Uma das empresas mais bem avaliadas da Bolsa e contracíclica na crise, a Raia Drogasil viu suas ações despencarem 35% este ano — de R$ 92 para R$ 60 — depois de uma desaceleração nas vendas colocar em xeque a tese de resiliência da demanda. (A ação fechou ontem acima de R$ 70.)

Depois de resultados já mornos no final do ano, no primeiro trimestre as vendas das lojas abertas há mais de um ano cresceram 2,7% e as vendas das lojas consideradas maduras, abertas há mais de três anos, recuaram 1%, na primeira queda trimestral da história da companhia. De acordo com o IMS Health, as vendas do mercado farmacêutico avançaram 5,6% no período.

Para piorar, este foi o segundo ano de reajuste nanico para os preços de medicamentos (2,43% este ano e 2,63% em 2017), apertando as margens da maioria das empresas num ambiente de custos em alta.

A mudança de rota levou o mercado a se questionar se a abertura agressiva de lojas não estaria levando a uma “canibalização” — ou seja, se as novas lojas não estariam roubando vendas de lojas já consolidadas, muitas vezes localizadas a pouco quilômetros de distância — ou se a concorrência finalmente estaria conseguindo fazer frente à companhia.

Para Eugênio De Zagottis, diretor de planejamento corporativo e relações corporativas da Raia Drogasil, nem uma coisa nem outra. Em conversa com o Brazil Journal, o executivo atribuiu a perda de fôlego das vendas à desaceleração do mercado farmacêutico — que prosperou na crise mas agora, com a retomada da economia, está tendo que competir com outros setores, como o de bens duráveis e de consumo discricionário.

Apesar da retração nas vendas das lojas maduras, a Raia Drogasil ganhou market share nacional e em São Paulo, a principal praça da companhia, que está sendo atacada com a chegada da Extrafarma, do grupo Ultrapar, e da Panvel, que domina o Rio Grande do Sul. Mesmo depois da queda, as ações da RD ainda negociam acima de 30 vezes o lucro estimado para 2018, num dos valuations mais parrudos da Bolsa.

Segundo Zagottis, a dor de curto prazo com a desaceleração deve se transformar em uma vantagem no médio e longo prazos para a RD, já que os concorrentes têm menos capital para enfrentar o ambiente mais desafiador.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

As novas lojas abertas estão canibalizando as vendas de lojas mais antigas?

Em qualidade de expansão, o ano passado foi a melhor safra, quando consideramos o que a loja vende de acordo com o mês de vida. A safra [de novas lojas] do ano passado foi a melhor desde 2012. Essas lojas novas, quando chegarem à maturidade, vão ter a maior venda por loja de uma safra desde as que foram inauguradas em 2012. Isso é uma robustez brutal. O início deste ano também está muito consistente. Em lojas novas, não tem um sinal vermelho. É óbvio que tem canibalização. Mas o delta canibalização de um ano para o outro não é relevante. Vou chutar um número. Vamos dizer que eu tenha 2% de canibalização. Quer dizer que, se eu não crescesse, minha venda de loja madura seria 2% melhor. É óbvio que, se eu parar de crescer, a loja madura vai vender mais. Mas não é isso que faz a gente estar numa inflação de 3% e ter crescido -0,4%, ajustado a calendário, no primeiro trimestre.

Como você mede esse efeito de canibalização?

No passado, era intuição. De um ano para cá, a gente consegue quantificar com um algoritmo que a gente passou dois anos desenvolvendo. Pego uma loja com seis meses de vida e vejo quanto esta loja vende. Como eu tenho 93% de receita vindo de cartão de fidelidade, consigo saber quanto tem de cliente novo, quanto tem do mesmo cliente gastando o mesmo spending anterior e quanto eu tenho de cliente que gasta mais. Se tem uma Raia ou uma Drogasil no seu quarteirão, teu share of wallet comigo é enorme.  Agora, se a loja está mais longe, você vai lá de vez em quando, e de vez em quando vai na [Drogaria] São Paulo, por exemplo, porque você passou em frente. Quanto mais a gente se aproxima do consumidor, maior é o share of wallet. O maior efeito de uma loja nova não é cliente novo, é o cliente eventual virando um cliente fiel porque agora a loja está na esquina dele.

Dá para evitar a canibalização?

Qualquer processo de crescimento tem canibalização. A forma que a gente pensa é a seguinte: vou gastar, por exemplo, R$ 2 milhões para colocar essa loja de pé, mais um tanto de capital de giro e margem nessa região é de tanto. Eu faço uma conta de TIR [taxa interna de retorno]. O que nós temos que garantir é que, se essa loja nova precisa de R$ 800 mil para dar o retorno que eu quero, e ela trouxer R$ 800 mil canibalizando R$ 100 mil, não serve!  Mas se ela trouxer R$ 900 mil canibalizando R$ 100 mil, tudo bem. Em outras palavras: o que importa é se eu estou colocando um ativo que está entregando para o sistema todo receita suficiente para dar a rentabilidade que a gente espera. E isso está acontecendo normalmente.

Se a canibalização não é relevante, dá para dizer que vocês estão sofrendo com o aumento da concorrência?

Ganhamos 0,6 ponto percentual de market share nacional, e 0,2 ou 0,3 ponto em São Paulo.  Como é que eu estou sofrendo com a competição se estou ganhando mercado até em São Paulo, onde houve a entrada de novos competidores? Não é que o novo entrante não rouba nada. É claro que rouba. Concorrente nunca é boa notícia. Mas o que ele está roubando, de um lado, nós estamos mais que compensando roubando de outros players menores, de redes pequenas, independentes, e tudo o mais. O cenário é duro. Neste trimestre, estamos vendo vários balanços difíceis porque o mercado deu uma desacelerada. Meu concorrente ‘petroquímico’ [refere-se à Ultrapar, dona da Extrafarma] publicou EBITDA zero no primeiro trimestre. Eles cresceram 26% em base de lojas e aumentaram a receita em apenas 13%.

Se a concorrência não foi determinante e nem a canibalização, a que você atribui a desaceleração nas vendas?

A gente talvez tenha sido de longe a melhor empresa num momento em que houve contração da economia. Mas quando a economia expande, você vê um ciclo reverso. A gente tem uma característica contracíclica, de certa forma. Quando a economia está ruim, o cliente não está gastando dinheiro em bens duráveis e consumo discricionário, mas está gastando no essencial. Nessa economia retomando, olha para a Renner, olha o Magazine Luiza: hoje eu tenho uma competição pelo bolso com todos esses players.

Você está querendo dizer que o consumidor deixa de comprar remédio para comprar bens duráveis? Ou essa competição é por outras categorias, como higiene e perfumaria?

Cerca de 45% do que a gente vende não é medicamento de prescrição. É HPC [higiene e perfumaria] e OTC [medicamentos sem prescrição]. HPC tem sido das categorias mais duras para a gente. Prescrição está bem. Na classe C, às vezes a pessoa entra numa loja, compra uma TV em oito parcelas, pega o cartão de crédito emprestado sei lá de quem e vê depois se tem renda. O mercado como um todo deu uma barrigada.

Com o mercado todo sofrendo, vai haver espaço para consolidação?

Estamos num ambiente de menos vendas no nosso mercado, super bem em share e expansão e mantivemos a margem EBITDA com tudo isso, num negócio em que venda menor que dizer desalavancagem operacional. Ao mesmo tempo, você vê no entorno uma baita sangria. Acho que esse é um ambiente que ajuda a gente no médio prazo, porque ele coloca dor no sistema e a dor acelera o processo de consolidação. A gente vai ver rede média apertada, cara endividado que teve um alívio com a taxa de juros caindo e que agora vai ter que voltar a apertar o cinto. Vai ter gente cortando estoque, gente em recuperação judicial, rede que cresce mal e vai ter que segurar crescimento. Isso nos dá uma boa perspectiva: vamos ganhar share com o tempo e nossa posição competitiva vai se fortalecer.

Essa desaceleração de mercado começou quando? Você acha que vai até onde?

Isso começou em meados do ano passado e não sei exatamente o quanto vai durar.  Estamos num momento em que muita gente está abrindo lojas e o nosso mercado desacelerou. A concorrência leva um tempo para reagir, porque até mesmo o player que precisa descontratar expansão já está com algumas lojas sendo construídas. É difícil julgar o que cada um vai fazer, mas acho que ano que vem vai ter um ambiente mais tranquilo, que algumas dessas aberturas vão virar fechamento de lojas e que alguns desses players que estão com crescimento que não gera valor vão ter que aos poucos rever sua estratégia.

 

Quem está sofrendo mais nesse ambiente? As empresas menores? Ou as redes médias?

Normalmente quem apanha nesse processo é aquela rede que tem um tamanho razoável, tem pontos ruins, não tem uma operação boa e uma situação financeira frágil. O elo mais fraco dessa cadeia não é o pequeno e não é o grande, é o médio de menos qualidade, que não tem uma situação regional de liderança. Tem muita média ao longo do tempo fechou. Em São Paulo, tinha a Droga Verde, que era uma rede média bem posicionada e do dia para a noite desapareceu.

Cada vez mais tem gente espantada com a quantidade de farmácias: às vezes são três ou quatro em cada esquina. O que você tem a dizer para quem acha que o setor está abrindo lojas demais?

Nós temos 80 mil farmácias no Brasil. Se você achar que farmácia é tudo igual, eu não tenho a menor razão para existir. Nenhuma loja que a gente ou qualquer concorrente abra está agregando penetração. Eu brinco que, se você for abrir uma loja no meio da Amazônia, vai ter uma aldeia indígena e uma farmácia lá esperando. Agora, pega a operação que a gente tem no Nordeste. Na Bahia a gente está desde 2012. Já tem praça no Nordeste em que a gente é líder. E, mesmo quando não é líder, tem praças em que já viramos referência. Tem venda por loja nessas praças às vezes maior do que eu tenho em SP.

Mesmo depois da queda recente, a sua ação ainda negocia a mais de 30 vezes lucro. Isso não é um incentivo para cada vez mais concorrentes entrarem no mercado? De alguma forma, vocês não são vítimas do próprio sucesso?

Eu ouço essa história há anos. Ouvi quando os supermercados entraram no negócio de farmácias em 2000, e hoje as farmácias dos supermercados estão todas largadas. Ouvi essa mesma história quanto a Casa Saba veio do México para cá, quando a FASA do Chile veio para cá, quando a CVS comprou a Onofre, quando a Extrafarma entrou… Me diga qual novo entrante teve sucesso nesse negócio. Não tem.

 

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