Oito meses depois de assumir o comando do Grupo Pão de Açúcar, Marcelo Pimentel diz que a empresa já começou a mostrar uma inflexão.

“Voltamos a crescer volume e nos últimos dois meses voltamos a ganhar market share, o que não acontecia há dois anos,” ele disse ao Brazil Journal. “Mas o turnaround é um plano de três anos. O Pão era um gigante, estava adormecido e está acordando agora.”

11002 75ed9d14 c9df 9523 4e8b 891b19af5c17O ex-CEO da Lojas Marisa, que passou três anos tocando o turnaround da varejista de roupas, disse que o GPA definiu seis pilares estratégicos e 20 projetos com o objetivo de resgatar a “identidade premium” do Pão de Açúcar, que se perdeu nos últimos anos. 

O objetivo: voltar a crescer acima da inflação de forma sustentável e retomar o nível de rentabilidade do passado. “O Pão tem vocação para ter uma rentabilidade referência no mercado, e acima do que a gente vem fazendo nos últimos cinco, seis anos.”

Abaixo, os principais trechos da conversa.

Que balanço você faz desses primeiros oito meses à frente da empresa? Como estava o GPA quando você chegou e o que vocês já fizeram de lá pra cá?

Esse ano tem sido muito importante para transição do GPA e para a consolidação do que estamos chamando do ‘Novo GPA’, que é essa empresa de supermercado, proximidade e multicanalidade. 

Eu entrei em 4 de abril e a prioridade estava em finalizar aquele processo que estava terminando de acontecer, de foco na transição completa com o fechamento dos hipermercados. O segundo ponto foi uma repriorização daquilo que de verdade é crítico para o negócio, e aí trouxemos essa visão de priorizar pilares importantes.

Quando você está num momento de turnaround, tem duas coisas que acontecem com a melhor das intenções, mas que são contraproducentes: está todo mundo engajado em fazer o turnaround, mas por consequência muita gente tenta fazer por si só. Então uma das coisas que eu encontrei foi uma pulverização de foco. Tínhamos mais de 300 projetos que não necessariamente conversavam e ajudavam o todo a avançar.

Eram projetos pequenos? De melhorias incrementais?

Exato, muito ‘silados’, muito focados em suas próprias áreas, e que não colaboravam com a alavancagem do negócio como um todo. O que fizemos foi priorizar. Desses 300 projetos, o que combinamos é que teríamos seis pilares estratégicos e no máximo 20 projetos. Obviamente, nesse processo você faz escolhas. E não é que os projetos não são importantes, mas eles não são críticos para o momento.

O segundo ponto muito importante foi a conclusão de 100% das conversões. Realmente fechar o capítulo de hipermercados e colocar toda a companhia focada neste novo GPA. Isso já foi encerrado, seja com as vendas para o Assaí ou com as 23 conversões que fizemos.

Quais são os seis pilares estratégicos que vocês definiram para o turnaround?

O primeiro é o crescimento do top line, e aqui a gente trabalhou em parceria com a Bain & Company no exercício de sortimento ideal, clusterização de loja, estratégia orquestrada de pricing e avanço na penetração de perecíveis. Esse estudo já terminou e já estamos no processo de rollout… e perecíveis é crítico para o nosso sucesso porque ele traz recorrência, reconecta com essa experiência premium que o cliente em São Paulo quer ter, de não só ter o produto em si, mas que seja um produto de qualidade. 

Tudo isso você está falando para o Pão de Açúcar né?

Principalmente para o Pão de Açúcar. Ele acaba respingando nas demais bandeiras [Mercado Extra, Minimercado Extra e Compre Bem], mas é a partir do Pão que temos a estratégia. 

O segundo pilar é a experiência do cliente, que tem sido algo absolutamente crítico para o nosso negócio. O Pão cresceu e foi reconhecido por ser a marca premium do varejo alimentar no Brasil, mas ao longo dos anos isso foi se perdendo. E nós estamos resgatando essa ambição de ser a marca para o cliente da classe B e A, e ser o aspiracional da classe C. 

O que queremos oferecer é um diferencial no ambiente do varejo alimentar brasileiro, onde criou-se um pêndulo muito focado em atacarejo e redução dos hipermercados. Queremos justamente nos diferenciar para ser a proposta premium de varejo alimentar que traz não só produto e venda, mas melhoria de um sortimento complementar e experiência de compra, com a redução de filas e a experiência multicanal que está sendo feita. 

No tema da multicanalidade, que é nosso terceiro pilar, temos feito avanços importantes. Anunciamos há pouco tempo a integração do James Delivery para a nossa base do Pão de Açúcar, e isso é muito importante para a gente porque você sai de um contexto em que você cuidava de 125 mil clientes (a base do James) para cuidar de 2,5 milhões (a base de clientes do Pão de Açúcar). 

Isso já gerou alguma melhoria nos processos?

Sim. No primeiro trimestre de 2022 a gente conseguia fazer só 40% de toda a entrega digital no mesmo dia. Agora, já estamos em 70% e vamos chegar em 80% ano que vem. O segundo ponto é o avanço que estamos fazendo com o app, que passa a ser o ponto para todos os contatos. Trouxemos o Stix para dentro, o Taeq, o Cheftime… e com isso saímos de 51% de penetração do app para 71% de todas as compras digitais. 

Outro ponto importante é reconhecer que cada vez mais nossa proposta de multicanalidade atende a necessidade do cliente. A gente saiu de 42% de compras com Clique e Retire para 51%. 

Mas a venda online hoje já é relevante na receita?

Ela é 11% hoje. Para o varejo alimentar é relevante. Somos disparados os líderes de penetração e a nossa ambição é continuar ampliando essa liderança. Queremos continuar avançando porque encontramos um modelo de venda digital lucrativo. A gente não acredita no modelo de venda digital só para incrementar top line mas que detrai o seu resultado.

O modelo em que estamos trabalhando, com a integração com o James, com o aumento da penetração do Clique e Retire, com o avanço da nossa presença física, é de uma venda online lucrativa. Esse mix de oferta traz um mix de margem que faz com que o nosso negócio digital agregue no resultado total. 

O problema do digital é principalmente a parte de logística? Qual é o principal detrator de margem no digital?

Logística sempre vai ser um dos principais fatores. E por isso que trouxemos essa questão do Clique e Retire e, principalmente, a unificação do James Delivery, porque eu tenho minha frota própria do James que estava atendendo 125 mil clientes. Ou seja, eu tinha um índice de ociosidade nas minhas vans que agora vamos usar, porque é um mix de CEP que a gente já atendia, só que até então o cliente Pão não estava incluído nessa base. Com isso, eu consigo reduzir o custo logístico.

Por último, nossa estratégia de expansão física também tem a ver com nossa ideia de usar as lojas como hubs de last mile, reduzindo o percentual de entregas que acontecem a partir do CD. Também já estamos com um teste de usar nossas lojas de proximidade para fazer a entrega expressa, literalmente naquela última milha, onde fazemos entregas com até cinco minutos a pé da loja. 

Qual é a estratégia de expansão?

A ideia é abrir 300 lojas até 2024. Até o primeiro trimestre deste ano tínhamos aberto só duas lojas de proximidade e não tínhamos convertido nenhuma loja de supermercado. Vamos fechar este ano com as 23 lojas de hipermercado convertidas e mais de 40 novas lojas de proximidade. 

No ano que vem, queremos abrir mais 100 e mais 125 em 2024. E isso muito focado na bandeira premium: 50 lojas de supermercado Pão e 250 lojas de proximidade, com foco na bandeira Minuto Pão de Açúcar. 

Por último, temos trabalhado a parte da rentabilidade. Estamos comprometidos com o modelo do Pão em trazer de volta a rentabilidade que o Pão já teve no passado, através do avanço da penetração do cliente A/B, do avanço do sortimento e da melhoria da proposta de valor que temos oferecido para esse cliente. E muito trabalhando em parceria com a indústria. A indústria está voltando ao Pão como a grande alternativa para ter acesso a esse cliente A/B, onde eles conseguem vender um portfólio mais diversificado, com um nível de margem melhor. 

Esse trabalho de turnaround da empresa que vocês estão fazendo deve começar a aparecer quando nos números? 

Temos tomado um cuidado muito grande de estabelecer as expectativas corretas com relação a isso. O Pão era um gigante, estava adormecido e está acordando agora. Mas com muito cuidado para que seja um crescimento sustentável, e não picos e vales de resultado. Eu tenho falado muito com investidores que esse é um plano de três anos. A gente vai ver sim, e já começamos a ver, melhorias do top line. Nosso NPS melhorou 20 pontos do primeiro trimestre para agora. É algo super importante e que é crítico para a reconquista desse cliente. 

Quando você olha a expansão, tínhamos aberto duas lojas no primeiro trimestre e vamos terminar o ano com 70 lojas novas. Isso vai gerar incremento de venda no ano que vem. Outra boa notícia é que quando você pega as nossas lojas de proximidade que estão maturando este ano (já tem 3 anos), elas estão maturando com uma rentabilidade muito positiva.

Acima da média da companhia?

Acima da média, e certamente acima da inflação. Isso é um sinal importantíssimo de que estamos com a estratégia certa e focados na bandeira certa.

O que a gente vai ver? Vamos ver uma retomada das vendas gradual e crescente. Esperamos em 2023 crescer acima da inflação e voltar a crescer volumes e não só vendas. 

Esse ano, o crescimento está sendo mais por preço?

No início do ano sim, mas nos últimos três meses, do final do terceiro tri e começo do quarto tri, já começamos a crescer volume. 

O que vamos ver no entanto é uma retomada gradual, porque parte dessa reconquista é garantir o sortimento ideal, e esse trabalho não é pequeno, e garantir a qualidade principalmente em perecíveis, como frutas, legumes, açougue, peixaria…

Essa era uma parte que estava meio deixada de lado no Pão de Açúcar?

Ela foi perdendo a relevância que ela precisa ter para o nosso cliente. No arroz, no refrigerante, na cerveja, as marcas são todas iguais, e o nosso papel em mercearia é garantir o sortimento e o produto na gôndola. O diferencial está nos perecíveis. E aqui o cliente não busca só preço, mas qualidade. Ele espera chegar no Pão e encontrar uma maçã, um legume com tamanho melhor, muito frescor e ótimo custo benefício. 

Temos trabalhado com nossos fornecedores para entregar isso, e já vemos nas lojas do modelo geração 7 (G7), que é esse modelo aqui [estamos dentro duma nova loja, na Avenida Jornalista Roberto Marinho, no Campo Belo, em São Paulo], uma penetração maior de perecíveis. Em média, os perecíveis representam 45% das vendas totais; nas lojas G7, esse número já está em 51%. E é exatamente esse nosso objetivo, porque perecíveis traz recorrência, margem maior e venda melhor. 

Como está a questão da cisão do Éxito, que é um tema que os investidores têm olhado muito. Vocês tinham falado do primeiro tri do ano que vem, vai ser isso mesmo?

Sim. Estamos seguindo todo o processo exatamente como publicado. Acreditamos que é um movimento que beneficia muito nosso investidor na medida em que a soma das partes não estava sendo percebida pelo mercado e isso permite que os investidores tenham as duas ações e decida como operar. Todo o mercado tem concordado conosco que esse é o caminho certo para o negócio. 

Como você está vendo a precificação do GPA hoje na Bolsa?

Baratíssima…

Mas por que você acha que o mercado ainda não precificou todo esse trabalho que vocês estão fazendo? O que você acha que o mercado não está vendo?

Eu acho que o mercado não está errado. O Pão precisa entregar e ser visto entregando. E o mercado vai precificar à medida que isso ocorrer. Eu tenho tomado um cuidado muito grande de ser o mais transparente possível de como vai ser essa jornada. Tem muito trabalho a ser feito. Trabalho de reconquista, com nossos fornecedores, a reconexão com o cliente premium, todo o investimento no modelo G7 que estamos fazendo, a expansão da proximidade.

O que queremos fazer cada vez mais é mostrar pro mercado como está esse progresso, sem vender uma ideia mais fácil do que ela realmente é e criar uma expectativa de que vai ser um turnaround de curtíssimo prazo. 

Agora, se eu fosse investidor é exatamente o momento de entrar. Porque os ativos estão muito baratos, ele não corresponde com valuation, com valor da marca, com todos os ativos que temos. Mas eu entendo que o Pão precisa entregar e não só a gente falar da entrega. 

Vocês têm passado algum guidance para o mercado nessa parte da rentabilidade?

Não. Não temos passado guidance, ainda não é o momento. Mas acreditamos que a prioridade zero é voltar a crescer acima da inflação e voltar à rentabilidade anual acima do que historicamente a gente vem fazendo nos últimos cinco, seis anos. Acreditamos que o Pão tem a vocação para ter uma rentabilidade referência no mercado, mas para isso tem muito trabalho a ser feito. Achamos que a venda vai vir mais rápido. E a gente tem que continuar a trabalhar para a rentabilidade vir de forma consistente, e isso vai vir através do trabalho com fornecedores e de um trabalho de redução de quebras.

Só este ano, já vamos reduzir o percentual de quebra em pelo menos 1 ponto percentual. Hoje, ele é um valor acima da taxa de mercado. O primeiro passo do plano é levar ele para a média do mercado e, em 2024, levar ele para abaixo do mercado. Achamos que só com esse exercício vamos ter um ganho de 1,5 ponto de margem bruta comparado aos últimos anos.