Em dias normais, quando presidia a CPFL, Wilson Ferreira fumava dois maços de Marlboro por dia. 

Na Eletrobras, deve estar fumando uns oito. 

Desde que assumiu o comando da estatal há pouco mais de um ano, Wilson vem trabalhando para enxugar uma estrutura paquidérmica e transformá-la de ralo de dinheiro público no que, se depender dos planos do Governo, pode ser uma das maiores ‘corporations’ do setor de energia do mundo. 

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Há 13 meses no cargo, o engenheiro elétrico conseguiu concluir as investigações sobre corrupção na empresa, entregar à SEC os balanços auditados que estavam pendentes, e fazer as ações da companhia serem negociadas novamente em Nova York.

Comprometeu-se com a venda das problemáticas distribuidoras de energia e desenhou um plano de reestruturação para reduzir o emaranhado de 178 sociedades de propósito específico (SPE) — tudo isso batendo de frente com sindicatos e partidos para começar a por fim ao cabide de empregos da estatal.

O processo não vem ocorrendo sem dor, suor e lágrimas. Conhecido pela postura objetiva e metódica, Wilson recentemente viu o sangue ferver numa reunião com sindicalistas, o que lhe custou um mea culpa na TV interna da companhia dias depois.

“São 40% da Eletrobras… 40% de cara que é inútil, não serve para nada, tá aqui ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária,” desabafou o CEO, sucumbindo à pressão. “Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo, em particular no serviço público!”

A frase antológica é o retrato dos problemas da Eletrobras.

Dos cerca de 23 mil funcionários, 50% são administrativos – um exército de diretores, gerentes e assessores.
 
No setor elétrico, para ganhar dinheiro as empresas precisam operar abaixo das despesas remuneradas pelas tarifas, o que normalmente impõe uma disciplina espartana. No caso da Eletrobras, os custos com pessoal, materiais e serviços (o ‘PMSO’, no jargão do setor) teriam que ser menores que R$ 7,1 bilhões por ano, mas, em 2015, ficaram em R$ 10,4 bilhões, um estouro de 45%. Em outras palavras, a Eletrobras paga para operar, como as empresas da antiga União Soviética. 
 
Wilson chegou fazendo o óbvio: implantou um sistema de gestão integrada para as diversas (des)controladas – o famoso SAP, comum em qualquer empresa de maior porte, mas que nunca tinha sido cogitado nos 55 anos da estatal.
 
A matemática é simples: a empresa vai investir R$ 143 milhões na implantação, a serem pagos neste ano e no próximo, e a expectativa é de economias de R$ 107 milhões ao ano já partir de 2019.  
 
Outra medida ‘óbvia’: as áreas de suporte da holding e das subsidiárias — como contabilidade, assessoria jurídica, recursos humanos, suprimentos e compras — passarão a fazer parte de um Centro de Serviços Compartilhado (CSC), comum em empresas como a Ambev.
 
A sobreposição de funções era brutal. Quando o centro estiver operando, a partir do segundo semestre deste ano, metade dos quase 5 mil funcionários dessas áreas de suporte serão elegíveis a um segundo plano de demissão voluntária. A economia prevista: R$ 600 milhões ao ano.
 
O primeiro ‘Plano de Aposentadoria Extraordinária’ teve adesão de 86% dos 2.437 funcionários elegíveis. O plano focou principalmente nos cargos gerenciais, que têm os maiores salários. Três diretorias foram encerradas, com o fechamento de 631 posições, incluindo 429 gerentes e 118 assessores.

Só aí vão mais R$ 900 milhões de economia — por ano!  Os incentivos para aposentadoria foram mais enxutos do que os oferecidos nos últimos anos e o custo total do programa ficou em R$ 810 milhões – ou seja, em um ano, a Eletrobras terá compensado os gastos iniciais com o corte.

O executivo vem trabalhando também num intrincado processo para reduzir o número de sociedades de propósito específico, atualmente em 178. Cada uma tem estrutura e custos de operação próprios, um retrato de ineficiência na forma de árvore societária.
 
Parte delas foi fechada; outras, incorporadas; e o plano agora é vender um pacote com 1 GW em parques eólicos e 3 mil quilômetros de linhas de transmissão. A modelagem da venda está sendo desenhada pelo BTG Pactual e, se tudo der certo, no final do ano que vem a Eletrobras terá ‘apenas’ 48 SPEs.
 
Apesar de incipientes, as medidas de racionalização já aparecem nos resultados. No primeiro semestre, enquanto o faturamento aumentou 11%, o EBITDA gerencial (excluindo itens extraordinários) disparou 77%. De um ano para cá, o prejuízo caiu para menos de um décimo dos R$ 560 milhões, e o endividamento da empresa encolheu de 7,8 vezes sua geração de caixa para 4,7 vezes.
 
O desafio agora é fazer a companhia voltar a crescer. 

As tarifas patrióticas empurradas pela gestão Dilma Rousseff às usinas hidrelétricas da estatal não são suficientes para cobrir os custos. Nas contas de um gestor, enquanto a tarifa é de R$ 35/MWh, o custo efetivo é de quase o dobro, R$ 65/MWh, o que, na prática, dá uma prejuízo de cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano. 

A privatização da companhia, nos moldes sinalizados até agora, atacaria de frente esse problema. A estatal recompraria essas usinas com os recursos da capitalização após elas passarem por um processo de ‘descotização’, no qual que a energia, hoje vendida a preço de banana, teria novamente preços de mercado. Ou seja, a Eletrobras voltaria à rota do lucro.

Para dar um pouco mais de visibilidade aos investidores interessados na potencial oferta de ações da companhia, Wilson também tem que desatar um sem fim de nós jurídicos. Ao todo, analistas estimam que há mais de R$ 20 bilhões de contingências fora do balanço que podem impactar o valor da companhia.

Mas o pior nó é Brasília. Bastou a privatização ser anunciada para deputados do Nordeste e de Minas dizerem que Chesf e Furnas, os principais ativos da companhia, deveriam ficar de fora — uma prova de que as ‘boquinhas’ estão mesmo ameaçadas. 

“Tem muita coisa para fazer ainda”, diz um investidor ainda cético em relação à companhia. “É aquela velha máxima: ‘he’s good, but he’s not God’”.