Muitos empresários já ouviram as três palavras mais temidas da língua portuguesa, quando pronunciadas por (qualquer) fiscal do Poder Público: ‘no meu entendimento…’  

Agora, um projeto de lei em tramitação na Câmara quer reduzir esse temor, regulando a relação do Fisco com o pagador de impostos – melhorando a estabilidade tributária do País, mitigando os abusos e fechando um gap regulatório do Brasil em relação a países desenvolvidos. 

O PLP 17/2022, de autoria do deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil-ES), é inspirado no Taxpayer Bill of Rights, o código criado nos EUA em 1988.

10520 5a42dc02 126f 0000 0004 f8c2ca8823cf“A relação do Fisco com o pagador de impostos precisa ser harmônica e estável,” Rigoni disse ao Brazil Journal. “Hoje, não existe regra para nada, o que cria uma série de abusos e falta de prazos para o contribuinte.”

Rigoni lembra de um caso que aconteceu em Linhares, sua cidade natal. 

Ele estava na academia uma manhã quando um funcionário da Receita chegou acompanhado de um policial e algemou um empresário que estava malhando. 

“Ele saiu de lá algemado com todo mundo olhando,” disse Rigoni. “No final, ele foi absolvido de tudo já na instância administrativa. Mas a reputação dele morreu ali. Ele teve que fechar a empresa e ir embora da cidade.”

O PL tem 37 artigos, mas a essência está em nove deles, disse Rigoni.

O primeiro é o que ele chama do ‘Marco Legal das Taxas.’

“Taxa não é imposto; ela deve servir apenas para custear serviços de fiscalização que o Estado tem que fazer. Só que no Brasil tem-se criado um monte de taxas para custear despesas,” disse ele. 

O PL acaba com isso, instituindo que qualquer taxa nova tem que ter uma justificativa específica e precisa ser proporcional ao custo do serviço que vai financiar. 

O segundo artigo estabelece uma série de direitos do pagador de impostos, incluindo a presunção de boa fé na relação com o Fisco, além de criar um processo que deve ser seguido nas autuações. 

“Primeiro, tem a notificação, depois a autuação, aí vai ter que ter um tempo para a defesa prévia e para a análise dessa defesa. Só depois que for julgado pode de fato cobrar a multa,” disse ele.

O terceiro artigo impede a suspensão de um CNPJ por decisão de apenas um fiscal – passando a exigir uma decisão colegiada. Já o quarto estabelece uma regra óbvia, mas que não acontece hoje em dia: a proporcionalidade nas cobranças de multas.

Em outras palavras, se o acionista de uma empresa tiver 15% do capital, ele será responsável apenas por 15% da multa, não tendo que arcar por mais do que isso na física. 

O PL 17/2022 corrige ainda distorções como a responsabilidade solidária (quando uma empresa de um mesmo grupo econômico automaticamente é responsabilizada por multas de outras empresas do grupo).

Outra bizarrice que acaba: a assimetria no reajuste de débitos com a Receita e dos créditos que o contribuinte tem a receber.

“Se você tem um débito, ele é corrigido pela Selic; se você tem um crédito a receber, ele é corrigido pela poupança,” disse o deputado. “Seria engraçado se não fosse trágico.”

***

A expectativa de Rigoni é que o projeto de lei seja votado ainda neste semestre legislativo, que vai até 17 de julho. A Câmara já aprovou urgência na tramitação; o relator é o deputado Pedro Paulo, do PSD do Rio de Janeiro. 

O PL não regula apenas a Receita, e sim toda a atividade de fiscalização tributária nos três níveis: federal, estadual e municipal.

Naturalmente, o PL tem atraído a ira dos fiscais da Receita. O argumento: o projeto prejudicaria a fiscalização. O Fenafisco, a federação que representa os fiscais, chegou a apelidar o projeto de ‘Código do Sonegador’.

“Não é nada disso!” responde Rigoni. “O que estamos fazendo é acabar com os absurdos e dar ao contribuinte o devido processo. Estamos tornando racional o processo de autuação.”

Segundo ele, seis estados brasileiros já criaram seus códigos de defesa do pagador de impostos – mas todos são em boa parte simbólicos, sem poder efetivo algum. 

Em outros países, no entanto, esse tipo de lei já existe há décadas. Além dos EUA, praticamente todos os países da OCDE têm um código de defesa do pagador de impostos. 

“Isso cria uma estabilidade tributária para o País. O empresário, principalmente o pequeno, não vai ter que ficar o tempo todo com medo da fiscalização chegar e fechar a loja dele porque ele está devendo R$ 1.000 de imposto.”

O projeto, no entanto, não ataca um outro incentivo perverso na fiscalização tributária: desde 2019, os fiscais da Receita recebem bônus baseado nas autuações.