A fusão entre Azul e Gol pode dar origem a um novo campeão nacional – no pior sentido da coisa.
Uma análise dos pontos que são avaliados pelo Cade em casos como esse mostra que não há argumentos econômicos que justifiquem a aprovação do negócio.
Uma variável mais importante que a concentração de mercado e a sobreposição de rotas é a disponibilidade de slots, que dão direito a pousos e decolagens em aeroportos.
A empresa resultante da fusão teria uma quantidade tão grande de slots que dificultaria – até inviabilizaria – a entrada de novos concorrentes.
Por exemplo: essa nova companhia poderia remanejar aeronaves e aumentar temporariamente a oferta em trechos estratégicos, reduzindo preços momentaneamente e a possibilidade da entrada rentável de novas empresas.
Apenas essa mera possibilidade já seria suficiente para inibir potenciais novos concorrentes.
O Cade poderia aprovar a fusão se ela contribuísse para tornar a nova empresa mais eficiente, já que custos menores podem levar a preços mais baixos.
Mas como Azul e Gol têm modelos de negócio diferentes, aviões distintos e, inclusive, perfis de aeronaves distintas, as reais sinergias potenciais não seriam tão claras; ainda mais se observarmos que o acordo caminha para manter os negócios separados.
O argumento da defesa da empresa falida, já aventado no passado – ou seja, que a fusão seria a única maneira de evitar a quebra da Gol – tampouco se sustenta.
Em primeiro lugar porque há caminhos menos anticompetitivos para a solução do problema. A TAM, por exemplo, saiu bem de um processo de recuperação judicial e a própria Gol segue pelo mesmo caminho.
Aliás, o próprio governo, inclusive, ajudou neste processo, fechando recentemente um acordo que reduz as dívidas de Azul e Gol.
A única certeza que podemos ter até o momento é que essa operação elevará o poder de mercado da nova empresa, possibilitando o aumento de preços.
O Ministro dos Portos e Aeroportos chegou a dizer que se a nova empresa praticasse preços abusivos, o Cade e a Anac poderiam agir.
Aparentemente ele quer transformar esses dois órgãos em novas Sunabs, esquecendo que eles não têm mandato para isso; mesmo porque não há qualquer lógica em se “controlar preços” no mercado de transporte aéreo.
A história mostra que não precisamos de campeões nacionais. Precisamos criar condições para que as empresas operem num mercado competitivo, e essa fusão não é um movimento nesse sentido.
Cleveland Prates é sócio-diretor da MicroAnalysis. Foi conselheiro do Cade e secretário-adjunto de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda.