O primeiro ano do novo governo Lula foi “bem melhor” que o esperado, tendo em vista as péssimas sinalizações feitas pelo Governo logo em seu início, diz André Jakurski. Na opinião do gestor, o Congresso contribuiu para evitar “atrocidades,” e as exportações de commodities ajudaram.

Mas o sócio-fundador da JGP prevê um futuro “medíocre” para a economia, com baixo crescimento, embora não veja risco de o País “emburacar” no curto prazo.

“De uma forma geral, não estou pessimista com o Brasil,” ele disse ao Brazil Journal. “Eu não estou é otimista, entendeu?”

Abaixo, a segunda parte da conversa com o gestor, que começamos a publicar ontem. Na entrevista a seguir, Jakurski explica por que espera uma Selic de um dígito no próximo ano e dá as razões para seu pessimismo com a reforma tributária.

O primeiro ano do novo governo ficou dentro do previsto?

Em relação às expectativas, foi melhor do que se esperava. Bem melhor. No início do governo se imaginava que iam ser feitas algumas atrocidades. Não aconteceram, mas também muito por influência do Congresso. O Congresso foi uma barreira.

Só que infelizmente o nosso Congresso também é extrativista. Não necessariamente rema na direção da austeridade, mas foi um elemento muito importante ao impedir maluquices que podiam ter acontecido necessariamente se não tivesse essa intervenção benigna.

O ano foi muito melhor que o esperado, ninguém esperava essa supersafra, nos ajudou muito.

Teve uma queda relevante de inflação e a massa salarial cresceu. Estamos a pleno emprego, então as coisas funcionaram melhor do que se imaginava no início do ano.

Assim que houve uma indicação de queda no juro, a Bolsa acordou e subiu mais de 15% em pouco tempo. Quando tem juros mais baixos, em termos reais, as coisas acordam.

Mas o índice da Bolsa brasileira foi um pouco distorcido, porque alguns papéis relevantes tiveram performance maravilhosa. A Petrobras carregou muito o índice.

A Petrobras pagava um dividendo extraordinariamente alto, então o total return da Petrobras foi fantástico nos últimos anos. Provavelmente não vai se repetir na mesma dose, mas é uma papel que tem um dividend yield legal.

Para a frente, depois desse rali que nós tivemos, vamos precisar de notícias novas e mais alvissareiras para a Bolsa fazer uma nova mudança de patamar. Agora a derivada vai ser menor.

Mas não estou vendo um colapso do mercado brasileiro, especialmente com as taxas de juros caindo.

A Selic pode cair abaixo de 10%?

Tenho dito quando me perguntam é que o juro no Brasil era extremamente alto e ainda está muito alto, porque a inflação está rodando perto de 4%, o que para o Brasil não é a hiperinflação, né?

Com o juro real que nós temos, acredito que a Selic tenha que cair para um dígito. Agora, se é 8,5%, 9% ou 9,5% é um ajuste muito fino para eu expressar uma opinião. Mas eu acho que o juro vem para baixo de 10% tranquilamente – e talvez venha mais do que a gente imagina.

Mesmo com a parte fiscal não sendo boa, o Brasil não é dos países que está na pior situação. O grande problema do Brasil é justamente o alto custo da dívida.

Não adianta você ter uma dívida relativamente baixa se o juro real é alto. O juro nominal é maior que o crescimento nominal do PIB, então a dívida vai crescer, se não tiver um superávit primário.

Não é nada explosivo, nada no horizonte visível, então acho que podemos ter um juro real de curto prazo mais baixo. Acho que isso vai acontecer, porque vai mudar a composição do Banco Central. Naturalmente vai haver uma pressão maior para os juros continuarem caindo.

Há duas teses. Uma tese é que acelera a queda e chega no juro terminal mais rápido. A outra é que cai mais lentamente e vai mais longe, porque impede a inflação de realmente voltar, principalmente porque o Brasil está a pleno emprego também.

É uma característica dos mercados globais depois da pandemia que você teve pleno emprego em quase todos os países. Então isso aí é um ponto a se observar no Brasil.

A economia está desacelerando por causa do juro alto, mas não vejo a economia emburacando. A massa salarial aumentou, então o Brasil não está num ponto ruim.

Quando você lê a parte política, dá vontade de desligar tudo. Mas a verdade é que quando olhamos os grandes números, não são ruins.

O Brasil tem um problema seríssimo de longo prazo, que é o baixo crescimento. O Brasil está fadado a crescer muito pouco.

Por quê?

A população do Brasil nos últimos 30 anos cresceu mais de 60% e nos próximos 30 anos vai crescer zero ou menos. Então, um dos componentes de potencial PIB diminuiu drasticamente.

Por outro lado, a produtividade sempre foi muito ruim. A gente poupa mal, investe mal, investe pouco, poupa pouco. Então o cenário é medíocre.

Mas tudo depende também das suas expectativas. Se você tem grandes expectativas, você vai se decepcionar. Se você ajustou suas expectativas para baixo, você pode até se surpreender positivamente. Então é questão de como é que você está posicionado.

Há mais de dez anos falo que o Brasil vai crescer muito pouco. As pessoas achavam que eu era louco, urubu. Mas a verdade é essa.

Mas o crescimento surpreendeu positivamente neste ano. Isso não se sustenta?

Se você olhar as grandes variáveis econômicas, você chega à conclusão de que é muito difícil o que que aconteceu no período recente, com o Brasil crescendo mais do que se imaginava. Foi o setor agrícola e o petróleo. O Brasil tem essas duas coisas muito boas.

Agora vai ter uma aceleração da produção de petróleo. Também vai dar mais receita para o governo, que vai permitir que não haja uma explosão do déficit.

O Brasil está com superávit comercial em petróleo de US$ 10 bilhões por ano. Não é desprezível. Isso vai aumentar para US$ 20 bilhões, US$ 30 bilhões.

A área externa do Brasil é super tranquila. O Brasil tem um volume razoavelmente alto de reservas. O País não tem aqueles problemas que tinha diuturnamente, de ter reserva zero quase negativa, podendo quebrar a qualquer momento. Isso mudou muito.

Quando falam que o Brasil vai explodir não pensam nesses termos. O Brasil tem problemas, é um país que vai ficar velho sem ficar rico. É esse o maior problema do Brasil, não que vai emburacar.

Agora, quando se olha para os ativos no Brasil, vão continuar oscilando de uma forma relevante, porque tem muitas oscilações políticas. A política é muito importante no Brasil, ao contrário dos países mais desenvolvidos.

Quem está na cadeira da Presidência ou na Presidência do Congresso é relevante para saber o que é que vai acontecer ou não na economia.

De uma forma geral, não estou pessimista com o Brasil. Eu não estou é otimista.

Tenho uma visão de que a gente poderia fazer muito mais se a gente tivesse índices melhores de educação, por exemplo. Você vê, o Brasil há 20 anos não melhora no Pisa.

Não apenas no Brasil, mas em quase todos os países ocidentais atualmente, não existe educação sem doutrinação, um viés muito esquerdista, dos professores, das universidades.

Isso faz com que haja o famoso grade inflation. Todo mundo recebe nota alta, todo mundo passa de ano, então a qualidade do ensino está piorando. O Pisa dos países da OCDE foi terrível depois da pandemia.

Não estamos educando as crianças e depois reclamamos que as pessoas não estão qualificadas e não são produtivas. Esse é um dos grandes problemas da produtividade no Brasil.

Em resumo, é aquela história, nem tanto ao céu, nem tanto à terra no Brasil.

Você falou da expectativa de queda do juro real no curto prazo. Mas os juros longos não fecharam quase nada recentemente. Fecharam menos do que nos EUA. O Brasil está condenado a ser o país da renda fixa?

O juro real alto é um ônus que o Brasil carrega, por causa das maldades feitas no passado com os credores.

A verdade é que o juro no Brasil você determina empiricamente, que é o juro que impede a inflação de acelerar. Então, na determinação empírica, o juro do Brasil, infelizmente, é alto.

Existem diversos papéis incentivados com isenção de IR. Isso ajuda ou atrapalha o desenvolvimento do mercado de capitais? É algo que beneficia a renda fixa em detrimento da Bolsa?

Isso eu acho o maior absurdo que existe, porque se você garante para as pessoas liquidez quase que diária, isenção de Imposto de Renda e rentabilidade não faz sentido você ter mercado de capitais, não faz sentido ter Bolsa.

Você compra um papel de um grande banco, um CRI. um CRA, LCI, LCA. Aplica 2 ou 3 anos com liquidez diária e depois de 90 dias. O Itaú, o Bradesco, isso aí é risco zero praticamente. Então isso não cria mercado de capitais. O mercado de capitais cresceu apesar disso.

O governo está cometendo um erro assim de longo prazo, de permitir que exista essa proliferação gigante desses papéis. O governo já tributa muito as pessoas, não vou recomendar ninguém a criar imposto, mas na verdade é que esses papéis são muito nocivos para o mercado de capitais e para o desenvolvimento de uma economia de mercado. É uma distorção.

Nós na JGP estamos crescendo na área de crédito, mas em títulos privados, não títulos isentos. Agora, como nossa função não é ser padre e sim ganhar dinheiro, nós temos alguns fundos de papéis isentos e  eles estão crescendo bastante. Enquanto esses papéis existirem, nós vamos crescer com isso.

A reforma tributária vai aumentar a produtividade da economia?

Do meu ponto de vista, não pode ter muita coisa boa aí, porque o Brasil já tributa muito e vai tributar mais. Quando se fala de reforma tributária, a tradução disso é aumento de impostos.

Então, acho que não é bom, porque o Brasil já paga muito imposto. O governo é ineficiente, não presta o serviço que os países desenvolvidos com esse nível de tributação.

Mas a criação de um imposto sobre valor agregado, o IVA, não é algo positivo?

Eu reputo como ruim, a reforma do IVA. Vai ter um período de transição muito longo, então vamos conviver com dois sistemas em paralelo. Isso aumenta a complexidade, não diminui.

Além disso, deram uma série de benesses para estados e municípios que vão custar não sei quanto. Tenho dúvida se o ganho de produtividade no setor privado lá em 2033 vai ter esse retorno.

Então oferecendo muitas benesses.

No ano que vem teremos a reforma do Imposto de Renda. Provavelmente vão aumentar alíquotas, criar imposto do dividendo, criar uma série de maldades aí.

Nesse campo eu não posso ser muito otimista. O Brasil já tributa muito.

O contencioso tributário no Brasil é o mais alto do mundo. Nas empresas de capital aberto, cerca de 25% a 30% do patrimônio delas é contencioso tributário. No resto do mundo isso é 1%, 2%.

As alterações na governança de estatais são um risco que preocupa você, como gestor?

São cupins que estão roendo o tronco da árvore. Aí, devagarzinho, não é que a árvore vai cair de uma hora para outra, mas à medida que o tempo passa, o cupim vai comendo o tronco da árvore.

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