Quando o tema é ‘CEOs que batem de frente com analistas’, o novo benchmark é Lourenço Gonçalves, o brasileiro que preside a mineradora americana Cleveland-Cliffs.

10566 1fa4ade9 bbc1 40c0 de5f 68657c7b5681Ontem, na teleconferência de resultados, Lourenço tirou satisfações com o analista da Goldman Sachs, Matthew Korn.  Ao comentar o resultado da Cleveland, que saíra de manhã cedo, Korn derrapou numa tecnicalidade importante.

O consenso de mercado era de que a Cleveland reportaria um lucro de 66 centavos por ação. A mineradora reportou 64 centavos, mas usou como base 310 milhões de ações, em vez das 303 milhões que o mercado usou. 

O maior número de ações — que resultava apenas de uma questão contábil — reduzia artificialmente o lucro da empresa. Sem se atentar para isso, Korn escreveu em seu relatório que a Cleveland ficou ‘modestamente abaixo das estimativas’, despertando a ira de Lourenço. 

“Nosso número de ações aumentou porque o preço da nossa ação apreciou tanto que o jeito certo de contabilizar a dívida conversível é como fizemos,” Lourenço explicou à Bloomberg. “É apenas um cálculo. Não emitimos ações, não diluímos os acionistas, não fizemos nada. É apenas uma coisa de contabilidade – uma coisa que um analista deveria saber.” 

Essa foi a parte civilizada.  

Mais cedo, durante a teleconferência com analistas, Lourenço cunhou frases que ficarão para sempre na história do pugilato corporativo.

“É inacreditável que esses grandes bancos ainda empreguem esse tipo de gente. Vocês deveriam pedir o boné pelo seu desconhecimento das coisas, porque não é que vocês não entendam o nosso negócio….  vocês não entendem o seu próprio negócio!  Vocês são um desastre!  Vocês são uma vergonha para os seus pais!”  (Não fica claro se os xingamentos eram dirigidos apenas ao analista da Goldman ou a toda a classe.)

Lourenço fez um afago nos acionistas — e aproveitou para dar mais uma estocada nos analistas.

“Vamos usar o dinheiro [da companhia] para premiar os acionistas de longo prazo. Se as ações continuarem a cair por causa dessas crianças que ficam brincando com computadores e com o dinheiro dos outros, vamos fazer recompras.”

A ira santa parecia não ter fim.

“Nós vamos ferrar tanto esses caras que eu não acho que eles vão ter só que pedir demissão. Eles vão ter que cometer suicídio. Vamos ferrar tanto esses caras que vai ser divertido de assistir. Essa vai ser a minha prioridade número 1, além de concluir a nova planta e reduzir a dívida. Vocês estão se metendo com o cara errado. Essa é minha mensagem para vocês.”  

Durante o call, o CEO chamou Korn para a briga três vezes.  “Ask a freaking question!”  disse uma vez. Como a teleconferência chegou ao fim e Korn continuava mudo, Lourenço arrematou: “You can run but you can’t hide! Vou te ver na conferência da Goldman logo logo.” 

Não é incomum para CEOs de empresas listadas terem embates com o sellside, cujo trabalho também costuma ser questionado por investidores. Até aí, Lourenço está apenas verbalizando críticas veladas que muita gente faria.  

Em qualquer outra era, seus comentários seriam condenados como desnecessariamente pessoais.  Mas, numa época em que a própria política cada vez mais celebra o confronto direto, Lourenço corre o risco de ser eleito o ‘Homem do Ano’ pela Câmara de Comércio.

Carioca do Engenho Novo, formado em engenharia metalúrgica pelo IME e com um mestrado pela UFMG, Lourenço está na indústria de mineração há mais de 30 anos e é um raro CEO que reúne formação técnica com capacidade de liderança.  

Ainda jovem, trabalhou para Benjamin Steinbruch na CSN, onde foi o principal executivo da área de siderurgia.  Em seguida foi CEO da California Steel, uma joint venture da Vale com a japonesa JFE (a antiga Kawasaki Steel). Nessa época, naturalizou-se americano, mas nunca se livrou do sotaque português, mais carregado do que nunca na teleconferência de ontem.  Há quatro anos, comanda a Cleveland-Cliffs, onde já comeu o pão que o diabo amassou mas, recentemente, colhe os frutos da restruturação que comandou. (A ação da Cleveland dobrou nos últimos dois anos.)

Lourenço entrou na Cleveland quando a empresa caminhava em direção ao abismo.  A administração anterior resolvera internacionalizar a companhia e comprou ativos no topo do ciclo.  O erro estratégico custou caro: a ação caiu de US$ 100 para US$ 15.  Foi quando Lourenço procurou a Casablanca Capital, uma gestora de private equity de Nova York que tinha uma participação na empresa, e propôs um plano de ‘turnaround’.

Desde a largada, o novo CEO começou alinhado. Comprou US$ 1,5 milhão em ações ao redor de US$ 15 e começou uma estratégia de ‘back to basics’, mas, como turnarounds levam tempo, ainda viu a ação cair de US$ 15 para US$ 1,5.  Continuou comprando a ação em incrementos de US$ 1 milhão, e hoje é dono de mais de 1% da companhia. A ação negocia ao redor de US$ 11.

Quando um grande cliente espalhou que não renovaria o contrato com a Cleveland porque teria seu próprio fornecimento, Lourenço sobrevoou o projeto num monomotor oito vezes, fez imagens, e mostrou ao mercado que o projeto estava mais atrasado do que o próprio cliente acreditava.  O contrato com a Cleveland foi renovado. 

“Se precisar ir ao Papa defender os interesses da empresa ele vai,” disse uma pessoa que o conhece bem.  Falta só trabalhar nas habilidades interpessoais… ou não.

A CNBC convidou Lourenço para uma entrevista ao vivo no meio da tarde e quis saber se ele voltaria a usar o mesmo tom. 

“Sim, absolutamente!  Quando você não é o CEO do Facebook, do Google ou da Tesla, estar no ar na CNBC às 3 da tarde é uma grande conquista”.  Jurou que não estava atacando o analista, apenas “mencionando um fato.” 

Sobre seu estilo, disse que a maioria dos CEOs são “todos iguaizinhos” [‘cookie-cutter people’]. 

“Eu sou diferente. Se você gosta, ótimo. Se não gosta… ótimo!”

 

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‘Messing with the wrong guy’: Cleveland Cliffs CEO berates analysts on earnings call