A recente movimentação legislativa e regulatória nos Estados Unidos – envolvendo potenciais restrições a investimentos estrangeiros – acende um alerta para países e investidores que mantêm relações estreitas com o mercado americano.

A possibilidade de aplicação discricionária dessas medidas suscita preocupações legítimas sobre segurança jurídica e previsibilidade, itens essenciais para o ambiente de negócios e a própria liberdade econômica.

Como apontou o embaixador Rubens Barbosa em um artigo recente, o governo americano tem recorrido a instrumentos como a International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), a Section 232 do Trade Expansion Act e a Section 301 do Trade Act.

A IEEPA, em particular, confere ao Presidente poderes amplos para adotar medidas contra “ameaças à economia e à segurança nacional,” sem necessidade de consulta ao Congresso, permitindo inclusive ações com caráter extraterritorial.

No contexto brasileiro, isso significa que empresas e indivíduos podem estar sujeitos a bloqueios bancários, restrições de crédito internacional e sanções indiretas, mesmo sem relação direta com a causa original da medida. Além disso, está em andamento uma investigação nos EUA para apurar supostas barreiras brasileiras a produtos e serviços americanos, bem como questões ambientais e financeiras, como o uso do Pix e o desmatamento.

Embora não esteja diretamente ligada às medidas atuais, a Section 899 é frequentemente lembrada como exemplo de dispositivo que, ao afetar investimentos estrangeiros, gerou apreensão global. Sua abrangência e potencial de impacto se assemelham, em parte, à lógica extraterritorial da Lei Magnitsky, que autoriza sanções contra indivíduos e empresas estrangeiras envolvidos em violações de direitos humanos ou corrupção.

Ambas ilustram como legislações com aplicação discricionária podem repercutir negativamente sobre a confiança de investidores e a estabilidade das relações comerciais.

O jurista Tércio Sampaio Ferraz Jr. ensina que a liberdade no Estado de Direito não decorre da ausência de normas, mas da existência de regras claras que limitam o arbítrio e protegem a esfera de ação dos indivíduos. Como já foi dito em outras palavras, “a norma liberta”: quando se sabe exatamente o que é permitido e o que é proibido, a atuação de governos e autoridades fica sujeita a balizas objetivas, reduzindo riscos de abuso.

A falta de critérios definidos para a aplicação de restrições econômicas cria um ambiente de incerteza que afasta investimentos e prejudica relações comerciais. É nesse espaço nebuloso que medidas políticas podem ser travestidas de ações técnicas, comprometendo a confiança mútua entre nações.

A história oferece exemplos concretos dos riscos de medidas amplas e discricionárias. Em 1989, durante a invasão do Panamá pelos Estados Unidos, conhecida como Operação Just Cause, além dos objetivos militares houve congelamento de contas bancárias e bloqueio de operações financeiras envolvendo empresas sediadas no país.

Muitas dessas empresas e indivíduos, residentes ou não naquela jurisdição, não tinham qualquer relação direta com o conflito. Embora esse episódio tenha ocorrido em um contexto específico, ele evidencia que, quando há margem para decisões amplas, existe o risco de que medidas semelhantes de bloqueio ou restrição se repitam em outros cenários.

O cenário atual exige do Brasil uma postura pragmática. Rubens Barbosa sugere a abertura de um canal de alto nível com a Casa Branca para tratar de questões comerciais e políticas de forma construtiva. A experiência de países como China e Índia, que mesmo sob tarifas elevadas continuam negociando com os EUA de forma estratégica, mostra que resultados positivos podem ser alcançados quando a ideologia cede espaço à diplomacia pragmática.

Medidas restritivas de aplicação discricionária representam ameaça concreta à segurança jurídica e à estabilidade econômica. O Brasil, como parceiro comercial relevante dos EUA e da China, assim como os brasileiros como investidores, devem se preparar para enfrentar esse desafio com inteligência e realismo. Isso significa fortalecer mecanismos internos de compliance, diversificar mercados e, sobretudo, adotar uma política externa orientada por interesses objetivos e pela defesa clara do Estado de Direito.

Pierre Moreau é advogado e sócio do Moreau Advogados.