Morrer faz parte da vida.

O Brasil perdeu ontem um grande servidor público, no auge de sua carreira jurídica e no momento singular em que relatava o processo da Lava Jato; um homem tido por seus pares como um juiz honesto e técnico — num Judiciário em que essa generalização frequentemente não é possível.
 
Não nos esqueçamos também do empresário que perdemos.  No momento em que o País luta para ressuscitar sua economia, Carlos Filgueiras teve peito para abrir seu Hotel Emiliano no caos do Rio de Janeiro, e tinha planos para um terceiro em Paraty.  Choramos hoje o juiz e o empresário, num País injusto e pouco capitalista.

Felizmente, não dependemos apenas de homens, mas de instituições. Esta tragédia é um convite para refletirmos sobre os limites dos primeiros, e a promessa de estabilidade e progresso das últimas.

Em nota de condolências, o juiz Sergio Moro disse que Teori foi um ‘herói brasileiro’, e que, ‘sem ele, não teria havido a Operação Lava Jato.’  Tomara que Moro tenha escolhido as palavras para homenagear com uma hipérbole a memória do morto, e não para descrever a realidade dos fatos.
 
No fim da peça ‘Galileu Galilei’, de Brecht, o jovem assistente de Galileu, Andrea Sarti, exclama: “Pobre da nação que não tem heróis”, ao que Galileu responde: “Não, Andrea, pobre da nação que precisa de heróis.”

Brecht continua atual mas, ontem, o corpo do Ministro sequer havia sido resgatado quando as teorias da conspiração já grassavam: muitos lembraram que o filho do Ministro ‘alertara’ no Facebook ano passado que, “se algo acontecer com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar…”, enquanto um delegado da PF escrevia a palavra acidente com as aspas da suspeita, jogando gasolina na fogueira da conspiração.

 
Obviamente, qualquer acidente aéreo tem que ser investigado, mas a tese de que um suposto assassinato de Teori poderia ser uma trama para sepultar a Lava Jato tem toda cara de histeria.  
 
Primeiro, porque tragédias simplemente acontecem.  Um piloto que conhece bem a rotina de pousar em Angra narrou ao Brazil Journal o que deve ter acontecido: “Chuva, teto baixo, tentativa de arremeter. Tudo indica que tentou um pouso abaixo dos [tetos] mínimos. Ministro do Supremo na aeronave, chato voltar pra São Paulo…”

Segundo, a Lava Jato existe graças a instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público, a imprensa e o próprio Judiciário, no qual, aliás, há outros juízes que podem aumentar seu protagonismo e seriam tão sérios quanto Teori no julgamento da Lava Jato.  

Finalmente, a Lava Jato já se tornou, ela própria, uma instituição: a desinfecção das relações de empresas com políticos tornou-se uma inevitabilidade consagrada nos autos, descrita em detalhes e comprovada pelos fatos.

 
Não fosse a tragédia, o Ministro poderia ter morrido de ataque cardíaco ou numa prosaica queda em sua casa. Nestas hipóteses, alguém acharia que a Lava Jato corre risco?
 
Ainda assim, a insegurança gerada na sociedade pela morte extemporânea de Teori Zavascki é um lembrete de que sua obra — nossa obra coletiva — está apenas no começo. 
Em outubro, o Ministro disse numa palestra a advogados:
 
“O padrão civilizatório de um povo se mede pela sua capacidade de observar as normas naturalmente. Não é uma coisa muito simpática, apesar de parecer, essa ideia de que no Brasil somos um povo muito alegre, que nós sempre damos um ‘jeitinho’ para as coisas. Acho que isso no fundo facilita a desobediência e desautoriza o sistema.”
 
Neste momento de luto, a melhor homenagem a Teori não é ceder à nossa patética tradição sebastianista, e sim fortalecer as instituições que ele serviu.