Nossa infraestrutura é um show de horrores: serviços de baixa qualidade que, além de gerar um exército de clientes permanentemente insatisfeitos, ainda aumentam o custo Brasil. 

E de todos os setores da infraestrutura, nosso saneamento é o mais caótico e o que penaliza mais duramente a população, especialmente os pobres e miseráveis.

A única solução para melhorar estes serviços e impulsionar o crescimento econômico é a privatização — uma privatização verdadeira, honesta, que busque ganhos para o conjunto da sociedade. Adriano Pires

Apenas 48% dos municípios brasileiros têm tratamento de água, e só 39% têm coleta de esgoto.

Trata-se de uma vergonha nacional, secular e endêmica, num País que adora se achar rmoderno.

Um levantamento do Instituto Trata Brasil — uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) que reúne empresas interessadas nos avanços do saneamento básico — mostra que o País não conseguirá alcançar a universalização do saneamento nos próximos 20 anos se a tarefa de implantar serviços de água e esgoto continuar no ritmo observado, ou seja, nas mãos do Estado. Apenas 0,2% do PIB foi investido em saneamento em 2015.

O ‘Ranking do Saneamento Básico nas 100 Maiores Cidades’ usa dados do ano-base de 2012 e aponta para uma lentidão nos investimentos em saneamento por parte das três esferas de governo — nacional, estadual e municipal.

Um ponto mostra a distorção entre as 100 maiores cidades — onde vive a elite econômica e intelectual brasileira — e o restante do País.

Do universo pesquisado pelo Trata Brasil, em média, 62,4% da população tem tratamento de água, enquanto a média nacional, somados todos os municípios, é de 48,3%. A coleta de esgoto chega a 41,3% da população do conjunto dos 100 municípios. A média nacional é de 38,7%.

Apenas duas capitais estão entre as melhores cidades no quesito saneamento: Belo Horizonte, com 100% de coleta de esgoto, e Curitiba (98,5%). Santos e Franca, ambas em São Paulo, foram os outros municípios a alcançarem 100%.

O quesito tratamento de esgoto mostra piora tanto na lista das dez melhores como nas piores. Apenas uma cidade tem 100% de tratamento: Santos. E somente uma capital entra no ranking: Curitiba, com 88,3% da população atendida.

No outro lado da tabela, a situação piora consideravelmente. Seis municípios não possuem tratamento de esgoto, e dois deles são capitais: Cuiabá e Porto Velho. Na lista das dez piores está Belém, com apenas 2,2% da população atendida por tratamento.

Nesse contexto, a atual crise fiscal porque passam a União, Estados e Municípios acaba sendo, ironicamente, uma oportunidade para se iniciar um ciclo de investimentos no setor de saneamento baseado em investimentos privados, incentivados por uma regulação que impulsione o capex. 

É interessante observar que os casos de sucesso como Belo Horizonte, Curitiba, Santos e Franca são cidades onde o serviço é prestado por empresas já listadas na Bolsa, como a Sanepar, Copasa e Sabesp, que possuem uma regulação um pouco mais avançada. 

O gap de eficiência é incontestável:  dos R$ 11 bilhões investidos em saneamento no Brasil em 2014, metade se deu nos três estados onde essas empresas atuam: SP, MG e PR.

Numa iniciativa que merece elogios, o BNDES recentemente lançou um edital para governos estaduais interessados em privatizar suas companhias de sanemaento. Além disso, a nova gestão do banco disse que vai dar prioridade aos empréstimos e investimentos em saneamento. 

Em outra notícia alvissareira, um dos casos mais egrégios de inoperância estatal, a CEDAE, acaba de ser incluída como garantia na negociação da dívida do Estado do Rio, abrindo caminho para sua privatização.  A empresa de saneamento entrará como garantia de um empréstimo de R$ 6 bilhões do Banco do Brasil, o que aparentemente coloca o banco num papel tradicionalmente desempenhado pelo BNDES: o de gestor da venda.

Quando comparada a outras empresas como Sabesp ou Sanepar, a CEDAE é a fotografia de um desastre. O serviço é de péssima qualidade em todas as cidades atendidas pela empresa, em particular na Baixada Fluminense, onde mora boa parte da população carente do Estado.

Vender a CEDAE não será uma tarefa simples.  A Sanepar tem 50% de margem EBITDA e uma regulação pronta para sair. Já a Sabesp tem 45% de margem e uma regulação estável. Enquanto isso, a CEDAE tem apenas 25% de margem EBITDA e nem sombra de regulação, além de uma dívida líquida de R$ 3 bilhões, dos quais R$ 1,8 bilhão relacionados ao seu fundo de pensão. A inadimplência na CEDAE é de 35%, enquanto o da Copasa é de 3%, e o da Sabesp, 5%.

Agora que a CEDAE entrou no acordo entre os governos federal e estadual, ainda será necessário aprovar a venda na Assembleia Legislativa do Rio — uma casa que, assim como Donald Trump, costuma ser refratária à realidade.

Em seguida, cada município terá que aprovar sua própria lei aderindo ao contrato com a empresa privatizada, já que a concessão de saneamento é municipal. Obviamente, a aprovação na capital facilitaria convencer as câmaras de vereadores dos demais municípios. Mas isso leva tempo. Negociações deste tipo feitas pela Sabesp, Sanepar e Copasa foram lentas e complexas. 

Apesar de todas essas dificuldades, não existe outra saída senão a privatização. Ela deve ser acompanhada de um bom contrato de concessão e de uma regulação moderna, atenta a alguns princípios básicos: proteger os interesses dos usuários, assegurar a estabilidade das regras e, sem mais delongas, promover a eficiência e a universalização que os governos nunca conseguiram.

 

Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria no setor de energia. Foi superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP).  É economista pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII.