RIO DE JANEIRO – Manuel Belmar, o novo todo-poderoso da Globo, subiu ao palco montado em um dos estúdios da emissora, na manhã da última quinta-feira, para discursar a 500 produtores de audiovisual na plateia.
“É uma bobagem achar que o streaming vai acabar com a TV aberta,” disse Belmar, mais ou menos nestas palavras, a dada altura.
Pode até soar como uma bobagem num discurso roteirizado, mas dada a ameaça existencial representada por gigantes como a Netflix e a Amazon Prime, a Globo sabe que precisa reagir – e está se mexendo.
Pela primeira vez em sua história, a maior empresa de mídia do País realizou um festival para seduzir e engajar os produtores de conteúdo audiovisual. O objetivo: incentivá-los a levar suas ideias primeiro à emissora.
“Tem muita gente fazendo eventos, se arvorando como os donos do lugar e do conteúdo, e a gente é muito low profile e nunca tinha feito nada, mas a Globo é uma powerhouse do conteúdo brasileiro,” Belmar disse ao Brazil Journal no fim do evento.
Com o sugestivo nome de Festival Acontece, os globais passaram o dia dizendo que o que vai acontecer já está acontecendo. Os executivos discutiram inteligência artificial, roteiros de novela, documentários, e apresentaram dados sobre os gostos e hábitos dos brasileiros.
Nos últimos anos, o corte de artistas com altos salários gerou a impressão de que a Globo estava se retraindo na produção de conteúdo.
Mas segundo o CEO Paulo Marinho, a Globo está investindo mais em produção. O diretor dos Estúdios Globo, Amauri Soares, complementa: “Todos os dias circulam 6 mil pessoas pelos estúdios e metade delas são produtores independentes. Em 2023, produzimos 33 mil horas de conteúdo e 35% são independentes.”
A emissora espalhou talentos da casa pelo palco e pela plateia – de Boninho a William Bonner, de João Emmanuel Carneiro a Walcyr Carrasco, de Julia Duailibi a Maria Beltrão.
Havia um cuidado claro em fazer com que os participantes do evento tivessem acesso aos globais; uma das apresentadoras chegou a dizer que todos podiam abordar qualquer famoso sem medo.
Como numa boa novela, a parte da emoção ficou para o final – no último painel, mediado por Marcos Mion. A ideia era contar aos produtores como a Globo é a parceira dos sonhos.
No palco, José Junior, fundador do AfroReggae, lembrou o dia em que Belmar autorizou o pagamento antecipado de um contrato que salvou o projeto da bancarrota.
Na plateia, sentado na primeira fileira, o novo todo-poderoso baixou a cabeça e enxugou uma lágrima.
Sentado atrás dele, Bonner me disse ao pé do ouvido: “Ele se emocionou.” E emendou contando quem é Belmar: “Ele não é brasileiro, é português. Mas veio logo cedo para o Brasil, por isso não tem sotaque algum.”
Horas antes, pouco antes de seu discurso de abertura, o executivo foi apresentado como o head de conteúdos digitais. Mas ele é bem mais do que isso.
Belmar manda no financeiro, no jurídico, na infraestrutura, no ESG, nos produtos digitais e no Globoplay. Há quem brinque que ele só não é o CEO porque o cargo é ocupado pela família.
No seu discurso da manhã, Belmar disse que era bobagem achar que o streaming veio para acabar com a TV aberta ou a TV paga, mas logo na sequência exaltou as 3 bilhões de horas consumidas no Globoplay.
E fez questão de enfatizar dois dados para a plateia do audiovisual: 75% do conteúdo exibido pelo Globoplay é nacional, e no primeiro trimestre, as horas consumidas cresceram 50% sobre o ano passado.
No fim das contas, a Globo tem toda razão. O que vai acontecer já está acontecendo, e os dados mostram isso. Mas não era exatamente o que a Globo queria que estivesse acontecendo.
Os gigantes mundiais dominam o mercado dos vídeos online que são veiculados na TV do brasileiro (excluindo outras telas, como o celular e o desktop).
Segundo o Kantar Ibope, o Youtube lidera disparado com 16,1% da audiência, seguido da Netflix com 4,3% e do TikTok com 3,9%. O Globoplay ocupa um distante quarto lugar com 0,9% de audiência.
O streaming já responde por 26% do consumo de tela dos televisores no Brasil.
A Globo, claro, direciona seu discurso para onde ainda é líder absoluta: a TV linear (aberta e paga) que responde por 74% do consumo dos televisores. Mas mesmo nesta frente, outros gigantes mundiais incomodam de outra forma.
Nos últimos cinco anos, dados do Cenp Meios mostram que a migração da verba publicitária da TV para a internet está acelerando.
Em 2023, a publicidade na internet já foi quase do mesmo tamanho que as verbas destinadas à TV aberta: 38,2% contra 39,6%. Para se ter uma ideia, em 2018 a TV aberta tinha 58,3% de share, e a internet, 17,7%.
Além disso, o volume de dinheiro diminuiu: cinco anos atrás a TV aberta faturou R$ 9,6 bilhões com publicidade; no ano passado foram R$ 9,2 bilhões, segundo o Cenp Meios.
O presidente do Cenp, Luiz Lara, relativizou estes números, dizendo que os gastos publicitários em TVs regionais – que não são medidos pelo Cenp – poderiam mostrar um share maior na TV aberta.
De qualquer forma, fica evidente que pressão é o que não falta sobre Belmar.
No fim do evento, ele se mostrou animado. O CFO disse ao Brazil Journal que o Globoplay vai chegar ao breakeven no ano que vem e que o grupo está gerando resultados. A Globo lucrou R$ 839 milhões em 2023, contra R$ 1,25 bilhões no ano anterior (um número impactado positivamente pela venda da Som Livre).
Seus olhos ficaram marejados mais uma vez, e Belmar se emociona ao contar do tempo em que chegou ao Brasil, aos dez anos de idade, e como perdeu seu pai logo cedo.
No instante seguinte, volta aos negócios. “Somos o único streaming brasileiro em condições de competir com gigantes internacionais,” disse.
“A gente é um magnífico e decente segundo lugar hoje atrás da Netflix [ele não considera Youtube e TikTok], mas na frente de todos os demais – que a gente já conhece de longa data. A TV paga foi criada no início dos anos 90 e desde então estamos competindo com a Disney, competindo com a Fox, competindo com a Paramount e competindo com a Warner. A gente sabe competir com eles e a gente vai competir.”