Em todo lugar do mundo, o serviço público é uma necessidade, mas, em países pobres e rudimentares como o Brasil, ele se assemelha a um sacrifício, um calvário particular em nome de um interesse difuso.

Servir ao ente coletivo requer abdicar de ambições materiais e expor sua vida ao escrutínio de terceiros — tudo em troca de conseguir “fazer a diferença,” sem a menor garantia de reconhecimento ou gratidão.

Ocasionalmente, ainda te cospem na cara e te chamam de vagabundo.

É nessa situação que se encontrava o presidente do BNDES, Joaquim Levy, instigado pelo presidente da República a pedir demissão pelo crime inafiançável de querer trazer para o tal serviço público o senhor Marcos Pinto, um executivo com currículo acadêmico estelar, que já fez fortuna no setor privado, e que estava disposto a colaborar com um Governo que, em vez de pensar grande, se ocupa com fofoca.

Depois da turbulência inicial, o Governo Bolsonaro finalmente parecia ter encontrado a margem plácida do rio.  O consenso sobre a Previdência avança na sociedade, os mercados reiteram sua mensagem de confiança (esperança), e a paz relativa voltava a imperar.  Mas, tal qual o escorpião na fábula do sapo que atravessa o rio a nado, pode-se sempre contar com o Presidente para agir sobre seus piores instintos e botar tudo a perder.

Todas as vezes que a ideologia é colocada acima do pragmatismo, o Brasil perde. Assim foi com Dilma, assim será com Jair.

Se tomado pelo que aparenta ser, este episódio é apenas mais uma manifestação da mentalidade simplória, preto-ou-branco, comigo-ou-contra-mim instalada no Planalto. Como notou um observador, desqualificar para o serviço público quem já trabalhou num Governo petista significaria alijar nomes como Henrique Meirelles, Marcos Lisboa, Bernard Appy, Ricardo Paes de Barros e Alexandre Schwartsman.   

Ora, se alguém que já trabalhou para um governo do PT é, por definição, “petista,” o mesmo raciocínio permitiria latitude para especular que Bolsonaro é um comunista enrustido.  Veja bem: o cara já declarou voto em Lula e apoiou José Genoíno e o comunista Aldo Rebelo para o Ministério da Defesa.

O Presidente deveria saber que o que ele chama de “petistas” são pessoas de confiança até para o mais insuspeito de seus ministros.

Antonio Vogel já teve diversos cargos de confiança em outros governos. Trabalhou para o ex-governador do DF, Rodrigo Rollemberg — um político do perigosíssimo PSB (é socialista, Jair!) — e, pecado capital, foi secretário adjunto de finanças de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.  No Governo Bolsonaro — talvez porque, antes de ser “petista”, seja um cara competente — foi chamado por Abraham Weintraub para assessorá-lo na Casa Civil. E quando Weintraub foi para o Ministério da Educação, levou Vogel junto.  (Esse Weintraub… sei não…)

A fritura de Levy é um lembrete de como os extremos políticos se tocam no que se poderia batizar de “zona da imbecilidade”.

Em 2002, quando o recém-eleito Lula convidou Meirelles para presidir o Banco Central, a esquerda patológica viu nele “a raposa dentro do galinheiro”, já que Meirelles havia comandado um grande banco americano.  Arminio Fraga já havia sido rotulado da mesma forma quando trabalhou para Fernando Henrique Cardoso.

Agora, a direita patológica se vale da mesma mentalidade tosca e linear para acusar Marcos Pinto de ser “um petista” e “gente suspeita”.  (Por essa última, Pinto deveria mover uma ação de injúria e difamação contra Bolsonaro.)
 
Talvez houvesse motivos concretos para demitir Levy.


Integrantes do Governo disseram ao Brazil Journal que havia um desgaste entre o chefe do BNDES e membros da equipe de Paulo Guedes, incluindo o Ministro.  Guedes achava que Levy estava muito devagar, abaixo do ritmo necessário para reduzir o tamanho do banco.  Por exemplo, Levy não quis que o BNDES vendesse suas ações da Petrobras junto com a oferta da Caixa.  Em outro episódio, Levy teria recusado uma proposta pela qual a Petrobras pré-pagaria empréstimos feitos a ela pelo banco.

Demitir um subordinado — por incompetência ou incompatibilidade — é sempre uma prerrogativa de quem tem a caneta, mas a fritura pública é humilhante, e os motivos pseudoideológicos, indecentes.

 
Por ora, os deuses da Loucura estão saciados: mais um membro do governo foi depositado em seu altar. 
 
Quem será o próximo?