Impressão é coisa cada vez mais do passado. O brasileiro já transfere bilhões de reais sem papel, consulta extratos bancários digitais, desloca-se usando mapa digital, e faz ENEM ou vestibular sem precisar de papel.

Na informática, a impressão sempre foi o gargalo das operações e dos custos — primeiro, porque a “saída” para a impressora acaba se tornando uma potencial porta para hackers; segundo, porque uma vez que um documento é impresso com defeito, não tem conserto, por ser o dispositivo mais lento e essencialmente mecânico.

O uso de urna eletrônica no Brasil já completou 25 anos — fruto do trabalho de analistas de sistemas, engenheiros, advogados, juízes, promotores e ministros das supremas corte, e fruto também de uma evolução permanente de sistemas, equipamentos e legislação.

Agora, o assunto volta à tona, com a suspeição trazida pela mais alta autoridade do país, eleito para sete mandatos de deputado federal sem nenhuma contestação por parte dele, e eleito, usando o mesmo sistema, para a Presidência da República.

Usando a urna eletrônica, o Brasil elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso; elegeu e reelegeu Lula; elegeu e reelegeu Dilma; e elegeu Bolsonaro, que aparentemente cria este “não-problema” por temer não ser reeleito.

Na eleição de 2014, com o PT no poder, o PSDB contratou auditoria para checar o funcionamento de todo o sistema de votação eletrônica. Nenhum problema foi encontrado.

A urna eletrônica tirou o Brasil da era do papel, mas até 2003 não era possível auditá-la.

Em 2002, o TSE fez um experimento: imprimiu o voto em 150 cidades. Deu errado:  algumas delas terminaram a votação às 21 horas.

No ano seguinte, participei ativamente da criação do Registro Digital do Voto (RDV), em substituição à impressão do voto. O projeto era de autoria do então Senador Eduardo Azeredo, um ex-presidente do Serpro que começou sua vida profissional como analista de sistemas da IBM.

O RDV — vigente até hoje — usa os mesmos protocolos de autenticação que existem por trás do TED e do PIX, processos amplamente aceitos por centenas de milhões de brasileiros. Somente o TSE tem a chave pública de acesso às urnas.

Para entender a beleza do RDV, é preciso entender de onde estamos vindo em termos da preservação do sigilo do voto.

Antigamente depositavam-se as cédulas de cada candidato, papéis finos com o “nome do candidato e o cargo almejado”. Depois veio a cédula única, com os nomes dos candidatos a presidente, governador e senador no lado esquerdo, para a aposição do “X;” e do lado direito um quadro para o número e o nome do candidato a federal, e outro para o número e nome para o estadual. 

Essa cédula única chegou a ser contestada sob alegação da quebra do sigilo do voto, pois mostrava claramente a “combinação das opções feitas pelo eleitor”. Essa combinação é um segredo importantíssimo para os partidos conhecerem a preferência do eleitor no conjunto de votos, e saberem se ele acompanhou ou não a “orientação” do grupo político.

Portanto, os votos dados na urna eletrônica para a eleição dos cinco cargos, impressos em um único papel, quebrariam da mesma forma o sigilo constitucional, porque mostrariam a combinação de opões.

O Registro Digital do Voto solucionou este problema. O software contém tantas linhas quantos forem os eleitores cadastrados pelo TRE na seção eleitoral daquela urna. E, em cada linha, tantas colunas quantas forem os cargos em disputa. No caso da eleição do ano que vem, serão cinco colunas em cada linha.

No cruzamento de uma linha com uma coluna, será registrado o número do candidato, ou BRANCO ou NULO, escolhidos pelo eleitor para cada cargo, escolhendo-se aleatoriamente a linha onde for colocado o voto.
 
Em seguida, o RDV é assinado digitalmente pela urna, garantindo a autenticação e integridade daquele voto naquela eleição.

Todo esse seguro, complexo e aleatório sistema de registro digital do voto, permite auditar completamente e com rigor o voto dado pelo eleitor, sem revelar suas preferências, e assim preservar o sigilo constitucional da escolha dos seus candidatos.

O Brasil tem muitos problemas sérios para resolver. É uma pena termos que gastar energia com os “não-problemas”.

José Henrique Portugal é analista de sistemas e especialista em segurança e certificação digitais.