Ao longo do último ano, Raphael Zimmermann fez uma maratona de reuniões com pesos-pesados da liquidez nacional.

10759 b39bae31 42fb 3af9 a036 6652d0ed8976O aluno da UFSC esteve com Luis Stuhlberger, do Verde; o chairman da WEG, Décio da Silva, bem como sócios do EQI, o escritório de agentes autônomos adquirido recentemente pelo BTG.

O objetivo das conversas: levantar o capital inicial para o Fundo Catarina, um endowment que financiará desde bolsas de estudos até projetos de pesquisa e startups na Escola de Engenharia de sua alma mater

O parto do Catarina é o exemplo mais recente de um movimento que começa a ganhar tração no Brasil. Impulsionados em parte por uma mudança na legislação, em parte por uma nova mentalidade dos empresários brasileiros, os endowments pouco a pouco estão se tornando uma realidade. 

“É uma oportunidade muito grande de reduzir a dependência das universidades públicas dos repasses do governo,” Raphael disse ao Brazil Journal. “Se daqui a 30 anos esses fundos estiverem grandes e conseguindo reverter recursos significativos o impacto na educação vai ser brutal.” 

O Catarina está na fase final de captação e pretende começar a operar no início de 2021. Os valores ainda são modestos. Por enquanto, tem pouco mais de R$ 2 milhões em commitments — e uma meta de chegar a R$ 20 milhões nos próximos anos. 

Na Faculdade de Economia e Administração da USP, um grupo de ex-alunos colocou de pé o Sempre FEA, um endowment com R$ 4 milhões em patrimônio que nasceu há seis meses com a doação de 60 pessoas. O pitchdevolva à sociedade o que ela te deu.

Um cheque de R$ 125 mil confere o status de associado (o valor equivale ao desembolso de um curso de quatro anos numa faculdade particular). Associados vitalícios contribuem R$ 500 mil.


11261 9529a19d 2cb9 39fd 5b38 0a6e88fbbb91Os doadores incluem nomes como Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura; Pérsio Arida, ex-sócio do BTG; e Eduardo Vassimon, ex-CFO do Itaú e hoje chairman da Votorantim. O fundo acaba de abrir um edital para investir R$ 100 mil em bolsas de estudo e projetos criados por alunos e professores.

O Sempre FEA tem cinco objetivos: a melhoria da qualidade de ensino, com investimento em pesquisas, novas matérias e estudos de caso de temas como ESG; a inserção no mercado de trabalho, com atividades complementares que ajudem na formação prática dos alunos; o estímulo à criação de startups dentro da faculdade; a extensão universitária; e, last but never least, a equidade.

“Queremos investir em projetos que tornem a faculdade mais inclusiva e aumentem, por exemplo, o número de mulheres,” diz Andrea Andrezo, a presidente do Sempre FEA.

Incipientes no Brasil, os endowments de universidades são parte da paisagem acadêmica dos EUA há décadas. O maior deles, o de Harvard, foi fundado em 1974 e tem mais de US$ 40 bilhões sob gestão. O de Yale, o segundo maior, tem cerca de US$ 30 bi.

No total, os endowments de universidades americanas administram US$ 630 bilhões e geram um terço das receitas da Yvy League, o grupo de oito escolas de elite do país.

Por enquanto, o Brasil tem apenas sete endowments de universidades (ainda que existam diversos outros não ligados à academia, como a Fundação Bradesco, com R$ 34 bi.) O maior deles, o Amigos da Poli, foi fundado em 2009 e tem pouco mais de R$ 33 milhões sob gestão. 

“A cultura da doação e de retribuir para a sociedade ainda é muito fraca no Brasil, mas as coisas estão mudando,” diz Andrea, do Sempre FEA. “Os brasileiros estão finalmente percebendo que não dá para esperar que o Governo resolva todos os nossos problemas.”

Além da mudança de mindset, um dos aspectos que têm estimulado o surgimento de novos fundos patrimoniais no Brasil é a Lei 13.800 — aprovada no início do ano passado e que criou pela primeira vez a figura jurídica do endowment.

A lei estabeleceu normas de governança e deu segurança jurídica para criar esse tipo de fundo, mas excluiu uma das principais demandas dos entusiastas do modelo: os incentivos fiscais.

“A lei ajuda muito, mas deixou a desejar nessa parte dos incentivos,” diz Raphael, do Catarina. “Nos EUA, eles têm abatimentos de até 50% do IR nessas doações, o que ajuda muito na captação de recursos.”

(Os incentivos fiscais estavam no projeto de lei original, mas violavam a Lei de Responsabilidade Fiscal e foram vetados). 

Debates jurídicos à parte, os endowments têm o potencial de revolucionar a educação no Brasil, principalmente por ter um horizonte de longo prazo. Por estatuto, esse tipo de fundo só pode investir o rendimento das aplicações financeiras — uma regra que busca resguardar o capital principal, garantindo a perenidade do fundo por diversas gerações.

A ideia é que ao mesmo tempo em que o fundo vai investindo os rendimentos (gerando contribuições relevantes para a comunidade) ele continue crescendo com as novas doações. O resultado: com o passar dos anos o impacto vai escalando de forma exponencial. 

10106 6e65e4ef c98b 0335 17d78400 d4972ae6bf39“Precisamos estimular esse pensamento de longo prazo no Brasil,” diz Raphael. “Temos problemas históricos e gigantescos que não vão se resolver do dia para a noite, mas em décadas.”

Na WEG, Décio — ele mesmo formado em engenharia mecânica na UFSC — disse que doou ao Fundo Catarina porque o País precisa fortalecer suas escolas de engenharia. 

“Estamos no meio de uma guerra tecnológica mundial. Para poder brigar, precisamos de mais engenheiros e mais participação no comércio internacional. Claro que tenho orgulho do nosso maravilhoso agronegócio, mas o Brasil tem que construir uma indústria tecnológica mais forte.”

OUTROS ENDOWMENTS DE UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Patronos, da Unicamp

Amigos do Brasil Central, da UFG

Endowment PUC-Rio

Endowment Unesp