A decisão de Murilo Ferreira de se afastar temporariamente do conselho de administração da Petrobras mostra que o conselho bateu no teto da autonomia prometida pelo Governo, o que pode abrir uma nova frente na crise política.
O afastamento de Ferreira vem depois de meses de esgarçamento nas relações do conselho — o mais independente em muitas décadas — com a diretoria nomeada pela Presidente Dilma Rousseff e encabeçada por Aldemir Bendine e Ivan Monteiro, ambos funcionários de carreira do Banco do Brasil e homens de confiança do Planalto.
Nos últimos meses, apesar de um ambiente em geral cordato e cooperativo, vários pontos de atrito entre os conselheiros — liderados por Ferreira — e a dupla Bendine-Monteiro deixam claro que o Governo, mesmo sob pressão máxima dos mercados (e do próprio balanço da Petrobras) para mudanças radicais, prefere adotar meias medidas, colocando em risco o que resta de confiança na capacidade da empresa de se recuperar.
Os próximos lances podem ser ainda mais dramáticos: conselheiros independentes podem seguir o caminho de Ferreira, particularmente se o Governo decidir instalar Luciano Coutinho, o presidente do BNDES e hoje conselheiro da Petrobras, na cadeira de Ferreira. Para os mercados, isto seria a pá de cal no valor da empresa.
Por volta de meio-dia, horas depois de meu colega Lauro Jardim ter noticiado em primeira mão o afastamento de Ferreira , os bônus da Petrobras com vencimento em 2024 caíram de 80 centavos para 77,5 centavos, aumentando o custo de financiamento da empresa. (Desde sexta-feira, a chamada ‘curva de juros’ da Petrobras se inverteu: os investidores já cobram mais caro para emprestar à empresa no curto prazo do que no longo. Isso mostra que o risco de iliquidez da empresa no curto prazo aumentou. O título da Petrobras com vencimento em 2024 rende hoje 10,05%; o vencimento em 2043, 9,2%.)
Talvez o maior ponto de fricção nos últimos meses tenha sido a insistência de setores do conselho em rever a política de preços da empresa.
Entre maio e agosto deste ano, o preço da gasolina praticado pela Petrobras ficou 9% abaixo do preço do mercado internacional, enquanto o diesel ficou 13% acima. Em resumo, a Petrobras está cobrando barato pela gasolina e caro pelo diesel. Curiosamente, esta situação prejudica a maior parte do eleitorado. O diesel encarece o custo de serviços em toda a economia: os fretes e o transporte público ficam mais caros (num momento de recessão aguda), enquanto a tão-amaldiçoada ‘elite branca’ (que não pega ônibus) desfruta de gasolina subsidiada.
Mas ao contrário do que pode parecer, os preços dos derivados não estão nestes níveis por alguma decisão da Petrobras, e sim por força do preço internacional do petróleo e do câmbio no Brasil.
Neste momento, o que partes do conselho querem é aumentar o preço da gasolina na bomba. “Esses conselheiros querem cobrar de volta da sociedade as perdas que a Petrobras teve em virtude do congelamento artificial de preços nos últimos anos,” diz uma fonte com interlocução com alguns conselheiros.
Trocando em miúdos: no setor elétrico, o populismo tarifário já foi corrigido com um tarifaço, mas na Petrobras, isso ainda não ocorreu. O conselho continua sem autonomia para executar uma política de preços que fortaleça a empresa, em vez de deixar os preços ao sabor do mercado internacional.
No capítulo ‘preços de derivados’, o conselho conseguiu uma pequena grande vitória há duas semanas, quando a Petrobras aumentou em 15% o preço do gás de cozinha — como se sabe, o botijão de 13 quilos é o símbolo máximo de onde a Petrobras e as ‘políticas sociais’ se beijam. O reajuste foi o primeiro aumento do gás de cozinha desde 2003. (Congelado há 12 anos, o preço do gás estava tão fora da realidade que já tinha gente usando o botijão para esquentar a água da piscina.) De acordo com uma pessoa com trânsito na Petrobras, a Presidente Dilma reagiu mal e reclamou.
Outro cavalo de batalha é o programa de desinvestimento da empresa, por meio do qual a Petrobras espera levantar 57 bilhões de dólares até 2019 (sendo 15 bilhões entre este ano e o próximo). Muitos conselheiros discordam da forma tímida como a empresa está tocando os desinvestimentos. As discordâncias entre o time Bendine e partes do conselho começam com a baixa transparência dada aos ativos que serão vendidos e incluem diferenças a respeito da formatação do processo de venda. Além disso, investidores interessados em comprar ativos da Petrobras reclamam que a empresa demora em responder a seus pedidos de informação e, quando finalmente o faz, os dados não são detalhados — um sinal claro de que o corporativismo na estatal permanece robusto, apesar de sua situação crítica.
Nas útimas semanas, Bendine mudou toda a diretoria para um prédio que a Petrobras tem na Rua do Senado, a poucos quarteirões de sua sede na Avenida Chile. Internamente, conselheiros questionaram a mudança como uma distração desnecessária e uma falta de foco num momento em que a Petrobras precisa de medidas drásticas. Nas palavras de uma fonte da empresa, “o paciente tinha morrido na UTI e ressuscitou, mas ainda exige todos os cuidados” — os possíveis e os impensáveis.