LONDRES – Depois de servir como primeiro-ministro do Reino Unido por dez anos, Tony Blair fundou uma ONG – a Tony Blair Institute for Global Change – que atua em 40 países ajudando políticos que estão assumindo o poder a aprenderem as melhores práticas de liderança.

“A qualidade de seus Governos é provavelmente a coisa mais importante para definir se um país tem sucesso ou não,” Blair disse hoje cedo no evento I Fórum Jurídico Brasil de Ideias, organizado pelo Grupo Voto aqui em Londres.

Antes do debate, os três ministros do STF presentes no evento (Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e José Antonio Toffoli) se reuniram privadamente com o ex-primeiro ministro.

“Se você olhar dois países lado a lado – com os mesmos recursos, as mesmas oportunidades, a mesma população – e um falha e outro tem sucesso, a razão sempre é a qualidade do Governo.”

Blair dá o exemplo clássico da Coréia do Sul e a do Norte, que, por terem governos diametralmente opostos, acabaram chegando a resultados… diametralmente opostos. 

O ex-primeiro ministro disse que uma das lições que aprendeu na vida pública foi que “ambições não são a mesma coisa que políticas públicas.” 

“Você pode ter ótimas ambições, mas precisa de boas políticas públicas,” disse ele. “Também é fundamental focar na implementação, e o problema com os Governos é que você tem interesses que são obstáculos, burocracias que são obstáculos. O papel do líder é ultrapassar esses obstáculos.”

Ele disse que um conselho que sempre deu a seus filhos foi: ‘Trabalhe duro e curta muito, e você pode ter sucesso. [Mas] se curtir muito e trabalhar duro, você vai acabar só curtindo e não trabalhando.’ 

“Na política, o equivalente dessa lição é que é preciso fazer as políticas públicas antes, e depois fazer política. Porque se você faz o contrário, você acaba desenhando as políticas públicas em torno da política.”

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No evento, que contou com a participação do presidente da Febraban, Isaac Sidney, e do presidente do Banco Master, Daniel Vorcaro, Blair também falou sobre o Brexit, ao qual sempre se opôs. 

Num debate com Vorcaro sobre os resultados do Brexit quatro anos depois, Blair disse que poderia falar sobre o assunto, mas que era algo “doloroso.”

“Hoje fazemos metade das transações comerciais que fazíamos com a Europa antes do Brexit. As relações comerciais e legais nós podemos mudar, mas não podemos alterar a nossa geografia. Se você sair daqui e for na estação de trem, você vai para Paris mais rápido do que para alguns lugares de Londres,” disse ele. 

“Saímos quebrando a relação comercial com nosso principal parceiro e agora estamos surpresos que sofremos um impacto na balança comercial e na nossa influência. Era muito óbvio que isso ia acontecer.”

Para além da decisão, Blair criticou também a forma como o Brexit foi feito, por meio de um referendo. 

“As pessoas pensam que a democracia é o governo fazer a vontade do povo. A verdade é que ela é sobre a população falar qual governo quer, mas quando você está no Governo é importante entregar o programa que você acredita que é melhor para o povo, mesmo que algumas pessoas discordem,” disse ele.

“Você foi eleito para governar, e o governo é sobre liderança – e não sobre seguir. Eles apostaram o destino do nosso país num referendo de um dia, de sim ou não, e sem ter noção do que ia substituir nossa relação com a Europa…”

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Blair também comentou sobre o processo de desglobalização que vem ocorrendo no mundo. 

Ele disse que entende países que durante a covid não tiveram acesso a vacinas ou a testes rápidos dizerem ter que garantir seu acesso a esses recursos no futuro — e que, por isso, não podem depender de cadeias de suprimento externas.

“Também entendo que possa haver problemas entre EUA e China e Europa e China em relação à segurança, e que possam colocar restrições no comércio. Mas isso são questões muito específicas,” disse ele. 

“O problema é tentar acabar com o livre comércio, o que certamente vai gerar problemas econômicos. Uma das principais lições da história econômica é que o protecionismo sempre acaba aumentando a pobreza.”

Ele disse ainda que não podemos esquecer o quanto a globalização fez bem para o mundo, com mais pessoas saindo da pobreza nas últimas décadas do que em toda a história da humanidade. 

“Não acho que o movimento contra a globalização vai ter sucesso. No mundo de hoje, com internet, imigração, todas as formas de se comunicar, a globalização é uma força imparável.”

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Questionado sobre quais seriam suas prioridades caso fosse eleito presidente do Brasil, Blair foi categórico:

“Primeiro, eu tiraria umas férias,” disse rindo.

“Mas se eu fosse presidente hoje – não só do Brasil mas de qualquer país – eu pensaria em como usar a inteligência artificial para melhorar aspectos da sociedade, como a saúde, educação, segurança. Tentaria achar formas de usar essa tecnologia a favor da sociedade e de regular os seus riscos,” disse ele, acrescentando que este é o tema mais importante do mundo hoje.

“E a melhor forma de fazer isso é com uma aliança entre o poder público e privado – e não com uma batalha entre eles.”

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Sobre o impacto das redes sociais nas eleições, Blair disse que acha que as redes são uma “praga na política.”

“Pode ser uma grande forma de se comunicar, mas até acharmos uma forma de regular isso adequadamente, acho que no líquido ela é mais negativa do que positiva para a política,” disse o ex-primeiro ministro. 

Segundo ele, uma das primeiras lições de liderança que se aprende é que as pessoas que gritam mais alto são as que não merecem ser ouvidas primeiro.

“Todos os líderes sabem que quem está gritando mais, apontando o dedo, você deve deixar de lado,” disse ele. “O problema das redes sociais é que elas são plataformas desenhadas para dar mais audiência justamente a quem grita mais.”