Nos últimos dez anos, tem sido melhor ter o governo como sócio numa empresa listada do que ser acionista de uma corporation

A conclusão é da gestora AlphaKey em uma carta a seus investidores, na qual a gestora analisa dados das maiores contribuições positivas e negativas para o IBX100 no período.

Das 20 maiores contribuições negativas, 15 são empresas que operam no modelo de corporation — ou seja, sem um controlador claro e com o capital difuso.

Já das 20 maiores contribuições positivas, 15 são empresas com controlador (seja o Estado, uma multinacional ou uma família). 

Mas por que o modelo de corporation não tem funcionado no Brasil?

Para a AlphaKey, parte do problema está no fato de que os brasileiros são diferentes dos americanos. “O Brasil importou de maneira irrestrita o conceito de corporation, com poucas adaptações culturais e idiossincráticas,” escreveu a gestora.

“O modelo de corporation atual foi feito por e para norte-americanos. Nele, o confronto, a impessoalidade, o “ritualismo”, o feedback negativo, o rigor do prazo, a comunicação sem rodeios são traços rotineiros, embora cruciais para a constituição de um ambiente em que múltiplas partes cheguem num consenso de maneira rápida e eficiente.” 

Segundo a gestora, as empresas brasileiras sem dono definido “talvez demandem readaptações nesse processo de tropicalização.”

A AlphaKey recorre a dois livros bem distintos para falar das características dos brasileiros: O Homem Cordial, de Sérgio Buarque de Holanda, e No Rules, Rules, de Reed Hastings, o fundador do Netflix. 

Em seu livro, Hastings descreve em dado momento as diferenças culturais dos vários países em que a Netflix atua, classificando o brasileiro como alguém que valoriza uma agenda flexível, a confiança baseada em relacionamentos e que tem certa tendência a evitar conflitos.

“Isso não é novidade. Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda já trazia aspectos semelhantes das características do brasileiro em O Homem Cordial,” diz a carta.

“Diferenças culturais sempre existirão, e não cabe a nós qualquer tipo de julgamento qualitativo, mas sim uma observação da realidade.”

Na carta, a AlphaKey ilustra os problemas das corporations brasileiras falando da remuneração da diretoria dessas empresas, que em geral escancara um desalinhamento entre executivos e acionistas. 

“O empreendedor em série Brad Jacobs afirma que em suas empresas os executivos só podem ser recompensados ao mesmo tempo em que geram valor para os acionistas. Ele instituiu uma política em que as ações dos diretores serão vested (terão validade) caso a performance tenha sido acima dos índices de referência ou de uma cesta de empresas comparáveis,” diz a carta. 

Ela cita os casos de Casas Bahia, Qualicorp, CVC e Cogna como exemplos onde houve uma desconexão entre acionistas, executivos e conselho por conta de remuneração dos diretores — que era majoritariamente em cash, e não em ações.

“Que tipo de alinhamento é esse onde diretores são remunerados de maneira inversamente proporcional ao acionista? Quais mecanismos os minoritários precisam instituir para mudar o curso de maneira mais rápida e eficiente?,” questiona a gestora. “Por vezes executivos e conselheiros parecem tratar companhias de controle difuso como empresas sem dono algum.”

A AlphaKey também cita o exemplo da aquisição da Linx pela Stone em 2021. 

“De maneira resumida, os conselheiros independentes (e cordiais) aceitaram que os fundadores recebessem um pacote de não-competição extremamente vantajoso, que em nossa opinião se tratava de um prêmio de controle disfarçado (algo vedado pelas normas do Novo Mercado), além de concordarem com uma trava que impossibilitava qualquer proposta concorrente,” diz a gestora. 

Segundo ela, os fundadores tinham 15% da companhia e correram para tentar convencer o restante de que o melhor seria aceitar a proposta da Stone. 

“Conseguimos juntar cerca de 20% da base acionária para questionarmos as práticas do conselho perante a CVM. No entanto, no último dia, o homem cordial falou mais alto e com receios de possíveis retaliações dos fundadores e investidores da Stone, praticamente todo o grupo dos 20% desistiu de assinar publicamente, e a carta foi enviada com uma adesão inferior a 5%.”

A AlphaKey nota ainda que o mesmo conselheiro que votou a favor do prêmio de controle disfarçado no caso da Linx [João Cox] também votou a favor do retorno de Nelson Kaufman ao cargo de CEO da Vivara no mês passado. 

“O fundador voltou atrás e nomeou o CFO como CEO, mas o estrago de governança já estava feito e a ação segue amargando 32% de queda desde janeiro.”

 

UPDATE:  Depois da publicação desta matéria, João Cox enviou ao Brazil Journal uma mensagem sobre os episódios na Linx e Vivara.

Sobre a Linx, Cox diz que “o Comitê composto por conselheiros independentes revisou o contrato por três vezes, atendendo às críticas do mercado: 1) desvinculando a transação de compra e venda do contrato com os executivos fundadores, 2) eliminando quaisquer multas restritivas e 3) aumentando o valor da transação.”

Sobre a Vivara, disse que “a reunião do conselho formada pelos independentes resultou empatada, sendo que dois votaram a favor da eleição do Nelson Kaufman e dois contra. A decisão final foi, portanto, tomada pelo acionista representante do bloco controlador no conselho.”