Lázaro de Mello Brandão, o jovem humilde cujo sonho de trabalhar no Banco do Brasil o conduziu a uma carreira longeva e ao pináculo do mundo bancário como presidente e chairman do Bradesco, morreu nesta quarta-feira aos 93 anos.  Dedicou 76 destes à casa que se tornou sua vida.

10349 819d48d9 6f07 0000 0146 87d0f484a25b“Seu Brandão”, como era universalmente chamado, estava no Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, onde sofreu complicações de uma cirurgia para corrigir uma diverticulite. 
 
Ao longo de décadas, Seu Brandão foi um exemplo de serenidade num país frequentemente insano, marcado por planos econômicos, crises financeiras e impasses políticos. Era sempre consultado pelo Governo em momentos agudos do País, aconselhando sobre os impactos no mercado.
 
“Foi um homem extraordinário pela sua simplicidade, pela sua objetividade e pela sua dedicação ao Bradesco,” Candido Bracher, o CEO do Itaú Unibanco, disse ao Brazil Journal.  “Com muita seriedade na forma de se conduzir ele construiu um dos maiores bancos do mundo.”
 
A discrição que foi sua marca contrastava com uma atuação firme nos bastidores.
 
Brandão foi o autor de movimentos estratégicos espetaculares como a compra do BCN pelo Bradesco em outubro de 1997.  O BCN era disputado por Luiz Cézar Fernandes, do Pactual, e Fernão Bracher, do BBA. Ambos queriam o BCN para entrar no varejo.  
 
No final do leilão, numa deferência ao statesman do setor, Pedro Conde liga para Brandão para comunicar a transação: “Estou vendendo para o Bracher.”  “Meu filho, atravesse a Castello Branco e vamos conversar.”   (O BCN ficava em Alphaville, o Bradesco em Osasco).
 
Cézar e Bracher ficaram sem o banco.
 
Por várias vezes, Bradesco e Unibanco flertaram com vistas a uma fusão 50/50, que acabou nunca acontecendo porque as partes nunca chegaram a um acordo sobre governança.
 
Brandão pôs o Bradesco no ramo de seguros ao comprar, em 1983, a Atlântica-Boavista Seguros, que pertencia à família Almeida Braga e com quem o Bradesco mantinha uma joint venture.  A Atlântica se tornou a atual Bradesco Seguros, responsável por um terço do resultado do banco.  Com a transação, Braguinha, o patriarca dos Almeida Braga, vai para o conselho do Bradesco, e seu representante na joint venture, Fernão Bracher, fica no banco como vice-presidente e se torna amigo de Seu Brandão para toda a vida.
 
Antes de se tornar o “Seu Brandão”,  Lázaro começou a trabalhar como escriturário na Casa Bancária Almeida & Cia em 1º de setembro de 1942. Na época, estudava para prestar concurso para o Banco do Brasil. No ano seguinte, o pequeno banco se transformou no Banco Brasileiro de Descontos S.A., o nome original do Bradesco.
 
Brandão galgou todos os degraus do banco.  Em 1963, já com 21 anos de casa, foi promovido a diretor e, em 1977, assumiu a vice-presidência como provável sucessor de Amador Aguiar, então com 73 anos.
 
“A sucessão estava entre o Brandão e o Francisco Sanches, outro vice-presidente, e havia um temor interno enorme de que o Sanches pudesse ganhar,” diz um banqueiro veterano que conhecia os personagens à época. “O Sanches era da área de fiscalização e era um cara com uma gestão muito agressiva, enquanto o Brandão era uma pessoa mais ponderada, que pensava na expansão do banco.” 
 
Em 1981, Amador Aguiar unge Brandão CEO do banco.  Dez anos depois, ele passa a acumular também a presidência do conselho.
 
Amador morre em 1991, e Brandão se consolida como o banqueiro mais poderoso do País. Em 1999, faz seu primeiro sucessor como CEO: Márcio Cypriano.
 
Seu Brandão deixa a presidência do conselho no final de 2017, escolhendo Luiz Carlos Trabuco Cappi.  Mesmo fora do conselho, tinha a palavra final em todas as decisões estratégicas. 
 
Ao longo de décadas, o comportamento pessoal de Seu Brandão se tornou o ‘gold standard’ da casa, continuando uma cultura criada por Amador Aguiar: chegar cedo, sair tarde, não emendar feriados, usar de parcimômia e apostar nas relações de longo prazo. 
 
Com raras exceções, o Bradesco promovia e apostava apenas na prata da casa.  É um lugar onde a hierarquia rígida e as rotinas são vistas como ativos. 

Luiz Cézar Fernandes, o fundador do Pactual, começou sua careira no Bradesco.  Em 1965, quando trabalhava para o banco no Rio, Brandão lhe enviou um Telex ordenando que fizesse um depósito compulsório no Banco Central.  O Telex não chegou.  Às 19 horas, Seu Brandão telefona para saber do compulsório. Cézar diz que não recebeu. “Se vira, senão vamos tomar uma multa,” respondeu Brandão. 
 
A multa equivalia a 100 anos do salário de Cézar, então com 17 anos. Motivado pelo pânico, o jovem conseguiu que um diretor e o tesoureiro do BC no Rio abrissem o caixa da autoridade monetária às oito horas da noite para acolher o depósito, e a ordem de Seu Brandão foi cumprida.
 
Pedro Moreira Salles, que concorreu com o Bradesco a maior parte de sua vida, disse que Brandão foi “um exemplo de retidão, disciplina e absoluta dedicação ao trabalho.” “Ele entrega um legado extraordinário e deixa saudades.”
 
A uma pessoa que o visitou logo que ele deixou a presidência do conselho, Brandão disse que estava com “mais liberdade” em relação aos horários do banco.  “Agora, eu posso chegar mais cedo.” Era uma piada, mas apenas em parte.
 
“Era uma pessoa de extrema delicadeza: não houve uma vez que eu fosse ao banco que ele não me levasse até o térreo na hora de ir embora,” disse Andrea Pinheiro, cuja família vendeu o Banco BMC ao Bradesco em 2007.
 
Lázaro deixa a mulher, Albertina, as filhas Beatriz e Sônia, e um neto. 
 
O velório será no Cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, das 13:30 às 17 horas, seguido da cremação.