Há três anos, quando disputou sua última eleição para deputado federal, Rodrigo Maia por pouco não se reelegeu.

O episódio parece ter obrigado o político carioca a uma espécie de reinvenção.

De lá para cá, Maia se tornou presidente da Câmara — talvez o mais produtivo desde Luís Eduardo Magalhães — o segundo homem mais poderoso do País, e um potencial candidato à sucessão de Michel Temer.  

O cargo muda o homem, e um homem — dependendo da conjuntura — ajuda a mudar o País.

Hoje, Maia tem na ponta da língua toda a agenda econômica que aflige empresários e investidores: parece saber o tamanho de cada problema e o tipo de solução necessária.  Seu diagnóstico é música para quem acredita que o Brasil sufoca o setor produtivo cobrando impostos demais e oferecendo serviços de menos, e para o cidadão que sofre com o Estado omisso e ausente na prestação de saúde, educação e segurança de qualidade.

Magalhães Pinto, o político mineiro, cunhou a ideia de que “a política é como nuvem: você olha e está de um jeito, olha de novo e já mudou.”

No momento em que a cena política brasileira se move como as nuvens de Magalhães, Rodrigo Maia é uma nuvem que tem que ser acompanhada.

Por um lado, Maia não hesita em vestir a camisa de um Poder Legislativo com credibilidade nas mínimas históricas: terminou a semana passada eximindo o Congresso de qualquer responsabilidade pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil, o que é no mínimo questionável.  

Por outro lado, todo seu discurso e linguagem corporal sugerem um homem preocupado com o tamanho do desafio brasileiro, e buscando um protagonismo numa travessia que não sabemos — ainda — aonde vai nos levar.

Maia conversou com o Brazil Journal na sexta à tarde, no Rio.

(Esta entrevista está sendo publicada hoje também no Correio Braziliense e no Estado de Minas por acordo comercial com o Brazil Journal.)

 

Que probabilidade você atribui hoje à aprovação da reforma, ainda mais depois do rebaixamento pela S&P?

O rebaixamento não aumenta nem diminui a possibilidade de votar a reforma. O que aumenta ou diminui são as reações de parte do Governo ao resultado. A pior coisa do mundo é quando você quer transferir a sua responsabilidade para os outros. O Parlamento aprovou tudo que foi demandado pelo governo e pela sociedade. Votou matérias polêmicas, fez mudanças fundamentais, como a reforma trabalhista — que apesar de [requerer] maioria simples, talvez seja mais polêmica que a previdenciária e nós fizemos.

Nós temos uma crise fiscal estrutural que precisa ser resolvida, e resolvida de forma harmoniosa, não transferindo de um lado para o outro as responsabilidades. O governo tem uma base parlamentar majoritária no Congresso e é ele que vai liderar esse processo. E para liderar esse processo não pode ser na base da chicotada. Nós vivemos numa democracia. Não tem quem mande e quem obedeça: tem quem seja convencido da importância da matéria.

Apesar da polêmica, de muita informação errada, é no convencimento que você leva o deputado a votar. Mas precisa convencer. É um ano eleitoral. Tem partes importantes da sociedade — principalmente, nesse caso da Previdência, os servidores — com um discurso tomado por mentiras, que precisam ser combatidas. As corporações passam informações que não são verdadeiras e precisam ser enfrentadas diariamente por aqueles que defendem a reforma da previdência.

No fim de semana passado, numa entrevista ao Canal Livre, você estava bem otimista de que haveria os votos. Sua leitura de lá para cá mudou?

Não. Apenas tivemos um percalço, não com a decisão da agência, que já era, do meu ponto de vista, morte anunciada, mas a reação [a ela]. Isso obrigou o Presidente a entrar em cena e reorganizar a comunicação do Governo, porque ia gerar um estressamento forte.

Eu estou trabalhando. Ontem, eu conversei com o PR [Partido da República], que está trabalhando. Hoje ele tem poucos votos [a favor da reforma] mas quer chegar a mais de três quintos de seus parlamentares. Depois, estive com o governador [Raimundo] Colombo, de Santa Catarina, para discutir uma forma de atrair os governadores para esse debate, porque eles são mais beneficiados pela reforma que o próprio governo federal.

Nós estamos trabalhando. Semana que vem estou fora, mas na outra semana, vamos voltar a reunir os líderes, chamar deputados, aqueles que puderem estar em Brasília, para que a gente possa, olho no olho, entender os motivos daqueles que ainda estão em dúvida em nos ajudar.

É um caminho longo, não é uma votação fácil. Quem falar que vota fácil não está falando a verdade. Mas a gente precisa enfrentar. A gente precisa enfrentar o discurso de que a reforma da previdência vai prejudicar o trabalhador. É o contrário!

A reforma da previdência vai beneficiar o trabalhador mais simples, que ganha um, dois salários mínimos. Esse trabalhador vai ter a certeza de que, quando ele se aposentar, vai receber a aposentadoria. Mais: com a reforma da previdência, o impacto positivo na economia vai ser tão grande, que certamente o aquecimento da economia vai voltar a gerar milhões de empregos, o que vai beneficiar a sociedade brasileira.

Que probabilidade você atribui hoje à aprovação?

Não tenho como te dizer… Ficar falando número é muito fácil, mas não tem uma previsão. As pessoas estão no recesso, quando voltar você vai sentir o clima. A publicidade do governo continua, você não sabe se o clima volta pior ou melhor… Tem que esperar o final do mês para ter uma opinião mais clara. Não gosto de ficar falando número, porque isso atrapalha mais do que ajuda. Acho que a gente tem de falar de número quando a gente tiver certeza que vai ter maioria para aprovar.

Que outras reformas você considera mais urgentes, depois que passar a Previdência, e olhando os próximos anos?

Tem uma agenda econômica importante. Você tem o licenciamento ambiental que é importante; o cadastro positivo; o distrato; a regulamentação das agências reguladoras; a nova lei de falências… São agendas que têm outro tipo de impacto na economia.

E você tem a necessidade, depois da previdência, de abrir um debate sobre as despesas obrigatórias do governo. Nós temos aí um rol de despesas que não se fiscaliza, não se cobra um melhor uso desse recurso. Você tem aí de incentivos mais de R$ 280 bilhões por ano, muito mal aplicado, muitos sem gestão. Então eu acho que uma revisão das despesas obrigatórias, uma rediscussão da DRU, excluindo saúde e educação.

A agenda microeconômica é fundamental, mas tem uma discussão da reforma do Estado brasileiro que passa também pela discussão do regime jurídico único. Criar algum tipo de mecanismo de produtividade no serviço público, que não tem nenhum. Não é simples você criar meritocracia no serviço público, mas alguma meritocracia tem que se criar, para que a pessoa tenha o mínimo de empenho para exercer sua função.

Critica-se muito o cargo comissionado, mas acaba que, em alguns lugares, o cara comissionado é o que resolve o problema: são os que trabalham mais, porque eles correm o risco de ser demitidos. Tem que discutir de fato o que é carreira de Estado, para aí sim estar no regime jurídico único, no regime jurídico dos estatutários. O problema é que um tema como a reforma da previdência acaba consumindo a agenda da Câmara até o fim da sua votação.

Você tem dito que o DEM vai ter candidato. O PSDB quer ter candidato, o PMDB está acostumado a apoiar quem quer quer seja. Qual a chance dessas três legendas já saírem juntas no primeiro turno, em torno de uma candidatura de Centro?

Acho que depende muito da possibilidade de um candidato conseguir sinalizar para os outros partidos que ele consolidou uma posição. Hoje, por que se fala em tantos nomes? Porque não tem nenhum nome que você olhe e fale: ‘Esse aqui vai consolidar a maior chance de ida ao segundo turno’. Como isso não acontece ainda, se especulam muitos nomes. Mas acho que está muito cedo ainda. Tem a reforma da previdência, tem o prazo de mudança de filiação partidária em março. Até lá, vai haver muita especulação, mas pouco avanço.

Tanto Lula quanto Bolsonaro têm muito ‘name recall’. Todo mundo fala nestes dois, mas qual a relevância das máquinas partidárias, o fato de que nenhum deles tem máquinas tão estruturadas quanto os maiores partidos?

Eu acho que tem um peso grande. Tempo de televisão e fundo partidário têm um peso grande, ainda mais numa eleição como essa, que vai ser a primeira geral que não vai ter financiamento privado. Eu acho que o impacto do financiamento público para quem tem a melhor estrutura e o impacto da televisão numa eleição de 45 dias vão ser relevantes para aquele que consiga organizar o melhor palanque.

Existe um anseio enorme por renovação na política. O senhor acha que o Congresso vai ter uma taxa de renovação alta este ano?

O Congresso tem uma taxa de renovação alta há muitos anos. A renovação na Câmara varia entre 40% e 45%. As pessoas não sentem isso porque talvez esteja se renovando com o mesmo perfil de parlamentar — segmentos do agronegócio, religiosos, segurança, que cresceram muito nas últimas eleições. A Câmara tem uma renovação alta — o que eu não acho bom. Um Parlamento com mais estabilidade, com parlamentares com mais experiência, e uma taxa de renovação entre 10% e 20% seria um Parlamento que funcionaria melhor durante quatro anos, porque quando você renova sempre quase metade do Parlamento, até que os que estão entrando tenham a experiência necessária, você perde aí pelo menos o primeiro ano do Legislativo.

Mas o nosso grande desafio não é o quanto renova, é como renova. E acho que com essa crise, você está tendo movimentos importantes na sociedade de pessoas que estavam fora da Política. Esses movimentos têm uma participação maior de profissionais liberais, de jovens. Talvez a renovação deste ano — que eu acho vai ficar muito parecida com a eleição passada — possa ser uma em que as pessoas sintam a mudança, porque vai atrair nestes 40% uma parte significativa de pessoas, de segmentos da sociedade que não disputam uma eleição desde a eleição de 1986 para a Constituinte de 1988.

Na medida em que você se prepara para uma possível candidatura pelo DEM, você tem feito um diagnóstico sobre a necessidade de reformas. Com quem você tem se aconselhado?

Tem muita gente com quem eu converso. Não gosto de falar nomes porque fica parecendo que estou montando equipe para discutir pré-campanha, e como meu diálogo vem de muitos anos — e ficou mais próximo com alguns quadros, principalmente da área econômica, depois que eu virei presidente — se eu começar a falar, fica parecendo que eu já convidei, e a pessoa pode não ter interesse. Mas de fato, tem um grupo de pessoas de várias áreas que me assessora, não porque se está pensando numa candidatura do DEM, mas pelo meu papel de presidente da Câmara. As pessoas ajudam espontaneamente, por prazer. Quantas vezes três ou quatro economistas foram a Brasilia pra me ajudar a convencer os deputados na PEC do Teto, e agora na PEC da Previdência, espontaneamente. Nenhum pediu para ser remunerado pela sua palestra, pela sua participação. É uma coisa muito boa, muito bacana essa participação pessoal de quadros da academia que de forma voluntária tem colaborado com as reformas. Percebo que está havendo uma união das pessoas de bem em prol do Brasil. 

Está na hora de aparecer um estadista para lidar com essa crise estrutural do Estado?

Eu acho que tá na hora de o Brasil sair do discurso fácil, da retórica. Tá na hora de a gente simplificar o Estado, simplificar o discurso e falar a verdade pro eleitor. Ninguém vai conseguir organizar o financiamento da segurança pública — uma demanda nacional hoje — se o Estado não parar de consumir todas as receitas. Cada ano que passa, a nossa receita livre é menor. Se a gente não discutir qual o Estado que nós queremos, qual o sistema tributário… O Brasil tá precisando de simplicidade: falas simples, transparentes, diretas e objetivas com a sociedade. E ter coragem de dizer: “Nós gastamos R$ 284 bilhões com incentivos. Será que estamos gastando de forma séria? Será que aqueles que têm recebido os incentivos do Governo Federal estão gerando empregos e investimento?” Não parece. Ficam nichos do setor privado e do setor público se beneficiando do Governo — tudo dentro da lei, não estou tirando a legitimidade — mas o Orçamento público inchou de tal forma nas três esferas que a gente tem que ter um discurso simples, olhar no olho do cidadão e dizer ‘tá na hora de reformar isso aqui’. Vão dizer que o Governo não tem coração. Não é isso. São R$ 280 bilhões/ano que podiam estar universalizando o saneamento, resolvendo a questão penitenciária do lado do custeio, podia estar melhorando a gestão da saúde… mas que vão embora.