Foi um ano muito difícil, resume André Jakurski.

A economia americana “desafiou todos os raciocínios” – e essa foi uma das razões para o “desastre” no desempenho de grandes fundos de multimercado no País.

“A cabeça era que o dólar iria se enfraquecer, os juros iam cair e as bolsas não iam performar bem, porque haveria uma desaceleração dos lucros,” Jakurski disse em uma longa conversa com o Brazil Journal no final da tarde da última quinta-feira. “O que aconteceu foi exatamente o contrário.”

Um dos gestores mais respeitados do País, Jakurski nunca teve um ano negativo desde a fundação da JGP, que começou há 25 anos e hoje administra R$ 35 bilhões.

Este ano não será diferente: seus fundos multimercado estão com retorno positivo e acima do resultado de outras grandes casas – embora com retorno abaixo do CDI.

Na conversa abaixo, Jakurski explica por que considera exagerado o otimismo com um corte de juros nos EUA, prevê uma correção da Bolsa americana em breve (“Está cara.”) e analisa o cenário internacional – incluindo o início do Governo Milei na Argentina. 

Na segunda parte da entrevista, que será publicada amanhã, Jakurski fala sobre o Brasil.

 

Você acompanha muito de perto o mercado internacional há décadas. Como resume 2023?

Este ano, do ponto de vista de flutuações de mercado, foi um ano muito difícil. No final do ano passado, houve uma queda muito forte das Bolsas americanas. Havia a expectativa de uma desaceleração forte na economia, talvez até uma recessão.

Eu mesmo esperava que, no segundo semestre de 2023, os EUA não estariam crescendo nada. Então a cabeça era que o dólar iria se enfraquecer, os juros iam cair e as bolsas não iam performar bem, porque haveria uma desaceleração dos lucros.

O que aconteceu foi exatamente o contrário. Tivemos uma economia americana muito resiliente, e os juros subindo mais do que o mercado esperava.

Além disso, a Europa, que todo mundo achava que fosse afundar, boiou. Crescimento praticamente zero, mas sobreviveu.

Para o mercado, foi muito difícil. Dou o exemplo do euro. A moeda teve uma das menores variações da história, que eu me lembre. Foi uma posição que não deu muito certo, ainda mais com o carrego dos juros de um diferencial desfavorável em relação ao dólar. Foi um mercado terrível.

Um mercado que teve uma oscilação muito grande foi o iene. Não se imaginava que fosse subir tanto a cotação do dólar em iene; depois, mais pro final do ano, houve uma queda respeitável. Não foi um mercado tranquilo.

Nos EUA, estava havendo o quantitative tightening, e a aposta era que os juros subiriam.

Durante todo o primeiro semestre, houve a discussão do teto da dívida americana. Os meios de pagamento foram desacelerando, o crescimento chegou a ficar negativo. Nunca tinha acontecido isso depois da Segunda Guerra.

Mas então o Tesouro diminuiu o seu caixa durante o primeiro semestre em US$ 600 bilhões. Ele não podia aumentar a dívida, então consumiu o caixa que tinha acumulado. Isso injetou US$ 600 bilhões na economia. Isso mais do que anulou o QT, que é de US$ 90 bilhões ao mês.

Ao mesmo tempo, o Banco do Japão estava defendendo o controle da curva de juros. Isso injetou mais US$ 600 bilhões. Teve o problema do Silicon Valley Bank e, de novo, os EUA criaram mecanismos de liquidez.

No início do ano havia um aperto monetário aparentemente forte, que foi anulado por essas variáveis que acabei de descrever.

No segundo semestre também teve outra variável, com o governo americano injetando em agosto e setembro US$ 125 bilhões para as pequenas e médias empresas. Era o dinheiro que tinham a receber por não terem demitido durante a pandemia.

Tudo isso fez o PIB dar uma acelerada. Cresceu 5,2% de variação anualizada no terceiro trimestre. Uma coisa inimaginável. A economia americana desafiou todos os raciocínios.

Como isso afetou o mercado de ações nos EUA?

Essa liquidez toda impediu que as bolsas caíssem. Ficaram bambeando durante algum tempo, principalmente por causa dos problemas dos bancos em março, mas depois se recuperaram.

Quando os juros começaram a cair, aí realmente houve a alta.

Agora, o ano é quase todo explicado pelas dez maiores ações do S&P. As outras 490 não fizeram nada de excepcional. Mais recentemente, elas até performaram melhor do que as Magnificent Seven (Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Nvidia, Meta e Tesla). Estas subiram tanto que agora pararam um pouquinho.

A galera que estava mortinha deu uma reativada com a queda dos juros.

O S&P está ficando muito concentrado. Não é um índice de ações, é um índice das dez maiores ações. O resto fica a reboque.

Então, quem acertou essas dez teve um ano maravilhoso. Quem ficou no resto, por razões de diversificação, andou de lado.

Mas acho que um gestor de fundos nos EUA ou em qualquer lugar do mundo, por razões de responsabilidade fiduciária, não pode ter uma carteira concentrada em sete ou dez ações. Porque se der errado, como deu no ano passado, o prejuízo é dramático. O gestor pode ser até processado e perder o emprego.

Então ninguém adere totalmente a essas maiores empresas. Mas por isso que a maioria dos fundos performam abaixo do S&P quase todos os anos. É muito difícil bater o S&P.

A cada ano é um grupo diferente de ações que lidera, mas, se você não tiver aquelas ações, você vai ter uma performance abaixo do índice.

Por isso que muita gente recomenda investir no índice, não numa gestão diversificada. Isso é um grande debate.

Por quê? 

Os fundos de hedge (multimercados) têm a capacidade de ficar long, short, concentrar, fazer o que quiserem. Mas os fundos mútuos não – e por isso estão perdendo captação a cada ano. O dinheiro está indo para os índices e ETFs, que estão tendo um aumento dramático.

Isso de uma certa maneira privilegia o momentum em detrimento da análise das ações, porque você está comprando uma ação sem saber se ela está com os bons fundamentos, maus fundamentos, se o papel está caro ou barato. Você compra um índice e fica com o conjunto de ações que estão lá, independentemente de elas terem condição de performar bem ou mal.

Para um gestor como você, de multimercado, com a sua experiência, isso é uma ameaça ou uma oportunidade? No ano passado, por exemplo, os fundos multimercado brasileiros tiveram um desempenho muito bom.

Vamos dar um passo atrás. Para os fundos brasileiros, o kit Brasil ficou muito restrito. Você opera dólar e real, DI, NTN-B. Na Bolsa tem um número muito reduzido de ações com liquidez.

Os hedge funds naturalmente se voltaram mais para o exterior. Mas não é fácil repetir o que aconteceu no ano passado.

O ano passado foi a exceção, e não a regra. A vantagem competitiva dos brasileiros é operar no Brasil. É bom os fundos diversificarem globalmente, porque você não pode ficar restrito só ao mercado brasileiro, mas não é um mercado onde necessariamente os brasileiros terão uma vantagem competitiva permanente.

Este ano, por exemplo, foi um desastre. São poucas as pessoas que, ao longo do tempo, vão conseguir ganhar dinheiro consistentemente no mercado internacional.

Isso não impede, claro, que as pessoas evoluam. A evolução nos multimercados brasileiros nos últimos anos foi incrível. A qualidade das pessoas, o treinamento, tudo isso é maravilhoso.

Tivemos um processo educativo. Mas imaginar que teremos sempre anos como 2022 é difícil. Sempre faço esse alerta, não estamos na Disneylândia.

Este ano foi ruim para os multimercados no Brasil. Uma carteira que contenha multimercados é algo obrigatório, mas neste ano praticamente todos deixaram muito a desejar.

Quais os motivos para esse desempenho ruim em 2023?

O maior problema foi justamente o comportamento da economia. Ninguém podia prever o que aconteceu em termos de PIB, em termos de inflação.

A inflação nos EUA ficou muito mais alta por muito mais tempo do que se imaginava. Depois, no segundo semestre, quando todo mundo colocou na cabeça que ela nunca mais cairia, ela começou a ter números bem mais baixos.

O núcleo do CPI está bem comportado nos últimos seis meses. Não está uma maravilha, mas agora quando você olha para a frente o que está na curva de juros, houve uma precificação muito agressiva de queda.

Só tem duas possibilidades de isso se realizar: ou uma desaceleração forte da economia ou alguma crise, alguma coisa que a gente não está vendo agora, para realmente os juros caírem rapidamente.

Se houver uma desaceleração mais suave, ou a ou se a economia continuar forte e a inflação cair gradativamente, aí acho que a queda de juros vai acontecer mais lentamente do que o mercado está precificando.

A história não está escrita de que essa precificação que você tem no mercado vai acontecer. Tem muita gente achando que o juro vai cair 1,5 ponto percentual até o final do ano.

Se continuar a haver pleno emprego nos EUA, com economia rodando entre 1,5% e 2%, não vejo por que o Federal Reserve vai cortar mais aceleradamente.

Eles temem a volta da inflação. Eles erraram muito em não aumentar os juros quando a inflação estava explodindo, achavam que a alta era temporária e não foi. Agora estão mordidos.

É aquela velha história, cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.

Eles sabem que o juro real, com a inflação dos últimos meses, vai ficar muito alto se eles não mexerem nos juros. Mas, por outro lado, eles não querem acelerar demais essa queda, porque se eles acelerarem e a economia der uma guinada, eles vão ficar mal na foto.

Ainda temos pleno emprego nos EUA e também na Europa. A Europa, inclusive, está com uma situação pior.

Tanto é que, até um mês atrás, todo mundo dizia que o euro tinha que cair, porque a Europa teria que cortar os juros mais rapidamente, com a economia zerada, à beira de uma desaceleração.

Os EUA estão numa situação melhor, com pleno emprego e economia bombando. Então, naturalmente, os EUA vão baixar os juros mais devagar do que a Europa. Essa era a tese até três semanas atrás.

Fast forward para hoje. Vemos uma situação em que os EUA falam em baixar os juros muito mais rapidamente e a Europa falando que não, que apesar de a economia estar moribunda, os salários estão subindo, e a produtividade lá é menor do que nos EUA. Portanto, esses salários mais altos influenciam muito mais a inflação do que nos EUA.

Então hoje a conclusão é que a Europa vai diminuir os juros mais devagar, e os EUA mais depressa. Então, portanto, o dólar tem que cair.

As percepções estão mudando muito rapidamente. Quando eu falo rapidamente, é um período de um mês, duas semanas.

Agora está havendo uma competição entre os analistas de sellside e até alguns gestores para ver quem fala que os juros vão cair mais rápido nos EUA. O mercado está num momento de euforia. O investidor de varejo dos EUA está aplicando na bolsa muito mais do que aplicou nos últimos. Está tendo festa no Céu, Papai Noel baixou nos mercados.

Mas normalmente, mesmo que o mercado não mude de direção, tem correções. Imagino que em breve teremos alguma correção. Não digo profunda, mas uma correção relevante. Pode ser em termos de profundidade ou em termos de tempo. Talvez ocorra depois da virada do ano.

Quais foram as suas principais posições nos últimos meses?

Eu só opero no mercado internacional. Há muitos anos eu decidi me dedicar ao mercado internacional.

Recentemente, peguei bem o mercado de moedas, de juros e um pouco de Bolsa. Ganhei na Bolsa, mas pouco. Já achava cara e continuo achando cara. Agora obviamente acho a Bolsa ainda mais cara. Então não tenho muito apetite por Bolsa.

Mas vejo ótimas oportunidades no mercado de moedas, em juros e até commodities. O ouro deu ótimas oportunidades, principalmente depois do conflito em Israel. Ganhei dinheiro em ouro, ações de ouro e juros, na inclinação da curva.

Agora, recentemente, quando eu senti que o Fed ia ser mais frouxo, apostei um pouco na curva de juros. Mas ontem (quarta-feira passada, dia da reunião do FOMC) eu já saí, porque acho que a economia americana está mais forte do que as pessoas imaginam – e até do que eu imaginava.

Portanto, não vejo os juros curtos caindo tão rápido, e os juros longos fecharam muito. Tem que ficar observando um pouco.

E quais as apostas para o próximo ano?

Acho que as oportunidades no ano que vem vão ser oportunistas. Na Bolsa, não pode achar que vai ficar comprado e ganhar dinheiro de uma forma robusta. Vai ter que entrar e sair, porque o custo de carrego ainda é alto.

Se você olhar as opiniões mais otimistas do sellside para o S&P, são de índice em 5.100 pontos. Se jogar o custo de carrego até ao fim do ano que vem, já está quase lá. Vai ter, sei lá, de 3% a 5% de ganho potencial.

E todo ano sempre tem uma correção, entre 5 e 10% no mínimo, mesmo nos anos sem recessão.

Tem que ter paciência. Ficar com fear of missing out (o FOMO) não vai dar certo. O momento é de ter um pouco menos de posições e focar no que realmente pode potencialmente estar certo.

Tem muita coisa na área de commodities que pode ser interessante, mas não são mercados tão profundos, onde você tem capacidade de entrar e sair com facilidade. Isso eu consigo nos índices de Bolsa, de juros e moedas. Então é aí que eu concentro a minha atenção.

O crescimento da China frustrou as estimativas. Como isso afetou os mercados?

A China realmente foi a grande decepção – e isso influenciou bastante o humor dos mercados entre fevereiro e outubro, nos mercados emergentes em particular.

A China está com um problema sério, com um endividamento enorme e muita dívida oculta. Vão penar daqui para frente para realmente conseguir chegar naqueles 5% que eles prometem de crescimento.

Não que eu acredite em número chinês. Para mim, é tudo falsificado. Então, quando o cara diz que está crescendo 5%, de repente está crescendo 2%.

Eles sabem que têm um problema de difícil solução, porque sempre basearam a economia em investimento e na exportação.

A exportação está começando a sofrer com a desglobalização. O real estate era um grande motor, mas não vai voltar nunca mais a ser o que era.

O investimento em infraestrutura em algum momento terá retorno decrescente. Já investiram tanto em infraestrutura, que não sei se vai dar retorno. Gastaram muito capital sem retorno e agora a conta está chegando.

Estão tendo que cada vez todo ano endividar mais para crescer. Transformam dívida em PIB. Um problema sério.

A China é muito importante para as empresas multinacionais, como mercado e como fábrica. Então acho que o mundo ocidental não vai abandonar a China, mas vai haver uma diversificação.

Nenhum CEO que se preze de uma empresa multinacional pode depender tanto da China como, por exemplo, a maior empresa do mundo, que é a Apple. Ela depende extraordinariamente da China, tanto para vendas como para a produção. Principalmente para produção. Agora estão abrindo fábrica na Índia. Vão ter que diversificar, porque senão seria um crime.

Imagina se ocorra um conflito entre os EUA e a China por causa de Taiwan ou por outra razão qualquer, essas empresas vão perder esses 50%, 60% do seu valor de mercado. Vão praticamente mergulhar.

Não é que não vai haver investimento na China, mas vai ser na margem, muito menor. E todo mundo perdeu tanto dinheiro na Bolsa da China durante tantos anos que as pessoas cansaram, né?

Nos últimos 20 e tantos anos, a economia chinesa cresceu muito, mas o retorno da Bolsa, em termos anualizados, foi menos de 1% ao ano. Foi um cemitério de malandro, a Bolsa da China.

O futuro então está na Índia? Você tem posições naquele mercado?

Não tenho vantagem para competir nesse mercado. Sempre vou estar em ativos nos quais eu tenha uma vantagem competitiva, permanente ou temporária.

Temporária quando uso muita análise técnica. Tem um mercado muito oversold ou overbought, aí você entra sem conhecer muito o fundamento. Mas para fazer o negócio sistematicamente – entrar mês, sair mês, entrar ano, sair ano –, se você não tiver uma vantagem competitiva para brigar com os grandes, não entre porque você vai perder.

Então, por exemplo, eu evito muito fazer ações individuais em mercados fora do Brasil, porque eu não tenho a vantagem competitiva de ter a informação em tempo hábil. Vou ser sempre o último a saber.

Esporadicamente, tem uma outra ação que eu entro e normalmente tenho conhecimento bastante profundo ou da empresa ou do setor. Mas não é daí que saem os lucros, não. Os lucros saem de operações ou de índice ou de ETF, sempre usando o macro e muito menos o micro.

Na Índia, não tenho nenhuma vantagem competitiva micro e muito menos macro. Então não me meto.

É um país muito intrigante. Tem um crescimento astronômico. Tem ainda uma renda per capita muito baixa, mas a classe média é maior do que a população do Brasil. Muito maior.

Acho que o futuro está na Índia mesmo, não é mais na China, não. Mas infelizmente não tenho vantagem competitiva ali.

Você está acompanhando a Argentina? Gostou das primeiras ações do ministro da Economia, Luis Caputo? 

Estava muito otimista, mas eu estou achando que o negócio foi feito de uma forma meio truncada. Não estou gostando não.

Desvalorizaram o câmbio e criaram um imposto de importação e um de exportação. Na verdade, criaram um câmbio muito mais caro para importar e mais barato para o exportador. Assim conseguem aumentar a arrecadação.

O Caputo disse que fez isso contra os princípios dele, foram medidas emergenciais.

Isso acho até OK. Mas o que acho esquisito é dizer que vai desvalorizar o câmbio 2% ao mês.

Isso aí é o é o Chico Lopes com a banda diagonal endógena. O Chico Lopes durou pouco tempo lá no BC com essa banda.

Acho que o Caputo, se continuar com essa banda diagonal dele, também vai se ferrar. 

Além disso, ele evitou aumentar o juro, provavelmente para diluir a dívida e não fazer o calote. Mas, com juro muito baixo para uma inflação muito alta, vai ter corrida para o dólar de novo. O dólar paralelo sabe.

Então ele ainda está devendo algumas medidas que talvez ainda serão anunciadas. Porque para mim juro baixo, juro extremamente negativo, numa economia com hiperinflação, a receita não é boa. Eu não gosto.

Preciso ver se ele vai fazer mais alguma coisa ou se vai ficar só torcendo para ver se dá certo. Acho que não vai.

E a gritaria vai começar daqui a pouco. Disseram que vão cortar despesas. Isso vai botar gente na rua.