Arthur Lira botou o bode no meio da sala.

Captando o sentimento popular contra algumas empresas, a Câmara está tentando transferir ao Congresso o poder de decidir sobre a renovação das concessões de 20 distribuidoras de energia, incluindo a Enel, de São Paulo, e a Light, do Rio.

Os deputados aprovaram ontem um requerimento de urgência para o Projeto de Lei 4831/23, do Deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), que propõe uma série de mudanças no processo de renovação das concessões das distribuidoras privatizadas na década de 90.

Entre outras disposições, o PL quer obrigar as concessionárias a arcar com a tarifa social – hoje paga pelo consumidor – e a universalizar o atendimento até 2030. 

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O texto também proíbe que as perdas não-técnicas (que vêm do furto de energia) sejam compensadas por meio dos reajustes tarifários, mas diz que caso seja comprovada a ausência do Estado, impedindo acesso dos funcionários da distribuidora por falta de segurança, o impacto financeiro será compensado com créditos fiscais.

O projeto muda ainda o prazo de renovação das concessões de 30 anos para 15 anos, o que o Citi calculou que geraria uma redução no valor justo da Equatorial de 4,5% (ou R$ 2/ação) e de 9% na Neoenergia, Energisa e CPFL.

Há ainda a obrigação de que 20% dos assentos dos conselhos das empresas sejam ocupados por membros da unidade federativa da concessão, e de implantar redes subterrâneas em municípios com mais de 1 milhão de habitantes. (O custo de se implementar essas redes gira na casa dos R$ 15 milhões por quilômetro). 

Do lado positivo, o texto propõe algumas medidas que poderão devolver o mercado perdido pelas distribuidoras para o mercado livre de energia e a geração solar distribuída.

No caso do mercado livre, ele define o limite máximo de 30% por distribuidora. Após esse teto, não poderá haver migração. Na geração distribuída, limita sua inserção a 10% da área de concessão, com a distribuidora podendo recusar novas conexões depois desse valor. 

Outro ponto positivo é que o custo hidrológico será rateado igualmente entre geradores e compradores, sem repasse tarifário. 

Deixando de lado os méritos da proposta atual, só o fato da discussão ter ido para o Congresso já desagradou o mercado e players do setor. 

“Por decreto do MME é muito mais simples, e a discussão fica no âmbito do Ministério,” disse um executivo do setor. “No Congresso, você sabe o jeito que o projeto entra, mas nunca sabe como ele vai sair. Ele pode melhorar, ou pode piorar muito. O risco é esse.”

O BTG foi na mesma linha, dizendo que o PL é “muito ruim” para o processo de renovação. 

“Ele mostra que o processo foi sequestrado pelo Legislativo e saiu da esfera do MME. Além disso, o risco do processo ser contaminado por ‘jabutis’ também não é desprezível,” escreveu o banco.

O Legislativo está se aproveitando da insatisfação de governadores e consumidores com a prestação de serviços de algumas distribuidoras — como a Enel em São Paulo, no Rio e anteriormente em Goiás, e a CEEE, no Rio Grande do Sul, comprada pela Equatorial — para tentar interferir num processo que tinha previsibilidade e vinha funcionando bem. 

A aprovação do PL da forma como está naturalmente geraria um impacto grande para as companhias do setor, mas “o projeto é tão mal redigido e pensado que levaria simplesmente zero concessões a renovarem,” escreveu o analista Antonio Junqueira, do Citi. “Ninguém vai aceitar pagar por perdas e tarifa social.”

“Eu comecei minha carreira estagiando na Secretaria de Administração da Prefeitura do Rio. O Secretário (que era Vereador e depois foi Deputado Federal) sempre dizia que ‘projeto bom não é o melhor escrito, é o que tem maioria das duas casas e a benção do Executivo.’ Esse projeto não é o melhor escrito, não tem maioria e não tem a benção do Executivo.”

Ainda assim, a situação já começou a escalar: o Planalto também está interessado no tema.

O Ministro Rui Costa disse esta semana que “a gente não pode separar as duas coisas: a possibilidade de renovação, com a exigência e o que fazer para ter uma melhoria o mais rápido possível de um serviço público que é a distribuição de energia.”

Até aí, nada mais razoável.  Mas como o populismo não resiste à tentação de demonizar as privatizações, a Secretaria-Geral da Presidência instituiu hoje um grupo de trabalho técnico.  

O objetivo: acolher propostas e percepções da sociedade civil “sobre as recentes desestatizações no setor elétrico e suas consequências.”