O Departamento de Justiça (DoJ) e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos se reuniram ontem para jogar ao mar o corpo de Changpeng “CZ” Zhao, o CEO da Binance. Nem sua fortuna nem sua residência nos Emirados Árabes o pouparam de ter que caminhar sobre a prancha empurrado pelo fuzil de Janet Yellen.

Changpeng CZ Zhao

Muitas batalhas judiciais depois, o criador da maior corretora de criptomoedas do mundo admitiu sua culpa nas acusações de facilitação de lavagem de dinheiro que tocaram até no financiamento de grupos terroristas como o Hamas. Como consequência, a Binance pagou uma multa de US$ 4,3 bilhões e ganhará um interventor. CZ, que desembolsou US$ 175 milhões de fiança, poderá ir em cana.

É um resultado para o regulador mostrar força. Depois que Sam Bankman-Fried, o criador da FTX, fez reguladores, políticos e a imprensa de tolos, era preciso reagir. E o recado do governo americano foi claro: acabou a festa libertária. A inovação do mercado cripto não será uma licença para movimentar capital sem controles fortes para o Governo saber quem está por trás da movimentação, para onde o dinheiro está indo, e com qual finalidade.

É o fim do ‘move fast, break things’ com dinheiro, um lema do mercado de startups que CZ seguiu à risca.

Ele se moveu mais rápido que os outros e quebrou regras onde foi possível. A empresa do chinês com cidadania canadense foi criada na metade de 2017 e, meses depois, já estava no topo do mercado em volume negociado.

A turbina foi um sistema bem executado de remuneração por afiliados — o usuário que leva um novo usuário ganha um fee nos trades alheios — e olhos bem fechados para quem estava fazendo essas operações.

Na época, a empresa era baseada em Hong Kong. Contudo, com o crescimento e o aumento de problemas em diversas jurisdições, houve um longo período em que a sede da Binance era um segredo que não podia ser revelado.

Fazia sentido: sem país-sede não havia jurisdição que a obrigasse a regras básicas de governança. Sem uma legislação, portanto, era possível oferecer produtos além de criptomoedas spot. Era possível dominar o mercado de derivativos cripto e ver os volumes catapultarem — nas últimas 24 horas a corretora movimentou US$ 60 bilhões, US$ 40 bilhões a mais que o segundo colocado, a Bybit.

Mas os problemas foram se acumulando e, em cada país, a malandragem libertária da empresa se chocou com os agentes do Estado. Nos EUA, tiveram que criar uma entidade separada, a Binance.US, pois os americanos eram, em tese, proibidos de operar na corretora global. Com o uso de servidores privados, os clientes acessavam de qualquer maneira. Além do caso do DoJ, há uma betoneira de acusações vindas da Securities and Exchange Commission (SEC).

No Brasil, a empresa tem Henrique Meirelles como conselheiro e é conduzida por ex-executivos do Uber. Vive uma disputa com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que a acusa de oferta irregular de derivativos.

Confrontada com um processo, a Binance tentou uma traquinagem: retirou da plataforma a opção de operar futuros em português brasileiro, mas manteve outras línguas como português de Portugal. Diz que não reporta à Receita Federal por não estar no Brasil, mas patrocina o campeonato brasileiro de futebol. E por aí vai…

Talvez pelo espírito ‘move fast, break things’, a corretora se conectou com milhões de usuários pelo mundo e se tornou uma marca amada e defendida. Foi uma estratégia de negócios que funcionou, mas acumulou esqueletos demais no armário — e a conta chegou de maneira dolorosa.

A punição marca também a aceitação tácita de que os criptoativos não vão embora. Ao contrário: triunfaram sobre o ceticismo de Wall Street e foram abraçados por grandes nomes institucionais do mercado. Há diversos pedidos na SEC para a aprovação de um ETF Spot de Bitcoin, inclusive de gestoras como a BlackRock.

A sensação é de que os EUA estão limpando a sujeira do terreno para domesticar a anarquia deste novo mercado e submetê-lo às regras de governança já estabelecidas. E quem fizer a opção pelo antigo modelo libertário… vai ter que andar na prancha.

Cláudio Goldberg Rabin é cofundador e ex-diretor do Portal do Bitcoin. Full disclosure: em 2021, o portal foi comprado pelo Mercado Bitcoin, que compete com a Binance no Brasil.