Brasileiros com mais idade já viveram várias crises bastante sérias. 

No Plano Collor, todos — repito, todos — ficamos com 50 cruzeiros ou alguma moeda semelhante em nossas contas bancárias, um valor irrisório. O comércio parou, as indústrias pararam. 

Em outros momentos, nosso inimigo comum foi uma inflação de 3.000% ao ano. Tomávamos o remédio errado: sucessivos planos econômicos que congelavam artificialmente os preços, desestruturando as cadeias de fornecimento e inviabilizando planos e investimentos.  Em poucos meses, a inflação voltava. 

Era comum as pessoas perderem, a cada mês, de 20 a 30% do seu poder aquisitivo.  

Felizmente, muitos que viveram aqueles tempos continuam empreendendo no Brasil.  Adquiriram anticorpos.

A crise de hoje é diferente. É uma pandemia que ataca os pulmões e sufoca a economia. Do lado da saúde, temos pessoas competentes tomando medidas corretas, como o ministro Mandetta, enquanto a equipe econômica trabalha com sentido de urgência.

Na minha visão, esta crise terá quatro fases.  Entender que elas existem nos ajuda a navegar o cenário num momento de angústia e apreensão coletiva.

O início da crise é o pânico.

O fechamento do comércio nas grandes metrópoles parece razoável e apropriado, ainda que sua duração possa ser debatida.  Já a decisão de alguns prefeitos de isolar suas cidades, e de alguns governadores de fechar fronteiras são exemplos deste pânico. Essas medidas já estão sufocando cadeias logísticas e de produção, e isto pode retroalimentar o pânico e disseminá-lo a toda a população. 

Felizmente, estas medidas impensadas tendem a durar apenas de uma a duas semanas.

Logo em seguida vem o segundo momento, o início do realismo

É quando as pessoas se dão conta do efeito contraproducente de algumas decisões. Em Santa Catarina, por exemplo, uma fábrica de arroz está parada porque o fabricante de saco plástico foi obrigado a parar.  Nesta fase, as pessoas começam a entender que com o sistema logístico comprometido, produtos básicos não são produzidos ou não chegam aos mercados.  A ficha começa a cair.

Com a cabeça mais fria, e o pragmatismo mais aguçado, empresários e prefeitos, empreendedores e governadores se fazem as perguntas importantes.  

Como será a vida dos meus funcionários neste momento? E dos meus clientes? Como ficará a arrecadação de impostos? Como ajudaremos os mais necessitados para amenizar o golpe em suas vidas? Suas necessidades? 

Esta é a fase da solidariedade, que, gostamos de crer, diferencia o ser humano.

Uma vez que um mínimo de normalidade se instaure, passamos à fase da negociação.

Como cada empresa vai lidar com seus colaboradores, fornecedores e comunidade no ’novo normal’ que surgiu?  Como o sistema financeiro vai agir com seus clientes?

Nesta fase, o ponto de partida não é o que existia, mas o que é possível hoje.  Haverá concessões mútuas, postergações, reduções, descontos.

Aqui entra a compreensão e o entendimento, o pensar no futuro. Qualquer tentativa de exigir o total, os 100%, significará para muitos a morte, a extinção, o caos.

Vimos em outras crises que isto raramente acontece. Surge um sentimento de todos ajudarem para serem ajudados. Quem não for por este caminho terá seu futuro severamente comprometido.  Estabelece-se nesta fase o sentido da sobrevivência do sistema: “Me ajudem que eu ajudo”.  Haverá exceções, sim, mas o tempo é o senhor da razão para os extremados.

Na crise atual, imagino que a fase do pânico vá até o início de abril; as fases da realidade e solidariedade, mais duas semanas, e aí começaremos a ver os primeiros resultados da negociação.

Quem serão os gestores de cada fase? Num nível mais amplo, o governo com as entidades empresariais, enquanto, no detalhe do dia a dia, a realidade aproximará empresas, o setor financeiro, colaboradores, fornecedores e toda a comunidade.

Os governantes têm sempre um papel essencial, integrando as várias esferas, sendo fonte de estabilidade e procurando manter os mercados de produtos e serviços em pleno funcionamento. Com o País em jogo, cabe a todos colocar de lado as considerações eleitorais ou ideológicas, bem como os interesses pessoais.

No setor privado, nossa responsabilidade é cuidar da saúde e da dignidade das pessoas, da estabilidade do negócio, e resolver cada problema com um senso de justiça e solidariedade.

Os que melhor fizerem a gestão deste momento delicado estarão mais preparados para os novos tempos.  Estarão mais eficientes, mais produtivos, mais inovadores e mais rápidos para uma retomada, e para a conquista de uma melhor posição de mercado no futuro.

Nem o Brasil nem o mundo vão acabar.
 

José Galló é presidente do conselho das Lojas Renner.