Ricardo LacerdaO banqueiro Ricardo Lacerda tem todas as credenciais para ser visto com suspeita pelo PT. Começou sua carreira no Goldman Sachs em 1996 e era chefe do banco no Brasil quando um analista do Goldman lançou o Lulômetro, que media o risco da eleição de Lula para o mercado financeiro.

Depois, Lacerda foi trabalhar para o Citibank — outro desses bancos que, na propaganda do PT, fazem a comida sumir do prato dos brasileiros. Lá, foi chefe da área de banco de investimento, primeiro do Brasil, e depois da América Latina.

Há alguns anos, com o apoio de vários empresários que haviam sido seus clientes, Lacerda fundou a BR Partners, um banco de investimento dedicado a fusões e aquisições.

Numa campanha eleitoral em que os banqueiros estão sendo satanizados, e num final de governo em que a maioria dos empresários se sente, se não no Inferno da economia, num dos círculos do Purgatório, Lacerda poderia ser mais um banqueiro alvo fácil para os dilmistas.

Exceto pelo que ele acha que vai acontecer nos próximos dias.

Lacerda acha que a Presidente Dilma será reeleita — e, mais chocante ainda, que isso não vai ser necessariamente um desastre.

“No segundo mandato, ela vai mostrar um pragmatismo que não mostrou até agora,” diz ele. “Tem gente achando que virei petista, mas faço apenas uma análise conjuntural do cenário que considero mais provável.”

 

Por que o senhor acha que a Presidente Dilma vai ser reeleita?

Em condições normais a tendência é sempre pela reeleição e tirar alguém do poder é uma tarefa árdua. É preciso um motivo forte para não reeleger um governante. Não vejo esse motivo no cenário atual. Criou-se muita riqueza no país nos últimos 20 anos e, a despeito de um quadro mais adverso a partir de 2013, os principais indicadores econômicos ainda estão em níveis razoáveis. O desemprego ainda é baixo e persiste uma sensação de bem estar na população. Certamente veremos uma disputa acirrada, mas minha leitura é que no frigir dos ovos a maioria vai optar pela continuidade do atual governo.

 

O mercado financeiro reflete a economia colocando preços nos ativos. A Bolsa cai e o dólar se fortalece quando a Presidente Dilma sobe nas pesquisas. A maioria dos empresários está cansada do modelo dos últimos anos e não quer a reeleição. Por que o senhor está sendo tão construtivo na absoluta ausência de evidências para isto?

Não é possível que não haja denominador comum entre uma presidente reeleita e o mercado. Tem que haver um jeito de trabalhar junto. Vejo como altamente viável uma reaproximação da presidente Dilma com o setor privado após a reeleição. Basta um nome de credibilidade no comando da economia e uma política fiscal séria para as coisas voltarem aos eixos. O mercado tem o direito de especular sobre o que bem entender, mas isso não quer dizer que esse movimento tenha tanta importância. Vejo esta histeria das bolsas como um movimento artificial. Uma coisa é discurso de campanha, a outra é a realidade. No contexto eleitoral, o discurso do governo soa mal para o mercado e o da oposição como música.

 

Dá para acreditar numa reconciliação depois de tudo que o Governo fez nos últimos quatro anos? A intervenção pesada em vários setores, o enfraquecimento do tripé macroeconômico…

Claro que sim, é natural fazer mudanças de curso após uma eleição. O Brasil não foi o único país do mundo a relaxar política monetária e fiscal diante da maior crise dos últimos oitenta anos. O mercado exagera quando enxerga descontrole fiscal ou inflacionário. É evidente que o intervencionismo teve um efeito pernicioso e criou um clima de desconfiança, prejudicando o investimento. Mas nada que não seja reversível ou ajustável. O governo precisa abandonar seu viés ideológico e confiar mais na iniciativa privada.

 

Quando o senhor diz que o mercado “exagera” quando vê descontrole fiscal, parece relevar o fato de que a economia hoje está lotada de subsídios cruzados, que as tarifas públicas estão represadas, e, pior, que o Governo faz uma alquimia contábil pra esconder a realidade…

Não se trata de relevar esses fatos, mas tudo isso é resultado de decisões conscientes dos gestores da economia que, se equivocadas, podem e devem ser revertidas. Não há nenhum tipo de problema cuja solução esteja fora do nosso alcance. É evidente que teremos que fazer ajustes em 2015, nem o próprio governo nega isso.

 

O senhor diz que o Governo tem que abandonar o viés ideológico. Mas a presidente Dilma não é conhecida exatamente por ouvir muito a opinião de terceiros e talvez tenha sido a presidente mais ideológica desde a redemocratização. Por que ela mudaria de curso agora? É muito mais provável ela dizer: “Vejam, ganhei a reeleição, eu estava certa!”

A reeleição da Dilma não é o fim do mundo. Confesso que não vejo na presidente o bicho papão em que o mercado financeiro insiste em transformá-la. Talvez estejam todos dando uma importância excessiva ao [seu] estilo. A reeleição não significa que o governo estava certo em tudo. Muitos erros estão hoje evidentes. O desejo de mudança está claro em todos os sinais emitidos pela população. Acho que a presidente saberá entender essa mensagem e prevalecerá o bom senso.

 

O senhor deve estar tendo um ano de vacas magras.. A atividade de fusões e aquisições não caiu muito com toda essa incerteza eleitoral?

Nosso mercado realmente se retraiu muito em 2014, mais em função da desaceleração econômica do que da incerteza eleitoral. De 2002 pra cá, não temos mais visto uma grande preocupação de investidores de longo prazo com questões políticas. Nossas instituições são sólidas. Mas o aumento de juros e a queda na atividade econômica reduziram o valor das empresas. Houve uma destruição temporária de riqueza e isso ocasionou uma forte retração nas emissões de ações e nas fusões e aquisições. Apesar da nossa carteira de negócios em andamento estar robusta, as operações estão levando mais tempo pra fechar. Mas nosso mercado é cíclico, já passamos por isso antes.

 

Falando do seu negócio, em que setores da economia vamos ver mais fusões e aquisições no ano que vem? Essa resposta não depende muito de quem vai sentar na cadeira em janeiro?

Varejo, educação, saúde, bens de consumo e financeiro são setores que dependem menos de regulamentação e onde há tendências claras de mercado e consolidação. Já os setores de energia e infraestrutura podem sofrer maior ou menor impacto dependendo da postura do novo governo. A boa notícia é que os preços dos ativos em níveis mais acessíveis têm atraído investidores estrangeiros, que voltaram a olhar ativamente oportunidades no Brasil. Com correções na política macroeconômica, mais clareza regulatória e liberdade para a iniciativa privada, podemos ter boas surpresas em 2015.

 

Essa sua leitura de que o Governo errou mas vai se redimir… não é muito naive?

De forma alguma. Ingenuidade é imaginar que um país com as complexidades do Brasil pode adotar uma política econômica absolutamente ortodoxa, como nós do mercado financeiro gostaríamos. Não há nada mais distante da realidade do que essa pretensão. Temos um país com enormes diferenças e uma dinâmica política que exige inúmeras acomodações. Nesse contexto, não há muito o que fazer a não ser aprender com nossos erros. Quanto mais rápida e enfaticamente o governo eleito sinalizar essas correções de rumo, menor será o custo dos ajustes.