O subsídio dado pelo BNDES para a compra de jatos particulares – que hoje escandaliza tanta gente – fez parte de um gigantesco programa para estimular a economia brasileira em meio à catástrofe que se anunciava depois da crise de 2008.
O programa — chamado PSI — acabou se revelando um dos maiores desastres da política econômica dos governos petistas.
Quando começou, em 2009, o PSI fazia algum sentido: com o mundo afundando numa crise de proporções épicas, o Governo separou R$ 44 bilhões para fazer uma injeção de estímulo (contracíclica e transitória) na economia.
Mas em fevereiro de 2010, Brasília já não queria largar a cocaína: o Governo prorrogou e aumentou o programa, que se tornou uma espécie de ‘way of life’ de um Estado já perdulário e com a solvência em declínio.
Quando terminou, em dezembro de 2014, o PSI contabilizava R$ 400 bilhões emprestados pelo Tesouro ao BNDES. Deste total, os subsídios totalizavam R$ 252 bilhões.
A Embraer foi particularmente afetada pela crise global. A empresa tinha filas de cinco anos para entregas do jatinho Phenom até a crise estourar. Em seguida, viu sua produção mergulhar 30% com cancelamentos de pedidos.
O governo Lula ainda falava em marolinha quando a Embraer anunciou a demissão de mais de 4 mil funcionários – 20% do total – em fevereiro de 2009.
Foi aí que o governo se alarmou e decidiu implementar as medidas de estímulo industrial.
O BNDES tinha linhas de crédito para máquinas e equipamentos produzidos por empresas locais, entre elas a Embraer. Esta, por sua vez, fazia sua proposta comercial levando em conta a linha (assim como a Bombardier dava acesso a linhas do banco de fomento canadense).
A linha era oferecida a todos, num regime de absoluta impessoalidade. Não era direcionada para os “amigos”.
Subsidiar a compra de jatinhos pode ser questionável como política pública – mas está longe de ser uma jabuticaba brasileira.
Enquanto no Brasil o Presidente Bolsonaro opta por constranger empresários que usaram uma linha de crédito criada por uma política de Estado para estimular a economia, nos EUA o presidente Donald Trump é só agrado para os donos de jatinhos.
Graças ao corte de impostos promovido por Trump, as empresas americanas agora podem abater do IR 100% do valor da compra de um jatinho. A medida vale para aviões novos ou usados, fabricados nos EUA ou importados. (Antes de Trump, o benefício fiscal lá era de “apenas” 50%.)
Os jatinhos ‘escandalosos’ representaram 0,5% dos desembolsos do PSI de 2009 a 2014 – a maior parte do programa foi para máquinas industriais, ônibus e caminhões, gerando distorções que, anos depois, causaram a greve dos caminhoneiros.
A sociedade tem direito de criticar a política pública – tanto que o partido responsável por ela caiu de podre e depois perdeu uma eleição.
Mas a criminalização de quem fez uso de uma linha de crédito oficial só faz sentido dentro de um contexto onde muita coisa já deixou de fazer sentido.
Por exemplo: o sigilo bancário.
Há dois anos, quando o BNDES começou a responder à pressão por mais transparência, o Banco Central chegou a questionar o banco se não havia risco de quebra de sigilo bancário — na época, o BNDES estava prestes a publicar a lista de obras que financiou no exterior.
Agora, com a publicação da lista de quem comprou os jatinhos, pelo jeito o tal sigilo bancário foi pela janela. O que mais, no Estado de Direito, vai ser jogado fora?