Num tempo em que o mercado de venture capital celebra o sucesso dos empreendedores e as rodadas bilionárias, o Insper decidiu fazer o oposto: mostrar a importância do fracasso.
Num evento para ex-alunos na semana passada, a universidade reuniu três empreendedores que suaram a camisa e deram tudo de si a seus projetos — mas ainda assim falharam irremediavelmente.
Um dos casos é o de Henrique Teixeira, que largou uma carreira promissora no mercado financeiro para embarcar na Easytown, uma startup que criou uma plataforma de planejamento de viagens e reserva de serviços como hotéis, ingressos de eventos e mesas em restaurantes.
Em 2013, Henrique entrou como CFO com apenas 2% do capital, mas acreditou tanto na ideia que acabou se tornando o maior acionista e CEO da empresa. “No final, eu tinha 70% da Easytown… 70% de nada”, disse.
A startup durou apenas três anos e em seus últimos meses Henrique tentou de tudo: ‘pivotou’ a ideia duas vezes e mexeu na operação em inúmeras ocasiões. Nada funcionou: a Easytown morreu pouco a pouco, engolida por um mercado extremamente competitivo e machucada por equívocos de gestão.
“Um erro muito grande foi ter terceirizado a área de tecnologia, que era core no nosso negócio,” disse ele. “A empresa também gastava muito: chegamos a queimar R$ 140 mil de caixa por mês… Quando aprendemos a gastar menos já tínhamos queimado quase R$ 2 milhões dos investidores e ninguém mais queria colocar dinheiro.”
A história de Stephanie Stein, outra ex-aluna do Insper, começou bem diferente, mas terminou do mesmo jeito.
Formada em design de jóias, a empreendedora fundou a Celebrate, uma startup que atuava no mercado de brindes corporativos. Na época, nos idos de 2014, Stephanie tinha uma loja de jóias e enxergou — com base na demanda de um único grande cliente — a oportunidade de criar uma nova empresa para explorar o outro filão.
Aos poucos, ela começou a tirar dinheiro do primeiro negócio para investir no segundo, que acreditava ter potencial muito maior.
A tese não se provou e a experiência terminou da pior forma possível. “Por conta de um único cliente idealizei a ideia de que todo mundo fosse precisar daquele serviço. Em dois anos, consegui quebrar as duas empresas,” disse ela, hoje aos risos.
O que foi mais longe dos três foi André Pereira, que fundou em 2015 uma distribuidora de alimentos saudáveis, a Origem. Quando a startup faliu, durante a greve dos caminhoneiros do ano passado, ela já atendia 2,7 mil clientes e faturava mais de R$ 15 milhões/ano.
“O negócio estava indo muito bem, crescendo todo mês. O problema é que eu não soube lidar com isso,” disse ele. “Comecei a ficar corajoso e aquela reserva que tínhamos em caixa deixou de existir: todo dinheiro que sobrava eu usava para contratar vendedor e comprar estoque.”
Quando veio a greve, muitos consumidores deixaram de gastar com produtos supérfluos e a empresa viu seu tíquete médio cair de R$ 800 para R$ 320 da noite pro dia.
André e seus dois sócios não aguentaram o baque, brigaram entre si e decidiram fechar as portas. Da experiência, André levou — além das lições — uma dívida de quase R$ 700 mil, que conseguiu a duras penas reduzir para R$ 80 mil e continua pagando até hoje.
Mais que as dificuldades de se construir um negócio do zero, as três histórias ajudam a desmistificar o glamour que se criou em torno do empreendedorismo. Os casos deixam claro que nem só de unicórnios é feito o ecossistema de startups: para cada história de sucesso há centenas de outras que deram errado.
Fracassar faz parte do jogo e é fundamental para se construir uma trajetória de sucesso. Quem sempre diz isso? Jeff Bezos.
Em sua carta anual aos acionistas da Amazon o fundador da empresa disse que os erros multibilionários são positivos e necessários para realizar mudanças significativas.
Mas ganhar essa perspectiva é um caminho doloroso.
Logo após fracassar, os três empreendedores passaram meses completamente perdidos. Henrique saiu “direto para o psicólogo”; André terminou se “sentindo um lixo” e encontrou na meditação a única forma de superar o trauma; e Stephanie ficou dias sem sair de casa.
“É muito difícil para o empreendedor assumir o fracasso,” disse Stephanie. “Tem esse lado emocional muito forte: do medo, de você se sentir incapaz e de imaginar o que os outros vão pensar de você.”
Com o tempo, o medo passou, as feridas cicatrizaram e os três encontraram novos desafios.
Henrique trabalha na área de desenvolvimento de negócios do Mercado Livre, cuidando dos investimentos de venture capital. Stephanie empreendeu de novo e acaba de lançar a primeira joalheria para bebês do Brasil, com uma loja em Mogi das Cruzes. E André levou tão a sério o que aprendeu que foi trabalhar numa consultoria de reestruturação de empresas, a Alvarez & Marsal.
“Todo mundo adora falar sobre o sucesso, sobre as ideias que deram certo. Mas eu aprendi muito mais nos últimos três meses da empresa do que nos três anos em que o negócio estava indo bem,” disse André.
“E eu faria tudo de novo. Errei muito, mas faria tudo exatamente igual.”