Numa era de gurus e automotivação, um perfil no Instagram está desconstruindo —  com humor — a mensagem de que tudo é possível, detonando a profissão de ‘coach’ e colocando uma azeitona de realidade na empada da utopia.

Criada há dois anos, a página ‘Coach de fracassos’ já tem 550 mil seguidores, ganha cerca de mil por dia e faz sucesso mostrando a realidade nua e crua — com pérolas ‘desmotivacionais’ como: “Não sabendo que era impossível, foi lá e soube.” 

Outras dicas infalíveis de fracasso: “Nunca é tarde para parar de acreditar”; “Todos os caminhos levam ao fracasso”, e a infame “Todo erro começa com a decisão de tentar.” 

10885 8327bb80 8920 3eb4 401e d385a2c86e51O ‘Coach de fracassos’ é um personagem criado por Julio Peixoto, um engenheiro da computação de 34 anos que quer, nas suas palavras, “humanizar o fracasso” e acabar com a “positividade tóxica.”

Por trás dos posts bem-humorados, Peixoto tenta passar uma mensagem séria: o fracasso é algo comum e faz parte da história humana.  E, é claro, o grande culpado de todos os males do século 21 são os ‘coachs’. 

“As pessoas estão tão focadas em mostrar resultado que esquecem que o fracasso é algo inevitável e que acontece com todo mundo,” ele disse ao Brazil Journal. “O fracasso é tratado cada vez mais como um tabu e boa parte da culpa disso é desses ‘coachs’ e palestrantes motivacionais.”

A aversão de Peixoto à categoria começou por conta de uma conversa prosaica durante uma festa. Na época, ele havia emagrecido 40 quilos em seis meses e a namorada de um amigo foi perguntar como ele tinha conseguido. 

“Quando contei que tinha feito uma dieta com a ajuda de uma nutricionista e psicóloga ela me disse que eu tinha feito tudo errado e que ela sabia o jeito certo porque era ‘coach’ de emagrecimento.”

A experiência — que terminou num bate-boca acalorado — foi o pontapé inicial para Peixoto começar a pesquisar sobre o assunto, indignando-se ainda mais com os ‘coachs’ que encontrou no caminho. 

“Eu vi um livro em que o cara falava que você tinha que reprogramar seu DNA para se tornar um vencedor!”

No Brasil, existem mais de 73 mil ‘coachs’ certificados, segundo a International Coach Federation (ICF), e o setor quadruplicou de tamanho nos últimos quatro anos. No mundo, o buraco é ainda mais embaixo: o segmento movimenta mais de US$ 2,3 bilhões por ano. 

A crítica aos ‘coachs’ não é exatamente nova. Ano passado, um episódio do Porta dos Fundos zombou da profissão e teve quase 4 milhões de visualizações. No vídeo, Rafael Portugal interpreta um adepto do coaching que prefere fingir para os pais que é gay do que revelar a verdade: estava se consultando com um “coach quântico, especialista em neurolinguística.”

Hoje, Peixoto monetiza a página com a venda de camisetas estampadas com suas frases e peças publicitárias veiculadas nos stories. Mas ele diz que faz tudo por hobbie e por princípio.

“Os ‘coachs’ não tem compromisso nenhum com o fracasso dos outros. Se as pessoas conseguem o que queriam o mérito é do ‘coach’, mas se fracassam é porque elas não seguiram o método direito.”

 

O autor do mantra Penso, logo desisto dedica cerca de duas horas por dia ao Instagram. No resto do tempo, dá aulas de engenharia da computação e faz doutorado na área na Universidade Federal do Ceará. 


Com o sucesso da página, ele quer lançar um ‘podcast’ e pensa em transformar sua filosofia em livro. (O subtítulo já está pronto: “este livro não vai mudar seu mindset”). 

Outras do coach:

Calma que vai piorar.

Nunca subestime sua incapacidade.

Você tem tudo para dar errado.”

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