Marilena Chauí, professora da Universidade de São Paulo e um pilar do pensamento dito ‘de esquerda’ do Brasil, afirmou em um vídeo que o juiz Sergio Moro ‘foi treinado nos EUA pelo FBI’, e que a Lava Jato é um grande complô das petroleiras americanas para tomar o pré-sal do Brasil.
Respiro profundo.
Chauí já havia dito, num ato contra o impeachment, que Moro tem poder “porque serve a dois objetivos: entregar o pré-sal para companhias norte-americanas de petróleo e enfraquecer o Mercosul.”
Vergonha alheia.
Em tese, poderíamos condescender e deixar a doutora entregue a seus delírios e teorias conspiratórias, mas o Brasil já sofreu demais na mão dos mistificadores, dos fanfarrões, daqueles que vêem a economia como ‘vontade política’ e a política como a expressão da luta de classes.
O problema, em si, não é a doutora Chauí, mas a covardia que suas ideias representam: essa disposição patológica de isentar de responsabilidade quem deveria assumi-la, e, pior, botando a culpa num bode expiatório tão imaginário quanto ridículo.
Está na hora de encarar a apavorante realidade de que boa parte do País consome essas ideias como se fossem verdade — e que a conta da ignorância é paga por todos.
No discurso de Chauí, a Petrobras não foi assaltada. Não há nenhuma discussão sobre como o patrimônio público é indevidamente privatizado por grupos de interesse. O foco não são os prejuizos que o Tesouro teve na Eletrobras, no BNDES, em tudo que o Estado tocou nos últimos anos. Essa dita ‘esquerda’ revela-se a mais conservadora dos analistas políticos: ela não admite que a vítima do mau Governo é o trabalhador que paga imposto na latinha de Skol, na conta de luz e sofre com a falta de hospitais porque o Governo tem outras prioridades.
Na análise de Chauí, “a Lava Jato não tem a nada a ver com a moralização da Petrobras”. Há apenas os imperialistas incansáveis querendo saquear os coitadinhos. (Onde estava a intelligentsia de ‘esquerda’ e os sindicalistas quando os vilões reais — não os imaginários — faziam da Petrobras uma casa de tolerância?)
Apenas nos cinco anos Dilma, a dívida da Petrobras quintuplicou e se tornou a maior dívida corporativa do mundo; enquanto isso, sua receita não cresceu e a produção de petróleo, também não. Culpa do FBI ou do Obama?
O Brasil está tentando superar uma de suas maiores crises econômicas, causada exclusivamente por uma gestão econômica de quinta categoria. Ao mesmo tempo, procuradores, policiais e membros do Judiciário fazem o maior trabalho de limpeza institucional de que se tem notícia, colocando na cadeia empresários antes intocáveis, deputados que só seguem a Bíblia no palanque, e lavadores de dinheiro que venderam a alma por um Land Rover.
Em meio a este momento paralisante — mas auspiciosamente transformador — a aversão aos fatos e a advocacia de teses conspiratórias ou são desonestidade intelectual ou ignorância inédita. (Nestas horas, você torce para o outro ser desonesto).
Chauí afirma que Moro “recebeu um treinamento que é característico do que o FBI fez no Macarthismo e fez depois do 11 de setembro, que é a intimidação e a delação.” É assim que a ‘esquerda’ vê instrumentos judiciais sacramentados na lei?
“A Operação Lava Jato é, vamos dizer, o prelúdio da grande sinfonia de destruição da soberania brasileira para o século 21 e 22,” diz a vanguardista, desconhecendo que soberania é comida no prato, escola que educa e hospital que salva vidas.
O devaneio continua: “As chamadas Seis Irmãs não são brincadeira de criança.” (Na verdade, Marilena se refere às ‘Sete’ Irmãs, o cartel que dominou o mercado de petróleo até os anos 60, a década na qual sua filosofia ainda repousa.)
E esse fetichismo com o pré-sal? A quem acha que o pré-sal é o nosso passaporte para o Primeiro Mundo, qualquer economista sério explicará o seguinte: se não houver investimento privado, o petróleo não sairá do fundo do mar, onde continuará gerando tanta riqueza para o povo brasileiro quanto a doutora Chauí com sua viagem lisérgica.
Está na hora do Brasil passar a entender de economia, discutir e questionar as escolhas dos governantes — e é uma lástima que um grande nome do que se convencionou chamar de ‘esquerda’ se desconstrua assim, numa tese que não se qualifica sequer para o debate.
Capitalismo funciona assim: há ativos de um lado e dívidas do outro. O empresário toma risco para obter retorno — ou compra um deputado influente para enfiar uma emenda numa MP que lhe crie um mercado, mas isso é outra história. As “Seis Irmãs”, que não são chamadas assim desde pelo menos a queda do Muro de Berlim, concorrem entre si, muitas se fundiram e — surpresa — nenhuma delas apareceu pagando propina ao PT e PMDB, ao contrário de inúmeras empresas nacionais.
Justiça funciona assim: se você erra, você tem que pagar, e se você rouba, você tem que ir em cana — sob pena de avacalhar o sistema e incentivar o bandido. É uma pena que, no momento em que as instituições realmente começam a funcionar, gente que se julga de vanguarda defenda o indefensável.
O Brasil está mudando. Marilena é parte dos que não gostam disto.