Uma startup brasileira acaba de fechar uma rodada turbinada de seed capital para explorar um nicho ainda pouco desenvolvido na mobilidade urbana: fornecer os carros para os motoristas de aplicativos como Uber e 99, bem como fazer toda a gestão dessa frota. 

A Monashees está liderando um aporte de US$ 10,5 milhões na Kovi, fundada em agosto do ano passado por dois ex-executivos da 99.

A rodada contou ainda com a participação da ONEVC, a gestora brasileira baseada em São Francisco que fez fama como um dos primeiros investidores do Rappi; da Maya Capital, o fundo de VC de Lara Lemann; e Kevin Efrusy, o sócio da gigante americana Accel, responsável pelo sourcing do Facebook e que já investiu no Brasil no Quinto Andar, na Gympass e na Neoway. 

É uma das maiores rodadas de seed para uma startup brasileira. Recentemente, a Yellow, de bikes e patinetes, captou US$ 9 milhões. 

Ao contrário das empresas tradicionais de aluguel de carros, a Kovi tem um modelo ‘asset light’. 

Companhias como Localiza, Unidas e Movida compram os carros em escala (com descontos gordos das montadoras), monetizam os ativos por 12-18 meses na forma de aluguel e os revendem como seminovos ao fim do período. Grande parte da rentabilidade vem exatamente da capacidade de gerar valor na revenda. 

A Kovi, por sua vez, subloca os veículos das próprias montadoras, de pequenas locadoras e de empresas de leasing

As montadoras alugam os carros à Kovi a preços atrativos e os revendem em suas próprias concessionárias ou na forma de leilões depois de um ano e meio. A companhia já aluga carros da FleetSolution, o braço de gestão de frotas da Volkswagen.

Para as empresas de leasing e pequenas montadoras, é uma forma de dar volume e monetizar ativos que estão parados, além de uma opção para crescer e aproveitar a demanda latente sem incorrer no risco individual de cada motorista.

“Estamos no começo de uma revolução da mobilidade urbana, como a que aconteceu com o ecommerce 10 anos atrás,” diz o CEO e co-founder Adhemar Milani Neto. “As montadoras já estão percebendo que o carro vai ser visto mais como um serviço que um ativo e estão começando a se adaptar a essa realidade.”

A tese da companhia é que a economia do compartilhamento vai ensejar o surgimento de dois novos players na cadeia de valor da mobilidade: o gestor e o financiador de frotas. 

Enquanto a Kovi quer fazer a gestão — com preços competitivos e serviços customizados para os trabalhadores de aplicativos — o financiamento deve ficar cada vez mais a cargo das montadoras e das empresas de leasing, diz Adhemar. “Elas têm o menor custo de captação, acesso barato a crédito e vão fomentar seu próprio mercado.” 

Um ex-consultor da Bain, Adhemar foi trabalhar na 99 em 2017, quando a Didi fez um aporte milionário na companhia. Ele chegou a gerente-geral da unidade de táxis da startup e deixou o cargo em agosto para fundar a Kovi. O co-fundador João Costa, que era diretor de produto da 99 e já atuou em empresas de ecommerce como Chaordic e Beleza na Web, é o CTO da empresa. 

A ideia da Kovi — ao menos num primeiro momento — não é brigar com as locadoras tradicionais, mas ampliar o mercado endereçável de motoristas de aplicativos.

Apenas 20% da população brasileira tem carro, e hoje, entre 20% e 30% da frota de 1 milhão de carros que atende aplicativos como Uber, Cabify e 99 já é alugada das locadoras tradicionais, cuja frota soma cerca de 750 mil veículos. Adhemar acredita que a quantidade de motoristas deve mais que dobrar nos próximos cinco anos — e que a participação de carros alugados pode chegar a mais de 60% nos grandes centros.

O diferencial da Kovi não vem do preço: a startup cobra praticamente o mesmo que as locadoras tradicionais. (O plano para rodar 5 mil quilômetros mensais custa R$ 369 por semana e de 8 mil km/mês sai por R$ 529 semanais).

O foco está na experiência do motorista e na gestão dos ativos. 

“Apesar de também atuarem com frotas, as empresas de rent a car no Brasil estão acostumadas com o cliente que pega o carro para uma viagem curta, não com um carro rodando o tempo inteiro, sete dias por semana,” diz o CEO. “A gestão e a depreciação desse ativo são completamente diferentes e nós estamos inteiramente focados nisso.” 

A Kovi tem um sistema proprietário que lhe permite acessar o risco de crédito dos motoristas, com base nos comportamentos de corrida — e dá assessoria em caso de acidentes ou roubos. 

Seu sistema de segurança também é reforçado: a companhia tem um índice elevado de recuperação de carros roubados. 

Nos Estados Unidos, uma outra startup, a Fair.com, investida do Softbank, atua no segmento voltado para motoristas de app, mas com um modelo diferente: ela compra os carros para alugar e no ano passado assumiu o negócio de aluguel ‘subprime’ do Uber.

Antes da venda, a Uber teve prejuízos monumentais com essa unidade, já que os motoristas que alugavam os carros tinham um score de crédito baixíssimo e detonavam os carros em jornadas longas de trabalho para conseguir pagar o valor das diárias.

“Nos Estados Unidos, a penetração de carros é de 90%, então quem alugava para o subprime cobrava muito caro”, defende Adhemar. “Aqui, essa penetração ainda é muito incipiente e o preço do aluguel é acessível.”

Atualmente, a Kovi aluga um total de 600 carros das montadoras e de outros e, com o aporte, quer chegar a 5 mil.

A companhia vê espaço para ser global — e pretende chegar, num futuro próximo, à Cidade do México, a segunda maior em termos de corridas de Uber depois de São Paulo.

Seu plano de dominação não deve parar nos carros. A Kovi quer ser uma gestora de ativos para todo ‘geek worker’: das motos do iFood e Rappi aos caminhões da Cargo X.