A polarização extrema da política brasileira ainda não tira o sono de Gilberto Kassab, o influente presidente do PSD (Partido Social Democrático), articulador político do Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e seu Secretário de Governo e Relações Institucionais.

Na sua opinião, a polarização só se torna perigosa quando não há diálogo entre os polos do espectro político.

Lula tirou Jair Bolsonaro da Presidência com a menor margem de votos da história. Os dois continuam sendo os líderes mais amados do País e, também, os mais rejeitados.

KassabOs ataques de quase seis mil bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram o momento mais grave dos 38 anos de redemocratização. Simbolizam uma intolerância que não se via no País desde a ditadura militar. Neste ambiente, não há “pontes” entre os dois polos.

Mas Kassab – um negociador por excelência –  enxerga uma saída.

“À medida que Lula e governadores como Tarcísio dialoguem, a democracia se fortalece,” Kassab disse ao Brazil Journal. Para ele, a polarização não prejudicará o País, “desde que lideranças como Tarcísio e Lula não percam o protagonismo do processo.”

“Os dois têm perfil político moderado. Bolsonaro já percebeu que terá sempre o apoio de Tarcísio. E Lula, que tem mais experiência, já deixou claro que não quer entrar numa guerra,” explica.

Tarcísio já se reuniu com Lula em Brasília, e no início do mês dividiu um palanque com o presidente em Santos. Em Brasília, até os dois Candangos esculpidos por Bruno Giorgi na Praça dos Três Poderes sabem que quem construiu a ponte entre os dois foi Kassab.

É possível que Bolsonaro não esteja satisfeito com a influência de Kassab sobre Tarcísio. Na semana passada, o Estado de S.Paulo informou que o ex-presidente vetou o apoio do PL a candidatos do PSD nas eleições municipais deste ano.

“O Bolsonaro não é da política, e eu sou,” diz Kassab. Nesta entrevista, ele diz que não é bolsonarista, mas deixa claro que Tarcísio é leal ao ex-presidente e, em 2026, será candidato à reeleição com o seu apoio. Acrescenta também que caberá a Bolsonaro escolher o candidato presidencial da direita.

Indagado sobre o suposto plano de Bolsonaro de dar um golpe de Estado, segundo investigação da Polícia Federal, Kassab diz que, “se ele errou, vai pagar por seus erros.”

“Estou torcendo para que tudo seja esclarecido. Quero que ele tenha argumentos para esclarecer. Isso é muito melhor para que os brasileiros continuem acreditando na democracia.”

O PSD, fundado por Kassab em 2011, tem hoje o maior número de prefeitos do Brasil (968). No estado de São Paulo, 51% dos municípios é governada por seu partido. A legenda possui ainda a maior bancada no Senado (15) e, na Câmara, integra o segundo maior bloco em número de votos (143).

Abaixo, os principais trechos da conversa.

Como o senhor vê a polarização política aguda que o País vive neste momento?

A polarização não é um problema em si. O importante é que ela seja liderada por pessoas que entendam que o País não pode entrar numa guerra fratricida.

Já não estamos vivendo essa guerra?

Não! Quase estivemos. Em qualquer democracia há esse enfrentamento da esquerda contra a direita, com o centro moderando ou tentando moderar. Não temos nada diferente disso ainda. E tem o centro. No Brasil, temos hoje na esquerda e na centro-esquerda um líder, o Lula. Na direita e na centro-direita, outro líder, o Tarcísio, pela dimensão do cargo que é o de governador de São Paulo.

O líder da direita não é Bolsonaro?

Tarcísio não tem como se afastar do ex-presidente. Ele tem que ser leal, afinal foi Bolsonaro que o fez ministro e deu a ele a oportunidade de ser governador, apoiando-o na eleição. Mas o Tarcísio hoje, como governador de São Paulo, tem identidade e liderança próprias.

Porém, o ex-presidente sabe que contará com Tarcísio para o seu projeto nacional. Quanto à polarização, na minha opinião, a estabilidade entre os dois polos da política precisa se consolidar.

Por quê?

Porque à medida que for se consolidando, diminui a chance de aparecerem projetos aventureiros. Não se pode ter uma estrutura partidária como tínhamos há alguns anos, com 40 partidos. O Brasil está no rumo certo ao diminuir o número de siglas. Com isso, não haverá mais donos de partidos, mas, sim, líderes.

Mas, na tradição brasileira, os partidos têm dono…

A redução do número de agremiações partidárias já está acontecendo. Num país como o Brasil, com 156 milhões de eleitores e três ou quatro legendas, os partidos não terão donos. Isso é muito saudável. A centro-direita caminha para ser liderada por Tarcísio nos próximos vinte anos, se ele não errar. E o Lula, com idade mais avançada [78 anos], tem a missão de deixar como legado a organização da centro-esquerda. Este é o rumo do Brasil.

O senhor projeta a liderança de Tarcísio, mas políticos próximos de Bolsonaro questionam a lealdade do governador em relação ao ex-presidente.

Ninguém pode sonhar em afastar o Tarcísio do Bolsonaro. Assim como não é bom o Geraldo Alckmin se afastar do Lula.

Por quê?

Porque o Geraldo garante o centro para Lula.

O senhor não acha que Bolsonaro se sente ameaçado por Tarcísio, justamente por ele ser o governador de São Paulo?

Não, porque Tarcísio é uma pessoa muito correta. Ele jamais deixará de ser grato e leal a Bolsonaro. Isso está claro. O caminho de Tarcísio é ser candidato à reeleição em São Paulo e, com certeza, apoiado por Bolsonaro.

Quem governa o estado de São Paulo costuma logo entusiasmar-se com a possibilidade de, na sequência, eleger-se presidente. Os últimos três governadores do estado – José Serra, Alckmin e João Doria – trilharam esse caminho. Tarcísio não será candidato à presidência em 2026?

Está claro que o candidato de Bolsonaro à presidência terá o apoio de Tarcísio. Só falta alguém imaginar que ele vá apoiar o candidato do Lula… Como ele está cuidando de São Paulo, Bolsonaro, o PL e o PP estão cuidando do projeto nacional. Tarcísio será leal a esse projeto e é correto que o seja. Em São Paulo, ele tem um arco de alianças que o elegeu, hoje ampliado, e que sob seu comando vai trabalhar para reelegê-lo.

E quem deverá ser o candidato da centro-direita e da direita em 2026?

Bolsonaro terá um papel preponderante na escolha. Não se pode negar que ele tem hoje entre 20% e 30% do eleitorado e é bem provável que continue tendo esse apoio.

A polarização não prejudica o País?

Não, desde que lideranças como Tarcísio e Lula não percam o protagonismo do processo. Estamos falando dos líderes que ocupam os dois cargos de poder mais importantes no Brasil. Os dois têm perfil político moderado. Bolsonaro já percebeu que terá sempre o apoio de Tarcísio. E Lula, que tem mais experiência, já deixou claro que não quer entrar numa guerra. Agora, ele é adversário de Bolsonaro. O que puder fazer para derrotá-lo, ele o fará. Isso é da política.

Hoje não há diálogo entre os dois polos…

À medida que Lula, como presidente, e governadores como Tarcísio dialoguem, a democracia se fortalece.

Certamente o senhor incentiva esse diálogo, afinal foi quem levou o governador para conversar pela primeira vez com Lula. E defendeu isso dentro do governo paulista. Surgiram, inclusive, rumores de que Tarcísio poderia aliar-se ao petista.

Essa chance é zero! Fui um dos que ajudaram a construir essa ponte entre o governador e o presidente. Quando houve o episódio de 8 de janeiro e os governadores foram chamados, fui uma das vozes dentro do governo defendendo essa posição, de que Tarcísio fosse a Brasília. E depois, quando a ministra Rosa Weber [então presidente do STF] ligou, a reunião ganhou um caráter ainda mais institucional. Mais tarde, ele teve aquela audiência com Lula.

Na sua visão, Lula está preparando a esquerda para um futuro sem ele?

Acho que ele é candidato à reeleição em 2026, mas está construindo o seu legado. Está procurando trazer o Guilherme Boulos [pré-candidato à prefeitura de São Paulo], que era um líder desgarrado, para perto. Está sabendo dar projeção nacional ao Fernando Haddad [ministro da Fazenda], ao Rui Costa [ministro da Casa Civil], entre outros. São lideranças que terão no mínimo 20 anos pela frente na política. Lula também está criando pontes com o centro através de Geraldo Alckmin.

Qual é o seu papel e o do PSD neste momento em que predomina a falta de diálogo?

Não se consegue fazer uma ponte entre dois projetos ruins. A ponte será boa para o Brasil se Tarcísio for um bom governador para São Paulo e Lula um bom presidente para o Brasil. Acho que os dois estão indo bem, cada um com as suas circunstâncias, as suas dificuldades, ambos com falta de recursos. Isso é muito ruim, afinal é um País com muitas carências. A falta de recursos desgasta o governante. Apesar dessas dificuldades, as próprias pesquisas de opinião têm sido muito positivas em relação a Tarcísio e Lula.

O senhor diz que a consolidação dos campos da esquerda e da direita evitaria o florescimento de aventureiros. A eleição de Bolsonaro em 2018 não foi uma aventura?

Na verdade, Bolsonaro foi a alternativa que o brasileiro encontrou para tirar o PT do poder. Ele foi o único que combateu o governo do PT. Foi inteligente e competente ao enxergar que o Brasil não queria mais o PT. Ele começou a correr o Brasil com esse discurso e venceu as eleições. E perdeu uma grande oportunidade.

Qual?

O governo dele teve méritos e erros que, na minha avaliação, foram erros que ele mesmo cometeu. Dá para falar que Paulo Guedes foi um mau ministro? É claro que não. Durante a covid, ele deixou o Brasil de pé. As circunstâncias e os erros de Bolsonaro o levaram a ter um desgaste, e ele não teve apoio da política porque sempre negou a política.

O senhor foi ministro do governo Dilma, e hoje está no governo de São Paulo. Qual é a relação que o senhor tem com Lula?

É uma relação muito boa. O Lula sabe da minha correção e tem consciência de que o meu campo é na centro-direita e não na centro-esquerda. Mas temos e já tivemos alianças táticas importantes.

Quando e onde?

Na  montagem do PSD, fizemos uma aliança e apoiamos a Dilma para presidente, de cabeça erguida e sem nenhum fisiologismo. Hoje o PSD dá uma contribuição para a governabilidade. O Lula sabe que eu, apesar de presidente nacional do partido, em São Paulo estou com Tarcísio e não com o PT. Lula respeita isso.

Como o PSD atua no Congresso em relação ao governo Lula?

No Congresso, o PSD é liderado pelo senador Otto Alencar, que é aliado do PT na Bahia e vice-presidente nacional do partido, e pelo deputado Antônio Brito, também aliado do PT baiano e vice-presidente nacional da legenda. Os dois lideram e coordenam as bancadas para dar governabilidade. Lula sabe que a minha prioridade é trabalhar pela governabilidade, o equilíbrio e o fortalecimento da democracia.

O senhor construiu o PSD num estado onde o PFL e, depois, seu sucedâneo, o DEM, nunca foram fortes. Como foi isso?

O PSDB era tão forte em São Paulo que  estrategicamente preferimos construir o partido em outros estados. Na hora em que o PSDB tropeçou em São Paulo, naturalmente, dentro da base do Tarcísio, o partido que tinha mais afinidade com as lideranças do PSDB era o PSD. Modéstia à parte, como líder no estado e há quase 40 anos convivendo com essas lideranças político-partidárias paulistas, eu e o PSD tivemos mais facilidade em atrair esses líderes, que se sentiram mais confortáveis em deixar o PSDB e vir para o PSD.

Os outros partidos ou não tinham cacoete político – como as bases bolsonaristas que vieram de movimentos distintos da política e ainda estão aprendendo a construir a política partidária – ou são ligados às igrejas. O crescimento do PSD foi natural e dentro da base de Tarcísio. Ninguém questiona a lealdade do PSD e a minha ao Tarcísio. Isso é público e foi dito, inclusive, ao Lula. Nós entendemos que Tarcísio é um bom caminho para o Brasil no futuro, mas não em 2026.

Como o senhor define, então, o PSD?

O PSD está se consolidando como um partido de centro, com uma relação de respeito com a esquerda e em parceria com a direita. Ideologicamente, o partido está no campo da centro-direita. O PSD, porém, tem inteligência para compreender que em alguns estados há lideranças que são de centro, mas que, ao longo de sua história, construíram parcerias com a esquerda.

Onde?

Na Bahia, por exemplo. Otto Alencar não é de esquerda. Antônio Brito também não é. Os dois têm uma relação sólida com o PT da Bahia. Pergunto a você: eu deveria expulsar o Otto do partido? Imagina! É o contrário. Tenho que respeitar isso. Ele é vice-presidente, o número 2 do partido desde a sua fundação. Otto, além de tudo, não é fisiológico. Ele foi contra a participação do PSD no governo Bolsonaro. Acho até que o Bolsonaro não teve a habilidade de conquistá-lo ou tê-lo mais próximo. Não pode haver essa aversão: “Ah, o cara é de esquerda, eu não quero saber”.

É o que está acontecendo no Brasil hoje e vice-versa?

É, mas é preciso trabalhar para reverter isso, o que venho fazendo. Não sou de esquerda, mas entendo ser importante cultivar relações com o PT e outros partidos de esquerda. No caso específico do atual governo, Lula ganhou a eleição. Eu não vou trabalhar para ele dar errado. Aqui em São Paulo, o outro lado da moeda prevalece. Somos governo e procuramos conviver com os partidos e parlamentares da oposição.

Entre o governador e a oposição feita pelo PT?

O PT é nosso adversário, mas existe diálogo. Petistas são recebidos aqui no Palácio pelo governador. São deputados eleitos, embora sejam nossos adversários. O MST, por exemplo. Temos profunda discordância com ações que o MST promove. O governador já deixou isso claro. Agora, não é por isso que deixaremos de autorizar o uso do Parque Estadual da Água Branca [localizado no bairro da Barra Funda, na capital paulista], onde eles montaram a sua feira de produtos agrícolas, como foi feito no ano passado. O governador Tarcísio já deixou claro, por outro lado, que irá agir com muito rigor contra invasões de terras. São Paulo dá um exemplo de diálogo e a gente quer levar esse modelo para o Brasil. Felizmente, o presidente Lula também pensa assim.

O senhor se considera um bolsonarista?

Não, não sou! Eu sou da política, mas é importante deixar claro o seguinte: eu não sou contra Bolsonaro. Não posso ser contra ele porque o meu líder, que é o governador de São Paulo, é aliado dele. Aqui em São Paulo, ajudei a eleger Tarcísio, que, por sua vez, ajudou Bolsonaro. A campanha de Tarcísio foi feita dentro da sede do PSD, que levou o nome de Bolsonaro. As reuniões políticas realizadas na minha casa foram inúmeras e em todas elas o Tarcísio fez campanha por Bolsonaro.

Qual é a divergência entre o senhor e o ex-presidente?

A divergência é que Bolsonaro não é da política e eu sou.

Diante das gravações que mostram Bolsonaro supostamente articulando um golpe de Estado antes de deixar a Presidência, o senhor não acha que ele representa uma ameaça à democracia?

Se ele errou, vai pagar por seus erros. Não estou entre os que torcem para que ele se dê mal. Estou torcendo para que tudo seja esclarecido. Quero que ele tenha argumentos para esclarecer o que aconteceu. Isso é muito melhor para que os brasileiros continuem acreditando na democracia. Tem que dar a Bolsonaro todo o direito ao esclarecimento, isso é importante para o País e eu torço para que o faça, porque ele tem um papel relevante ao liderar a direita no Brasil.