Quando uma empresa que recupera florestas e tem como sócios Armínio Fraga, Guilherme Leal e a família Moreira Salles não consegue uma carta fiança para liberar um empréstimo que já está aprovado pelo BNDES, tem algo errado no mundo do ESG.

É isso que está acontecendo com a re.green, uma das pioneiras em restauração florestal no País e que no início do ano teve um empréstimo de R$ 187 milhões aprovado pelo BNDES, com um custo de 7% ao ano – uma taxa de fazer inveja.

thumbnail Ana Luiza Squadri ok

Já se passaram quatro meses e a empresa ainda não conseguiu sacar o dinheiro porque nenhum banco aprova a carta fiança, uma garantia exigida pelo BNDES para 100% do empréstimo.

A CFO da re.green, Ana Luiza Squadri, conta que os comitês de crédito das instituições até se interessam pelo negócio, especialmente quando algum dos importantes sócios apresenta a empresa aos CEOs dos bancos. Mas a pauta quica: ninguém aprova a garantia. 

Ana Luiza conta que chegou a receber uma proposta, mas o banco queria 80% de colateral. “Imagina eu deixar 80% do dinheiro parado no banco?”

Um dos problemas, na visão dos bancos, é o fato da re.green ser uma startup cuja receita está alicerçada na venda futura de crédito de carbono. A empresa compra terrenos hoje, refloresta e só então gera o crédito de carbono, algo que pode levar 7 anos. 

Recentemente, a maior certificadora de crédito de carbono do mundo, a Verra, pediu correções no projeto da re.green antes de certificar seus créditos. 

Mas Ana Luiza diz que não é isso que empaca a aprovação dos bancos, até porque muitos deles são sócios de empresas parecidas com a re.green e sabem como funciona o processo de certificação. 

O problema talvez esteja no modelo de financiamento aprovado no BNDES, já que o banco de desenvolvimento usou um produto de prateleira, sem fazer um desenho específico que facilitasse a garantia, por exemplo. 

No projeto aprovado pelo BNDES, o plano é comprar 14.802 hectares de áreas degradadas na Mata Atlântica e Amazônia. Em uma área deste tamanho, caberiam mais de 13 mil campos de futebol. Mas os bancos botam pouco valor em terras reflorestadas, e com isso a carta fiança vai ficando cara. 

O projeto da re.green foi o primeiro aprovado no âmbito do programa Arco da Restauração, do BNDES, com parte dos recursos oriundos do Fundo do Clima, criado com dinheiro dos royalties do petróleo. 

A meta do banco de desenvolvimento é destinar R$ 1 bilhão deste programa para atividades de reflorestamento na Amazônia. Mas nem o primeiro empréstimo está saindo do papel.

O banco não quis falar do assunto com o Brazil Journal e se limitou a enviar uma nota dizendo que está “comprometido a fortalecer os instrumentos de crédito para a agenda de restauração florestal, buscando soluções financeiras para as especificidades do setor.”

Mas essas soluções ainda não apareceram. O próprio BNDES, quando questionado sobre a estrutura das garantias, enviou um link com a descrição de garantias dos empréstimos-padrão da instituição. 

“Como a estrutura societária da re.green é recente, não podemos usar as holdings para dar aval e fazer a estrutura de garantia padrão do BNDES de aval mais garantia física,” diz Ana Luiza. “Com isso, me resta apenas a carta fiança.”

Outra dificuldade é que os investidores da re.green são fundos, que tipicamente vedam o estabelecimento de aval. Os atuais sócios são Lanx Capital, Gávea Investimentos, BW (Brasil Warrant), Principia Capital e Dynamo. 

Junto com o fundador da startup, Bernardo Strassburg, essas gestoras aportaram R$ 385 milhões na re.green. Outro investidor é Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura e fundador da Dengo Chocolates.  Guilherme comprou debêntures conversíveis.

“Para viabilizar recursos para o crescimento do setor, não dá para se amparar na capacidade de todos os acionistas das companhias, porque senão vira um esforço contínuo de levantamento de equity e a alavancagem não cumpre o seu propósito,” diz a CFO. 

“Se a floresta plantada tem valor, por que ela não pode ser uma garantia? Se um galpão, um pasto degradado pode ser utilizado como uma garantia real, por que uma floresta não poderia ser? Ainda mais com contratos de offtake, que garantem preços e reduzem o risco.”

Atualmente, a re.green já tem 26 mil hectares de terra comprados em regiões desmatadas. Deste total, 12,5 mil são restauráveis. Até agora, a empresa reflorestou 3,435 hectares, mas sua meta é recuperar 1 milhão de hectares, o que demandaria um investimento da ordem de R$ 10 bilhões.

Certamente, em algum momento o BNDES, os bancos e os investidores vão encontrar uma saída para o impasse. Mas, como dizia Cazuza, o tempo não para.

A re.green passou quase dois anos negociando com o BNDES para obter o empréstimo, e já está há quatro meses tentando a carta-fiança. Enquanto isso, o planeta esquenta.

***
SOS Gaúcho
Faça uma doação pelo PIX da SOS Rio Grande do Sul.
CNPJ: 92.958.800/0001-38.