Com seu discurso de Estado grande e gastos sem teto, o Governo eleito conseguiu o inesperado: matar um rali eleitoral que estava se formando e fazer subir os juros de longo prazo do Brasil.

Na semana passada, o clima melhorou na margem. Com o mercado vendo a PEC da Transição como ligeiramente melhor que o esperado, e com o Ministro Fernando Haddad sendo mais assertivo sobre a necessidade de conter os gastos, a curva de juros passou a projetar uma Selic de 12% nos próximos 10 anos – contra 13% na semana anterior.

Ricardo LacerdaPaís que gasta cada vez mais paga juro caro, diz a lei da oferta e demanda – a única que o Congresso não consegue alterar via PEC.

Neste contexto, o fundador do Banco BR Partners, Ricardo Lacerda, acha que o Presidente eleito tem que se empenhar para reduzir a temperatura de sua relação com os investidores e ancorar as expectativas sobre o rumo da economia.

Lacerda, que tem amigos no PT mas declarou voto em Bolsonaro, diz que se Lula não agir, o Brasil vai perder centenas de bilhões de reais em juros altos e crescimento medíocre.

Abaixo, os principais trechos da conversa com o Brazil Journal.

Você foi um dos empresários mais críticos ao Presidente Bolsonaro durante o governo, mas acabou declarando voto à sua reeleição. Por que mudou de opinião?

Não foi uma decisão fácil, mas na reta final não senti um compromisso genuíno de Lula com o centro. Fiquei com a impressão de que ele não queria apenas ganhar a eleição, queria reescrever a história e enfiar o PT goela abaixo da população. E o que Lula mostrou até agora aponta exatamente nessa direção. Por outro lado, no plano econômico o Governo Bolsonaro estava indo na linha do que o Brasil precisa: redução do tamanho do Estado, reformas e corte de gastos.

Mas e a gastança pra tentar a reeleição…?

Tem razão, tem que descontar isso, mas na prática todos os governos aceleram gastos nas eleições, não é mesmo?

O que achou dos primeiros movimentos de Lula após as eleições?

Fiquei surpreso com a carga de rancor, impaciência e ideologia no seu discurso. Todos esperavam um Lula pragmático, mas não é o que estamos vendo. O presidente eleito perdeu uma grande oportunidade de ver um rali histórico dos mercados após sua eleição.

Poderia ter feito um discurso de conciliação, mas preferiu o confronto, como se o mercado fosse um grupo de banqueiros trancados numa sala da Faria Lima contanto bilhões e tentando sabotar o trabalhador. O mercado somos todos nós que trabalhamos e poupamos. Quem sabota o trabalhador é a inflação, o déficit público e o endividamento excessivo. E só quem pode controlar essas variáveis é uma política econômica pragmática e responsável.

E qual sua visão sobre o Ministério anunciado por Lula até agora?

Eu gostei dos nomes. É natural que Lula monte a espinha dorsal do seu governo com pessoas de sua total confiança dado tudo que ele passou e o ambiente em que vivemos. Todos são políticos experientes e moderados, com um histórico de conciliação.

O importante agora é usar essa base política construída para aprovar rapidamente as reformas que o País precisa, principalmente a tributária. Dentro das pautas palatáveis ao atual governo, essa é a que mais pode impactar os juros de longo prazo, que hoje estão em patamares proibitivos.

Economistas de esquerda não entendem a preocupação dos investidores com as contas públicas, e usam o termo ‘fiscalistas’ pejorativamente.  Como explicar para eles que existe escassez?

O Brasil tem um histórico fiscal péssimo, de gastos excessivos, desperdícios, benesses, insegurança jurídica, de viradas de mesas – e isso historicamente levou à nossa tradição de juros altos.

E Lula, nessas primeiras semanas após a eleição, reforçou essa percepção, focando muito no estouro do teto e na revogação de reformas que foram importantes para o país, como a Lei das Estatais.

Para aprovar cerca de R$ 100 bilhões em gastos sociais, queimamos mais de R$ 1 trilhão com aumento de juros e desvalorização das empresas na Bolsa. Sem contar a insegurança gerada, que vai cortar ou atrasar investimentos essenciais para o País.

Qual deve ser a relação de Lula com o mercado?

Muita gente no PT fala que Lula “não tem que se curvar ao mercado,” mas não se trata disso.

O que o Presidente precisa é ter um plano, dizer como vai financiar os gastos sociais, como vai montar equipes e propostas que possam viabilizar suas políticas, suas promessas de campanha – que são legítimas – sem arrebentar com o País.

Lula é um político hábil, capaz de costurar um pacto social e reformas que unam o País. Mas parece preso a um discurso populista, ideológico e muito vazio em termos de propostas. Aumentar salário mínimo e gastos sociais não é proposta, proposta é como viabilizar isso.

E o investidor estrangeiro, que sempre gostou de Lula?  Como ele está vendo essa transição?

Eu sinto que muita gente quer voltar a investir no Brasil com a melhora do ambiente institucional e superação dos temas ambientais e humanos, que foram muito mal vistos durante o Governo Bolsonaro. Mas é preciso abaixar a temperatura, garantir uma mínima estabilidade para quem quer colocar dinheiro aqui.

Foram muitas oportunidades perdidas a partir de 2015, e isso tirou o Brasil do radar de muitos investidores importantes. Precisamos recuperar a credibilidade perdida. A boa notícia é que, caso se empenhe, Lula tem tudo pra conseguir isso, porque é exatamente o que ele fez em seus dois primeiros mandatos.

Você acredita que vai haver uma reconciliação entre Lula e os mercados?

Eu creio que sim. Lula já viu de tudo, sabe bem o que funciona e o que não funciona. Eu entendo a posição dele. Há muitos atos antidemocráticos pelo País e é preciso ficar vigilante para que nada mais radical aconteça. Essa transição tem muitas particularidades, não é uma situação comum. Por isso acho que devemos dar ao presidente eleito o benefício da dúvida.

Não existe Plano B, precisamos ser construtivos para o bem do país. Se a confiança dos empresários e trabalhadores despencar, se a economia for ladeira abaixo, o governo vai perder tempo correndo atrás do prejuízo e isso pode levar a uma espiral muito negativa.

E se Lula mudou por causa da prisão?  E se saiu rancoroso, vingativo, e disposto a contemplar apenas a agenda ideológica de quem esteve ao lado dele em Curitiba?  Vamos afundar em quanto tempo?

Dada a fragilidade do quadro fiscal podemos ver o cenário degringolar muito rapidamente. Já tivemos um trailer disso nas semanas seguintes à eleição. Por isso é tão importante buscar a confiança do mercado. A esquerda insiste muito em dar uma conotação pejorativa a esse termo, “mercado”, mas o mercado é um mero termômetro. Dilma e Bolsonaro fracassaram pela teimosia e soberba. Lula nunca caiu nessa, sua essência é a política, ceder ao rancor e ressentimento seria muito ruim para sua biografia. Se ele refletir bem, vai ver que foi o ‘Lulinha paz e amor’ — e não o ‘Lula ideológico’ — que marcou o ápice da sua popularidade e que foi capaz de gerar emprego.

Qual deve ser o foco do governo em 2023?

Precisamos reconquistar a credibilidade fiscal para que os juros longos possam cair. Ninguém aguenta juros de 15% por dez anos. Isso vai quebrar o País.

Para reconquistar essa credibilidade, o primeiro passo é manter o que está dando certo. Por que mexer na lei das estatais? Para acomodar 600, 700 políticos em cargos e levar essas empresas novamente à lona?

Por que ficar questionando marcos regulatórios consolidados? Isso vai acabar custando muito caro ao País e ao próprio Governo. Isso nunca acaba bem… Já vimos esse filme antes.

Além disso, é fundamental fazer uma reforma tributária para equacionar distorções históricas que travam o crescimento. Quando eu falo em recuperar a credibilidade fiscal não significa zerar o déficit no primeiro ano, nem mesmo nos quatro anos de mandato. Mas o governo precisa propor um arcabouço fiscal que mostre que não há descontrole do endividamento. Há países com endividamento mais alto que o Brasil com avaliações de crédito muito melhores, mas eles conseguem dar conforto aos investidores de que existe um equacionamento da dívida.

Você anunciou sua desfiliação do Novo depois dos ataques a João Amoêdo. Como vê o quadro político nos próximos anos? Pretende se filiar a outro partido?

O Novo envelheceu muito rápido e não soube reconhecer o papel do seu fundador como âncora institucional. O partido tinha ótimas ideias mas não soube encontrar seu espaço com a devida distância do Bolsonarismo, um movimento evidentemente muito maior e com um viés populista.

Apesar de discordar do Amoêdo, era um direito dele declarar voto em quem quisesse, e ele o fez de uma maneira muito transparente e fundamentada. Fui filiado ao PSDB durante 30 anos e ao Novo por cinco anos, mas não pretendo me filiar novamente.

Meu papel como empresário é contribuir com ideias que possam melhorar a sociedade e ajudar a iniciativa privada.