contraídas para o empreendedorismo na Colômbia. Decidiu então trabalhar para o Institute for Defense Analysis (IDA), um braço da National Security Agency (NSA) que ficava em Princeton, New Jersey. 

O trabalho consistia em proteger as comunicações americanas e quebrar códigos usados nas comunicações russas, tudo isso no contexto da Guerra Fria – um trabalho semelhante ao que Alan Turing desenvolveu na Segunda Guerra. 

Neste trabalho, Simons expandiu seu horizonte de conhecimentos matemáticos: teve a primeira experiência de trabalhar com computadores e algoritmos, e aprendeu a desenvolver modelos matemáticos para diferenciar e interpretar padrões em um emaranhado de dados que pareciam sem sentido.

Para isso, usou probabilidade e estatística, áreas que não estavam na sua caixa de ferramentas de matemática pura. Simons era um péssimo programador (segundo ele mesmo), mas desenvolveu algoritmos que possibilitaram grandes avanços na tarefa de quebrar os códigos russos.

Ele era contra a guerra do Vietnã, e por conta disso deu uma entrevista à imprensa onde expôs seu posicionamento de forma crítica ao governo americano. Foi demitido. 

O emprego no IDA permitia que ele desse continuidade às suas pesquisas em matemática pura, tendo publicado um artigo de grande relevância para a área de Geometria. Suas pesquisas geraram um convite para se tornar o chairman do Departamento de Matemática da Universidade de Stony Brook, em New York, onde ficou por oito anos e desenvolveu um departamento de alto nível com a contratação de vinte matemáticos. 

“I love hiring people” era um de seus mantras.  Simons dizia que “como presidente do departamento, aprendi a liderar pessoas”. Seu estilo de liderança era simples e direto: “Bring good people and let them run”. Aqui vale citar  Steve Jobs, que disse em uma de suas entrevistas: “Não faz sentido contratar pessoas inteligentes (smart) e dizer a elas o que fazer. Contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que deve ser feito.”

O negócio da Colômbia foi vendido, e os sócios capitalizados pediram a Simons para aplicar os recursos. Ele convidou um matemático que estava trabalhando com trading de commodities para aplicar os recursos, e em um ano o capital foi multiplicado por dez, o que foi determinante para ele sair de Stony Brook e buscar algo mais desafiador no mercado financeiro. 

Foi o início da Renaissance Technologies, já na década de 80.  Simons tinha 44 anos. 

O trabalho de quebrar códigos deu a ele as ferramentas necessárias para o trabalho na Renaissance: se há sequências de números de trading, deve haver padrões, e se descobrirmos as estruturas e propriedades desses padrões poderemos criar um trading algorítmico, pensava Simons. 

Para perseguir essa ideia, procurou cientistas brilhantes (matemáticos, físicos, astrônomos) para se juntar a ele na busca dos padrões e dos algoritmos, usando seu método comprovado em Stony Brook, “Bring good people and let them run”. 

Conhecer o mercado financeiro não era pré-requisito para contratar, pois, como ele costumava dizer, “Eu consigo ensinar finanças para um físico, mas não consigo ensinar física para um analista do mercado financeiro.”

Para se ter uma idéia do calibre dos cientistas contratados, um dos primeiros a se juntar ao time foi Leonard Baum, que havia trabalhado com ele no IDA e desenvolveu, junto com Lloyd Welch, o famoso algoritmo de Baum-Welch, que permite estimar os parâmetros desconhecidos dos chamados modelos ocultos de Markov a partir de sequências de observações de dados dos estados intermediários. 

Processos de Markov modelam uma cadeia de eventos que são governados por parâmetros e variáveis desconhecidos, e o algoritmo possibilita ajustar os modelos de Markov aos dados existentes, com inúmeras aplicações na teoria da informação e no aprendizado de máquina. 

No início da Renaissance Technologies, a busca de padrões e algoritmos foi difícil e demorada, mas Simons insistia: “Existe um padrão nesses dados, tem que existir um padrão”. 

O resto é história, que está contada com detalhes em sua biografia – mas que nada acrescenta sobre os algoritmos e modelos desenvolvidos na Renaissance.

Sempre uma mente inquieta, após acumular uma riqueza considerável Simons decidiu caminhar pelo mundo da filantropia científica. Criou a Simons Foundation para financiar a busca de soluções para os grandes problemas que desafiam a ciência. 

Fundou o Simons Institute for the Theory of Computation, doou recursos abundantes para estudos profundos sobre a origem da vida, e também para pesquisas da neurociência sobre a TEA (o Transtorno do Espectro Autista). Um de seus filhos foi diagnosticado com este transtorno, e escutei de pessoas muito próximas que o comportamento reservado de Simons indicava provavelmente algum vestígio de autismo.

Como o próprio Simons dizia, seu grande mérito era saber escolher pessoas brilhantes para trabalhar na Renaissance Technologies. Selecionar pessoas e saber liderar times é um dos atributos mais importantes de um empreendedor ou executivo. 

Vem então a pergunta natural: qual o legado que Jim Simons deixa do ponto de vista do empreendedor? 

Ele não falava muito sobre esse tema, e muito menos sobre os algoritmos e modelos de sua firma. Em 2010, quando saiu da operação e foi para o conselho, ele listou cinco princípios básicos que sempre utilizou:  (i) Do something new, don’t run with the pack; (ii) Surround yourself with the smartest people you can find; (ii) Be guided by beauty; (iv) Don’t give up easily. Some things take much longer than one initially expects”; (v) Hope for good luck.

Simons também usou esses princípios para estabelecer as diretrizes estratégicas de sua fundação. Ele sempre praticou todos esses princípios, porém, a meu ver, sua busca incessante pela beleza dos padrões matemáticos (“Be guided by beauty”) em todos os seus empreendimentos é o grande segredo de seu enorme sucesso.

Estive em eventos com Simons por duas vezes: a primeira em Berkeley, no Mathematical Science Research Institute (MSRI), uma organização que ele ajudou a fundar doando recursos substanciais. 

A segunda vez foi  em 2016, no IMPA, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro, num evento no qual ele deu uma palestra intitulada “Mathematics, Common Sense, and Good Luck.” 

No primeiro encontro eu nem entendia a dimensão de Simons; no segundo tivemos conversas genéricas nos intervalos. Por uma coincidência, minha tese de doutorado no IMPA é também em Geometria, e meu orientador, Manfredo Perdigão do Carmo, fez o PhD em Berkeley com S. S. Chern, conceituado matemático da época, que também foi orientador do PhD de Simons, e com quem ele desenvolveu pesquisas relevantes em Geometria e Topologia.

Falamos um pouco de matemática, mas falar de quant trading estava fora de questão. Simons sempre se recusou a dar qualquer dica sobre o universo fantástico que criou.  A beleza dessas estruturas ele levou consigo.

Jonas Gomes é sócio fundador e gestor da Gama Capital.