A Berkshire Hathaway havia passado com louvor pela implosão das pontocom, mas, no início de 2009, não estava claro como a empresa atravessaria uma das mais graves crises do capitalismo, iniciada no ano anterior.
Eu era repórter da Exame e resolvi usar isso como mote para tentar convencer os editores a me mandar para Omaha para cobrir a conferência anual da Berkshire – que, na época, era 100% presencial.
Talvez esse seja o evento financeiro mais acompanhado do mundo, e já era assim em 2009. Isso significa que haveria uma enxurrada de matérias sobre a conferência antes que a revista, que era quinzenal, chegasse às bancas.
Os editores aprovaram a viagem – e aí começou a saga para tentar conseguir algo diferente, exclusivo, para os leitores.
Meu pedido para entrevistar Warren Buffett e Charlie Munger foi negado – como o de todos os outros jornalistas que tentaram, me disse uma impaciente assessora da Berkshire.
Mas ela contou que os dois falariam com um pequeno grupo de jornalistas após a apresentação para os acionistas, e eu poderia fazer uma solicitação para participar. Negada.
Em paralelo, fui pelas beiradas. Marquei entrevistas com executivos de empresas em que a Berkshire investe, com autores de livros, com a gerente do restaurante que Buffett frequenta em Omaha; consegui acesso a alguns dos muitos eventos paralelos que acontecem na cidade nesse período, e até comprei ingresso para o show do filho caçula de Buffett, Peter.
Mas era pouco. Até que a Cristiane Correa, uma das editoras da Exame na época, disse: “Por que você não escreve diretamente para o Buffett? Uma carta mesmo. Ele diz que lê tudo, né? Vai que ele lê.”
Foi fácil encontrar o endereço da casa de Buffett na internet. Ainda no Brasil, escrevi uma carta me apresentando e praticamente implorando para falar com ele e Munger. Juntei dois exemplares da Exame (em português) e mandei.
Duas semanas depois, chega a resposta: “Mr. Buffett” havia recebido a carta e autorizado minha entrada naquele grupo de jornalistas que poderia entrevistá-lo junto com Munger.
Cada jornalista desse grupo poderia fazer uma pergunta para os dois. Fiz o que quase todo jornalista faz nessas horas: juntei quatro perguntas em uma. Como eles viam o Brasil e a América Latina? Por que não investiam no Brasil? O que poderia fazê-los mudar de ideia? Algo chamava a atenção aqui?
Buffett disse que uma coisa chamava sua atenção: Jorge Paulo Lemann. Elogiou a trajetória de Lemann e disse que buscava empresários assim como parceiros (o primeiro negócio entre eles, a compra da Heinz, aconteceu em 2013).
Munger ficou em silêncio. Quando a sessão de perguntas e respostas terminou, Munger me chamou e disse: “Deixa eu te explicar por que não investimos em empresas no Brasil.”
Ficou alguns minutos listando as nossas mazelas – a dificuldade para fazer negócios, a falta de mão de obra qualificada, a burocracia – e discorrendo como tudo isso prejudica as nossas empresas.
À medida que ele falava, parecia que ia ficando irritado com a quantidade de problemas. Por tudo isso, concluiu, não via motivos para perder tempo no Brasil.
Preferia usar seu tempo na China, onde ele não encontrava essas barreiras e onde via negócios promissores surgindo.
A Berkshire havia acabado de comprar uma participação na BYD, e Munger estava animado com as possibilidades. O tempo mostrou que estava certo: houve solavancos, mas em 15 anos o investimento inicial de cerca de US$ 230 milhões se transformou em US$ 9 bilhões.
“Se algo é muito difícil, decidimos fazer outra coisa. O que pode ser mais simples que isso?” Munger costumava dizer.
Buffett e Munger não só atravessaram a crise de 2008 como aproveitaram com maestria as oportunidades que surgiram de lá pra cá.
Mas exceto por um pequeno investimento no Nubank, o Brasil continuou de fora.
Ilustração: Davi Augusto Studio