Enquanto o País tenta separar o filé do osso na Operação Carne Fraca, um empresário quer erguer um império sob a convicção de que o produto nacional pode ser tão ou mais suculento que os steaks argentinos.

Com bois escolhidos a dedo e uma boa dose de marketing, Rogério Betti quer transformar sua marca, a deBetti, num ícone do mercado de carnes ‘premium’ brasileiro e internacional – uma ‘Nespresso da carne’, em suas próprias palavras.

A inspiração no conceito da Nestlé fica clara para quem chega no açougue-boutique fincado numa viela sem saída próxima à Marginal Pinheiros, em São Paulo.

A pequena loja de portas de vidro e decoração moderna em nada lembra os açougues tradicionais. Uma vitrine com iluminação cuidadosa destaca pedaços de carne tal qual uma joalheria ilumina seus diamantes: trata-se do ‘dry aged’, carnes maturadas a seco por até 120 dias e que são a especialidade de Betti, o açougueiro pop star de um negócio sangrento. (Enquanto conversava com a repórter, Betti foi chamado por dois clientes para tirar fotos juntos.)

Funcionários de boina, gravata borboleta e avental listrado dão consultoria sobre temas como o melhor corte e a preparação da carne. No último sábado, os clientes pareciam não se importar com a operação da PF que torrou a reputação do setor e saíam de sacolas cheias, abastecidas com filés cujo quilo pode chegar a R$ 250.

A loja foi inaugurada há sete meses e, desde então, o faturamento triplicou – mas Betti não revela os números. Ele quer abrir novos pontos no país no esquema de sociedade, a exemplo do que faz a rede de restaurantes Outback, com operadores-sócios responsáveis por cada unidade.

Os planos incluem ainda turbinar o e-commerce, que já entrega cortes selecionados para clientes da Grande São Paulo, e lançar a marca  “Churrascada”, com um degrau de qualidade abaixo e mais escala para supermercados – a versão ‘Dolce Gusto’ da sua Nespresso.

“O Brasil investiu muito em tecnologia e genética e, já há uns dez anos, temos um nicho de produtores que criam gado capaz de competir em pé de igualdade com as melhores carnes do mundo”, afirma.

As 200 cabeças de gado que abate todo mês são selecionadas ainda nas fazendas de produtores nacionais – e incluem o Angus, originalmente britânico, e o Wagyu, que dá origem ao suculento Kobe Beef. Ele ainda vende alguns cortes argentinos por conta da fama da carne dos vizinhos, para que os consumidores “possam comparar” as duas e concluir que o produto nacional não deve nada aos hermanos.

Na quarta geração de açougueiros da família, Betti — hoje com 38 anos — cresceu em meio às carcaças, mas não chegou a administrar as Carnes Flórida, rede de 40 açougues que seu bisavô fundou em 1920 e fechou as portas na década de 90, quando Betti tinha acabado de entrar na faculdade.

Sem o negócio familiar, partiu para o mercado financeiro. Passou pela mesa de câmbio do Safra, abriu uma gestora e já investiu no ramo de reflorestamento, mas manteve a paixão pela grelha como hobby.

Por gosto, começou a pesquisar a fundo sobre o ‘dry aged’, o que incluiu visitas a Peter Luger, a celebridade dos steaks de Nova York. Com o tempo, “vinha gente na porta do meu escritório com dinheiro vivo atrás de carne; parecia tráfico”, brinca.

Percebendo o potencial do negócio, em 2015 Betti trocou definitivamente o terno e gravata pelo avental e facão. Desde então, promove um evento periódico para amantes da carne, a ‘Churrascada’, que já trouxe chefs famosos como o londrino Steve West e o texano John Tesar para o Brasil. Foi jurado do BBQ Brasil, um reality show de competição de churrasqueiros veiculado no SBT.

Com seu nome como grife, partiu para o varejo. O investimento na loja e no e-commerce foi feito do próprio bolso e em sociedade com o advogado Rodolfo Ergas, que já foi seu parceiro em outros empreendimentos. Betti afirma que já foi sondado por fundos e pessoas físicas querendo investir no negócio, mas primeiro está azeitando a operação.

“Queremos dominar o mundo, mas com um passo de cada vez”, afirma. Ele quer ampliar a cadeia de fornecedores para ganhar musculatura e atender restaurantes de forma regular. O deBetti já chegou a vender de forma pontual para o Parigi, o Ilha das Flores e o Eataly – onde uma tonelada de dry aged, prevista para durar um mês, acabou num fim de semana.

Para o açougueiro que só vende carne de primeira, a Carne Fraca foi uma operação de segunda. “Eles acharam uma barata no pastel e falaram: ‘pessoal, tomem cuidado que todo pastel tem barata dentro’. Não é verdade. Na média, a carne brasileira é ruim no sentido de que foca no volume e não rende o melhor churrasco, mas na questão sanitária é fantástica”, afirma.

“Para o meu negócio pode ser até positivo, mas preferia que não tivesse acontecido. A indústria vai demorar muito tempo para se recuperar”, diz, complementando com a medida do estrago: na semana passada, a JBS estava vendendo o quilo do coxão mole a R$ 7,50, metade do preço em condições normais.

“O problema não é a carne, é a corrupção,” diz Betti. “Onde for mexer no Brasil, você vai encontrar. Eles fazem a legislação de maneira que você fica na mão do fiscal. É ele quem achaca, que vai determinar se você vai ser preso, ou se vai te levar para a TV Globo. Para mim, esse foi um desastre plantado.”